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8 fatos insólitos sobre a Igreja Medieval

A Igreja era uma força poderosa e onipresente na Idade Média. Mas nem tudo o que é dito e imaginado a respeito dela é baseado em fatos.

Por Fábio Marton
Atualizado em 7 Maio 2020, 17h58 - Publicado em 25 fev 2020, 12h06

1 • Livros pagãos não foram destruídos

Como muita coisa do que se imagina do fanatismo medieval – que, mais que um fanatismo, era uma concepção de realidade –, na verdade a censura veio depois, nos tempos do protestantismo e da Contrarreforma. O Index Librorum Prohibitorum, a lista de livros proibidos pela Igreja Católica, é de 1571. Uma coisa importante ao se falar da Igreja na Idade Média é que ela vinha de uma organização do fim do Império Romano do Ocidente, em que a Igreja e o Estado eram muito mais potentes.

E, juntos, já haviam censurado – ou filtrado, ou reinterpretado – o que acharam necessário. E mesmo a filosofia antiga trazida de volta pelos islâmicos também havia passado por esse filtro: ela descendia, em grande parte, de originais gregos do Império Bizantino, traduzida para o árabe por autores como o cristão Hunayn ibn Ishaq (809-873).

Outra fonte eram as bibliotecas persas, conquistadas parcialmente em 654 (boa parte acabou perdida ou destruída). Os europeus ocidentais “herdariam” mais originais bizantinos ao tomar de Constantinopla na Quarta Cruzada, em 1204. Isso não quer dizer que muita coisa, de fato, não tenha sido perdida na Idade Média. E aí foi mais falta de interesse que censura. Cada exemplar de um livro exigia um ou mais meses de trabalho exclusivo de um monge, que não vivia de lucro, mas precisava ser sustentado.

Assim, os monges copistas priorizaram o que era mais importante: o que servia para teologia e filosofia católica. Livros menos interessantes aos religiosos se perderam não necessariamente na fogueira, mas ao apodrecerem esquecidos numa prateleira. Queimas aconteciam: o historiador Alexander Murray, da Universidade de Oxford, calculou em 200 os eventos no período. Mas eram invariavelmente livros de teologia cristã vista como herética, não velhos tomos greco-romanos..

2 • A Igreja não era contra a Ciência

Porque a Igreja ERA a ciência. Eram os religiosos que detinham o conhecimento formal e, mesmo após o estabelecimento das universidades, pela própria Igreja, no século 11, abrindo esse conhecimento aos leigos, as maiores iniciativas vinham de religiosos, com os escolásticos como São Tomás de Aquino (1125-1273) e Roger Bacon (1219-1292) retomando o racionalismo e as ideias de Aristóteles (384–322 a.C.), o pai da filosofia natural.

De fato, uma das razões para a primeira grande briga com a ciência, a condenação do heliocentrismo (iniciado pelo padre Nicolau Copérnico), foi por discordar da visão de mundo aristotélica da Igreja.

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3 • Papas tentaram (mais ou menos) proteger os judeus

O roteiro era o mesmo: uma criança era achada morta. A palavra ia de boca em orelha e o consenso era formado: a culpa era dos judeus, que sacrificavam crianças para beber seu sangue. Eram então linchados ou executados formalmente pelas autoridades. O libelo de sangue, como era chamado, era uma posição que dividia a Igreja.

Alguns, como o monge Tomás de Cantimpré (1201-1272), chegavam a levantar teorias delirantes de por que os judeus estariam matando tantas crianças. Para ele, os judeus ouviam que o sangue de Jesus salva e se confundiam achando que o que salvava era sangue dos cristãos. Roma não gostava.

Em duas ocasiões, em 1247, com Inocêncio 4º, e em 1271, com Gregório 10º, os libelos de sangue foram proibidos “exceto em flagrante”. Sem chegar a dizer que judeus não sacrificavam crianças, ponto. Havia benefícios: as crianças mortas “pelos judeus” invariavelmente rendiam pontos de peregrinação. São Simão de Trento (1475) chegou a ser canonizado por sua morte em suposto sacrifício.

4 • A igreja não acreditava em bruxas

Simples assim: durante a maior parte da Idade Média, a Igreja não acreditava em bruxas. Santo Agostinho, no século 5, já dizia que a crença em bruxas era heresia. As pessoas acreditavam em mágica, e os trabalhos de um alquimista/feiticeiro eram bem pagos. Quando um “feiticeiro” era, ainda assim, julgado, não era por ser um bruxo ou bruxa, mas por ter cometido, por exemplo, um assassinato com venenos, ou um “feitiço” nocivo contra alguém. A preocupação da Inquisição, fundada em 1184, era a a heresia, não magia folclórica.

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Foi dessa preocupação que acabaria surgindo a caça às bruxas (e bruxos), ligada à ideia de um pacto com o Diabo. Em 1303 e 1307, na França de Filipe 4º (1268–1314), dois eventos começaram a mudar isso: a condenação póstuma do papa Bonifácio 8º e o julgamento e execução dos cavaleiros templários, acusados de cultuar Satã. A caça às bruxas começaria mesmo com a publicação de Malleus Maleficarum (1486), do monge dominicano Heinrich Kramer. O livro foi renegado pelos católicos em 1490, mas circulou amplamente e influenciou protestantes.

5 • A Igreja nunca queimou ninguém na fogueira (mas terceirizou)

“Sem ameaçar a vida e membros.” Assim foi definida a tortura permitida à Inquisição em 1252, pela bula Ad Extirpanda, do papa Inocêncio 4º. O contexto era a cruzada contra os cátaros. Na prática, o procedimento da Inquisição era ensaiado e discutido, e não envolvia só tortura física, mas um método para arrancar a confissão, com pressão psicológica incluindo os torturadores parecerem tristes, inocentes, obrigados a fazer aquilo, e darem várias oportunidades para a pessoa confessar.

A tortura principal da Igreja, para não ameaçar “vida e membros”, era o cavalete, a icônica máquina de puxar membros, até deslocá-los, sob sonoros estalos e gritos. Era feita na presença de outros interrogados, para incentivá-los a confessar antes. A Inquisição, porém, não queimava ninguém: os padres sempre terceirizavam a morte, mandando o condenado às autoridades seculares com a recomendação de que fosse queimado.

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6 • A igreja foi derrotada por reis

A Igreja pode ter sido a instituição unificada mais poderosa da Idade Média, mas sua relação com as monarquias não era simplesmente de o papa manda e o rei obedece. Vários reis foram excomungados em vida, o que não tirava em nada seu poder, mas os impedia de tomar comunhão na igreja e ser enterrados em solo sagrado.

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Geralmente a excomunhão terminava com a reversão pelo papa ou seu sucessor. As razões para um rei ser excomungado iam de desviar dinheiro da igreja (Afonso 2º de Portugal, 1212), executar religiosos (o rei polonês Boleslau 2º, que matou o Santo Estanislau de Szczepanów em 1079), até conduzir guerra aos Estados Papais (entre 1375 e 1378, o papa Gregório 11 esteve em guerra com as cidades-estado de Siena, Florença e Milão). O que mais levou a excomunhões foi a chamada Questão das Investiduras, o direito que líderes seculares se davam de escolher líderes religiosos, pela qual diversos reis do Sacro Império Romano-Germânico, como Frederico Barbarossa (1122-1190), acabaram excluídos da Igreja.

Nessas disputas, surgiam antipapas, líderes “alternativos” apoiados por monarcas, como Clemente 3º, que foi “papa” para o Sacro Império entre 1080 e 1100, enquanto o resto do mundo seguia Urbano 2º. O próprio papado acabou refém dos reis, em 1305, quando o rei francês Felipe 2º forçou a eleição de um papa francês, Clemente 5º, levando a um período de papas reinando da França, e, enfim, ao Cisma Ocidental (1378-1417): um papa na França e outro em Roma, que não se reconheciam.

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7 • Nepotismo era uma praga

Quando um nobre entrava na Igreja, deixava de o ser. A linhagem passava a terminar com ele. Mas isso não queria dizer que a Igreja, considerada uma classe social em si, fosse realmente um ambiente igualitário. Um plebeu que se tornasse monge podia de fato chegar à posição de abade. Mas bispos e cardeais quase inevitavelmente vinham da nobreza. Ou porque eram apontados diretamente pelos reis ou porque eram apontados por outros bispos nobres. Como religiosos não deixavam filhos (oficialmente), o mais perto de posição hereditária era indicar seus sobrinhos. Até 19 papas começaram como “cardinais-sobrinhos”.

Os condes de Túsculo elegeram sete papas. A situação foi tamanha que o cardeal Caesar Baronius, no século 16, referiu-se à época como o Século Obscuro. Os protestantes foram além e chamaram de “pornocracia”: o governo das prostitutas. Uma forma bem misógina de se referir à suposta influência das amantes dos papas – que definitivamente as tinham.

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8 • As indulgências não perdoavam nada

A maior causa da Reforma Protestante foi a mania católica de “vender” o Paraíso, particularmente grave na época das 95 teses de Lutero, em 1517, por conta do financiamento da Basílica de São Pedro. A Igreja não ensinava exatamente isso: uma indulgência era uma compensação equivalente à penitência que segue a confissão e arrependimento. Isto é, não garante o perdão para o pecado, que vem do arrependimento, mas o concede para o castigo terreno.

O que os papas não conseguiram – ou não tentaram realmente – foi perseguir com energia os “perdoadores”, padres que vendiam indulgências com promessas extravagantes e francamente heréticas, como desculpar pecados futuros e liberar almas no purgatório.

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