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A cabeça de Hitler

O que se passava por dentro da mente mais doentia do século 20?

Por Fábio Marton
Atualizado em 13 dez 2019, 14h37 - Publicado em 13 nov 2019, 14h36

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Psicopatia, bipolaridade, traumas de infância, sexualidade aberrante? Desde quando o Führer ainda estava vivo, psiquiatras se esforçam para desvendar o que se passava por dentro da mente mais doentia do século 20 – e mesmo saber se de fato ela tinha alguma doença. A seguir, várias facetas dessa mente.

Pode uma pessoa comum fazer um mal incomum? Hannah Arendt famosamente afirmou isso, ao analisar outro Adolf, o Eichmann, membro das SS responsável por enviar judeus a campo de extermínio, que foi sequestrado da Argentina em 1961, julgado e executado em Israel, no ano seguinte. Para ela, Eichmann e toda a cúpula nazista eram só um bando de burocratas tocando sua vidinha medíocre naquilo que seu país havia se tornado.

A tese em si já é controversa, mas isso se aplicaria ao próprio Hitler? Uma pessoa como eu e você poderia ser responsável pelos atos mais abjetos do século 20? É algo que os psiquiatras, psicanalistas, psicólogos e historiadores vêm discutindo desde antes da morte do líder nazista – que, aliás, foi prevista por um deles, o psicanalista Walter Charles Langer, que conduziu um estudo secreto sobre a personalidade de Hitler para o governo americano, em 1943.

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Langer falou que Hitler não aceitaria a derrota e cometeria suicídio. Concluiu que era o caso de um “psicopata neurótico, beirando a esquizofrenia”. E também mal resolvido com a própria sexualidade. Segundo Langer, Hitler amava pornografia e tinha “tendências coprofágicas suaves” em suas relações sexuais.

Questão de ética

Um problema óbvio em se tentar traçar um perfil psicológico de Hitler é que ele não está aqui para responder a perguntas e ganhar um diagnóstico. A Associação Psiquiátrica Americana tem até um regulamento contra diagnosticar pessoas em ausência: a Regra Goldwater, criada após um livro de um psiquiatra analisando o candidato presidencial de 1964, Barry Goldwater, ter gerado um escândalo nacional.

Mas nunca faltou nem falta profissional de saúde mental para tentar descobrir o que se passava na cabeça de Hitler. Em 2007, os professores do Departamento de Psicologia da Universidade do Colorado Frederick Coolidge, Felicia Davis e Daniel Segal fizeram uma longa compilação de várias fontes biográficas, simulando responder questionários psicológicos padrão com as frases e ações de Hitler. Os maiores scores foram transtorno de estresse pós-traumático (76 de 100), pensamento psicótico (73), esquizofrenia (69), transtorno de personalidade antissocial (78), transtorno de personalidade narcisista (77) e transtorno de personalidade sádica (76). O que quer dizer que o diagnóstico popular e aparentemente óbvio de que Hitler era um sociopata ou psicopata diz muito pouco. Até porque cerca de 2% das pessoas no mundo inteiro são sociopatas – 4,2 milhões só no Brasil. E ninguém topa com um Hitler desde 1945.

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Em seu livro Hitler: Diagnosis of a Destructive Prophet (“Hitler: Diagnóstico de um Profeta Destrutivo”, sem versão em português), o falecido Dr. Fritz Redlich (1910-2004) afirmou que os distúrbios de Hitler “poderiam preencher um manual de psiquiatria”. Ele avaliou todo tipo de afirmação feita, como de que Hitler tinha um testículo só, sua paranoia, doenças físicas, raiva, problemas com o pai e sexualidade muito mal-resolvida. Para Fritz, seja lá o que Hitler tivesse, ele estava em pleno controle de suas decisões. “Ele sabia o que estava fazendo e decidiu fazer com orgulho e entusiasmo”, concluiu o psiquiatra. Em termos leigos: na avaliação de Fritz, Hitler não era louco. Veja nos quadros ao lado várias facetas de sua mente.

Raiva do pai

É consenso que o pai do Führer, Alois Hitler, foi uma figura brutal e que o filho o detestou pela vida inteira. No que isso importa? Entre outros, o falecido psiquiatra Henry A. Murray, da Universidade de Harvard, levantou que um complexo de inferioridade e uma sensação de impotência nasceram daí, levando, como compensação, ao lado narcisista do adulto, à autoimagem megalomaníaca e à exigência de constante louvor da multidão. Mas pode ter mais um pouco ainda: havia o boato de que Alois Hitler fosse judeu por parte de pai, já que era filho de pai desconhecido. Assim, Hitler teria transmitido seu ódio ao pai, um “mestiço degenerado”, aos judeus em geral.

Em 1931, antes de assumir o poder, Hitler chegou a ordenar uma investigação secreta para descobrir se seu avô era ou não era judeu.

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Veja qualquer quadro pintado por Adolf Hitler, como esse ao lado, e diga o que sente. Sem pensar no autor, só vendo a imagem. A resposta provavelmente é: “não tem nada de mais”. E é exatamente isso que se quer dizer quando se fala que Hitler era um artista medíocre. Ele sabia desenhar, e não só paisagens: fez até nus femininos. Mas conhecer a técnica não é equivalente a ser um artista. Hitler atribuiria seu fracasso artístico ao modernismo, que estava em ascensão quando sua admissão foi recusada duas vezes, em 1907 e 1908, pela Academia de Belas Artes de Viena. Perseguiria até mesmo modernistas simpáticos ao nazismo, como o expressionista Emil Nolde. (Hugo Jaeger/Getty Images)

Trauma de guerra

Hitler escreveu em Mein Kampf que sua última ação na Primeira Guerra foi na Batalha de Courtrai, em 14 de outubro de 1918, em Ypres, Bélgica. Atingido por um ataque químico, acabou internado e ficou cego por semanas. Quando, em 10 de novembro, ouviu a notícia da capitulação da Alemanha, ficou cego mais uma vez. Isso é considerado sinal de que sua cegueira inicial possivelmente não era física (ou não totalmente), mas psicossomática. “Histérica”, como Charles Langer escreveu em 1943.

Hitler também diz em Mein Kampf que aí foi revelada sua missão. Em seu estudo, os psiquiatras da Universidade do Colorado especulam se o transtorno de estresse pós-traumático pode ter sido o divisor de águas entre o pintor e soldado de modos gentis e o fanático que incendiaria multidões.

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Farmácia ambulante

Espasmos abdominais, gases, constipação, hipertensão, dores de cabeça, palpitações, problemas de visão, infecção urinária frequente e, ao fim da vida, mal de Parkinson. Possivelmente impotência também. A ficha médica de Hitler só não era maior que a psiquiátrica. E não tinha muito a ver com seus hábitos: ele não fumava, não bebia e era, famosamente, vegetariano. Para tratar isso tudo, ele tinha um médico irresponsável. O Dr. Theodor Morell gostava de experimentar, e Hitler levava até 20 injeções por dia de seus tratamentos experimentais para se manter em pé. Uma lista incompleta: morfina, cocaína, metanfetamina, estricnina (não é letal em pequenas doses).

É tanta coisa que alguns autores, como o jornalista alemão Norman Ohler, autor de High Hitler: Como o Uso de Drogas Mudou o Desfecho da 2ª Guerra, acreditam que o agravamento de sua condição, terminando em suas péssimas decisões finais e o suicídio, teria sido provocado por síndrome de abstinência, quando seu armário de remédios foi esvaziado pela escassez causada pela guerra.

Sexualidade

É o tIpo de escândalo mais fácil de espalhar e tem sido assim desde o começo da humanidade. Um boato sexual cola mais que qualquer outro. Entre as lendas urbanas, está a de que o médico de Hitler o injetou com sêmen de bode para ganhar virilidade (na verdade, ele tomou atropina, que pode ser produzida a partir de gônadas de mamífero). Ao público geral, Hitler se dizia celibatário, completamente dedicado à sua causa. A cineasta Leni Riefenstahl afirma ter tentado seduzi-lo, sem efeito. Magda Goebbels, esposa de seu ministro de propaganda, Joseph Goebbels, diz ter tentado arranjar encontros, mas ele nunca se interessou. Há outros casos, o que levou às hipóteses de que fosse gay (numa época em que psiquiatras achavam que era doença). Ou então assexuado, ou simplesmente reprimido.

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Geli Raubal com Adolf Hitler, por volta de 1930. (ullstein bild Dtl./Getty Images)

Casto ou não, Hitler parecia ter um perfil para se envolver: mulheres muito mais jovens que ele, mais fáceis de controlar. O real mistério da sexualidade de Hitler se chama Geli Raubal. É sua meia-sobrinha, 19 anos mais jovem que ele, que viveu em sua casa entre 1925 e 1931. Hitler era extremamente controlador com ela, acompanhando pessoalmente ou com algum conhecido cada passo seu, e impedindo-a de ter relações pessoais. Geli se suicidou com a arma de Hitler, no mesmo dia em que ele a impedira de fazer uma viagem sozinha para Viena. Até hoje, nunca foi esclarecido se havia algo de sexual na relação (acusação de Otto Strasser, rival de Hitler no próprio Partido Nazista). Ou até se Hitler cometeu um assassinato.

Já então ele se relacionava com Eva Braun, 23 anos mais jovem. E as evidências são de que essa relação, que também acreditou-se não ter natureza sexual, parece ter sido bem mais “normal”, se assim pode se dizer. Isso defende a historiadora alemã Heike Görtemaker, autora de vários livros sobre Eva Braun, tomando como base declarações dela própria a conhecidos, como: “se vocês soubessem o que esse sofá já viu…”.

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