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Ciência

Stephen Hawking: gênio da física e ícone do pop

A vida e a ciência do gênio que hackeou os buracos negros

por Bruno Vaiano e Felipe Germano Atualizado em 17 ago 2020, 19h01 - Publicado em 28 mar 2018 13h32

O mestre dos buracos negros – parte 1

Como Stephen Hawking decifrou os objetos mais incríveis do cosmos, e abriu as portas para uma nova forma de interpretar o Universo

Olhando daqui, as estrelas parecem pontinhos estáveis no céu. Não se engane – é só aparência. Por trás da calmaria se esconde uma corda bamba cósmica. Um cabo de guerra delicado entre duas forças. A primeira delas é a gravidade. Estrelas, no início, são imensas nuvens de hidrogênio. Tão imensas que o gás entra em colapso por não aguentar a força da própria gravidade.

A pressão no interior da nuvem fica tão alta que ela se torna uma usina de produção de elementos químicos. Átomos de hidrogênio se fundem o tempo todo para se tornar átomos de hélio. Esse processo de fusão nuclear libera muita energia, e essa energia é irradiada para fora – compensando a atração gravitacional do gás e fazendo a estrela brilhar. É um equilíbrio muito sensível. Enquanto houver fusão, a fusão vai segurar a barra da gravidade. Por milhões de anos.

Quanto maior é a estrela, mais elaboradas são as fusões que ela pode fazer. Se ela fundir dois átomos de hélio, surge um de carbono. Dois de carbono dão um de oxigênio. E por aí vai, até chegar no ferro. A fusão de núcleos para formar ferro não libera energia suficiente para compensar a gravidade. E aí a estrela começa a cair sobre si mesma. E cair. E cair. Cair até que ela não aguenta o tranco e… boom!

O que sobra da explosão é uma singularidade. Uma singularidade é o que surgiria se você conseguisse espremer a Terra até ela atingir o tamanho de um amendoim (parece piada, mas é a conta exata: 1,7 centímetro). É tanta massa que surge um rombo no tecido do espaço-tempo. A gravidade ali tende ao infinito. Se você jogar um líder do PCC lá dentro, a gravidade não vai deixar nem o sinal do celular dele sair. Em torno da singularidade, há uma espécie de “perímetro de segurança” – o ponto de não retorno. Passou dali, está engolido de vez.

Stephen Hawking: gênio da física e ícone do pop

Assim nascem os buracos negros. É importante narrar seu parto, já que eles são o segundo personagem mais importante dessa história. O protagonista, claro, é Stephen Hawking. O astrofísico provou que a existência desses corpos era algo inevitável, uniu teorias inconciliáveis para encontrar uma maneira de destruí-los, e notou que eles são capazes de deletar o software do Universo – dar sumiço na informação que faz de nós o que somos.

É impossível observar buracos negros diretamente. Tudo que veríamos seria algo chamado horizonte de eventos: a esfera absolutamente negra e lisa que marca o ponto de não retorno mencionado ali atrás. Mesmo assim, faz tempo que sabemos da existência deles, porque eles dão as caras de outro jeito: pela matemática. A primeira vez que um buraco negro se revelou para um terráqueo foi em 1916, em uma trincheira cheia de lama e neve no front leste da 1ª Guerra Mundial.

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Entre um tiro e outro, um físico chamado Karl Schwarzschild, chamado pelo exército alemão para fazer cálculos de artilharia, entrou em contato pela primeira vez com as equações da Relatividade Geral de Einstein, recém-publicadas. E lá mesmo, na trincheira, concluiu o seguinte: se você colocar uma massa absurdamente grande num espaço ridiculamente pequeno, surge um detalhe incômodo, as tais singularidades. O próprio Einstein, mais tarde, se recusou a acreditar nelas. Achou que eram uma extravagância matemática, que não correspondia a nada que pudesse existir no mundo real.

Esse impasse durou décadas. As singularidades foram tratadas como um bug numa teoria que de resto era tão elegante quanto poderia ser. E é aí que entra a primeira realização de Hawking. Entre 1965 e 1973, em parceria com seu colega Roger Penrose, ele redigiu teoremas que demonstravam que a existência de singularidades não era um “defeito” na Relatividade Geral. Pelo contrário: eram uma consequência natural dela, dadas certas condições.

“Muito antes do Hawking e do Penrose nascerem, físicos teóricos já se deparavam com problemas nas soluções das equações de Einstein”, explica Juliano Neves, físico da Unicamp. “Mas foram eles que estabeleceram as condições para a existência (ou não) de singularidades. São teoremas muito bonitos, e boa parte dos cientistas os aceitam sem problemas.”

O buraco é mais embaixo

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1. O TECIDO DA REALIDADE
O alicerce do Universo é um “tecido” com três dimensões espaciais e uma temporal.

2. PEGANDO LEVE
Planetas, estrelas e até você geram depressões nesse tecido – é assim que funciona a gravidade.

3. BIGORNA
O buraco negro é um objeto tão denso e massivo que gera uma depressão infinita. Nem a luz escapa.

4. ROLO COMPRESSOR
Para virar um buraco negro, a Terra precisaria ser espremida até ficar com 2 cm de diâmetro. Assim.

Um assassino singular

Bacana: singularidades – e, por tabela, buracos negros – podem existir. Mas isso só transforma uma extravagância matemática em uma real: como é que pode existir um objeto que engole tudo, até a luz, sem jamais devolver nada? Em 1974, Hawking deu seu próximo passo e descobriu que não era bem assim. Buracos negros, concluiu o britânico, soltam alguma coisa: radiação.

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Acontece que não é qualquer radiação. Para chegar nela, Hawking precisou apelar para outro tipo de física: a quântica. A física quântica rege o mundo microscópico, o mundo das partículas que compõem os átomos. Ela funciona de acordo com leis bem diferentes das da física de Einstein, que lida com o mundo das coisas muito grandes, como estrelas e planetas. As duas andaram separadas por boa parte do século 20, pois são incompatíveis. Dá erro na calculadora.

Física quântica é assunto para um livro, não para um parágrafo. Mas o detalhe que interessa para nós é que, diferentemente da física que Hawking seguiu até aqui, a mecânica quântica descreve o mundo com base em estatística, não em previsões certeiras. Para ela, cada partícula que compõe a realidade – fóton, elétron etc. – na verdade deve ser entendida como um campo. Esse campo é como um “gráfico” que permeia todo o Universo. O gráfico representa a possibilidade de que uma partícula se manifeste em um determinado lugar.

Bom, às vezes esse gráfico se comporta de forma bizarra: surge um pico de energia aleatório, inesperado. E aí, pop! Brota uma partícula. Sim, em qualquer lugar. Acredite: o tempo todo, em todo o Universo, até embaixo do seu nariz, esse borbulhamento quântico está dando origem a partículas a partir do nada absoluto. Soa como um quadro surrealista, mas esse é um fenômeno muito bem descrito pelos números e já verificado na prática.

O tempo todo, em todo o Universo, partículas brotam no vácuo a partir do nada absoluto.

O negócio é que uma partícula qualquer não pode surgir assim. Com ela precisa obrigatoriamente vir, de brinde, uma antipartícula. A antipartícula é como uma gêmea má: igual à partícula, mas oposta em todos os sentidos. Da mesma maneira que + 1 – 1 dá 0, quando a partícula e a antipartícula se reencontram, elas se aniquilam – e o nada volta a ser nada.

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Isso acontece rápido. Tão rápido que é tecnicamente impossível determinar que aconteceu. É por isso que esses pares ganham o nome de partículas “virtuais”. “As partículas virtuais não podem ser detectadas, mas alguns efeitos indiretos causados por elas podem ser medidos, e comprovar as previsões teóricas”, explica Cecilia Chirenti, astrofísica da Universidade Federal do ABC.

E é aí que entra o lampejo de Hawking: e quando rola um pipoco de criação de partículas às margens do horizonte de eventos do buraco negro? Se uma cair lá dentro e a outra não – não importa qual é qual –, elas não poderiam mais se aniquilar. A que caiu lá dentro, caiu. A que ficou de fora, ficou. Elas são forçadas a sair do estado virtual e se tornar partículas reais, perfeitamente detectáveis. O problema é que essas partículas não podem simplesmente se tornar reais, porque coisas reais têm energia, e energia não pode surgir de graça – ela precisa vir de algum lugar. De onde? Bem, ela é tirada do próprio buraco negro. “Como elas foram criadas a partir da energia gravitacional do buraco negro, se uma delas escapar, ela vai levar embora um pouco da energia dele”, afirma Chirenti.

Bingo. Olhando aqui da Terra, do seu sofá, você vê essas partículas fugitivas como uma radiação. A radiação Hawking. Energia e massa, no fundo, são a mesma coisa (lembra da fórmula e = mc²?). Então, quando energia é roubada do buraco negro, a massa dele também diminui. Se você der tempo ao tempo – uns 1000000000000000000000000000000000000000000000000000 anos para perder 0,0000001% da massa –, uma hora puf! Ele evapora, derrotado pelo mundo quântico.

O nada em ebulição

Para a física quântica, o vácuo não é vazio. É só dar um zoom que você verá campos de energia borbulhando – e partículas surgindo e sumindo em um piscar de olhos.

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1. CALMARIA
Visto de longe, o tecido do espaço-tempo é só um vazio: o palco em que se desenrola a realidade.

2. MAR BRAVO
Dando um zoom, porém, a física quântica entra em ação: o vácuo é permeado por campos de energia, cada um correspondente a uma partícula – fóton, elétron etc.

3. GERAÇÃO ESPONTÂNEA
Se rola um pico de energia aleatório em algum lugar do campo, aparece uma partícula ali. Isso acontece o tempo todo, inclusive na sua frente.

4. GÊMEA MÁ
Mas o nada não pode dar origem a alguma coisa sem pagar um preço: junto surge uma antipartícula. Igual à partícula, só que ao contrário, como um + 1 e um – 1.

5. JOGO RÁPIDO
Como essas partículas se aniquilam na hora, é impossível detectá-las: são chamadas “virtuais”, e, na prática, nunca existiram. Mas não fica nisso. Veja mais abaixo!

Essa sacada genial balançou a física da época. Hawking provou que algo é capaz de escapar de uma entidade da qual nada, por princípio, escapa – e fez isso unindo dois tipos de física que nunca se deram bem. Pena que a temperatura da radiação que ele previu seria minúscula na prática. Algumas frações de grau acima do zero absoluto. Não há como enxergar algo tão sutil, mesmo que pudéssemos colocar um termômetro na boca do buraco negro. E é por causa desse problema prático que Hawking morreu sem um Prêmio Nobel. A tecnologia necessária para comprovar sua maior realização talvez ainda esteja a décadas de distância. Mesmo assim, ela se tornou consenso na física. Não existe teoria hoje que não leve em conta a existência da radiação Hawking.

E ela tem uma consequência assustadora. Daqui a mais anos do que cabem zeros nesta revista, Terra, Sol e todas as estrelas vão virar pó. Esse pó vai ser engolido por um buraco negro, que por sua vez será engolido por outro, ainda maior. Sem terem o que comer, esses últimos buracos negros não terão opção a não ser sucumbir, lentamente, aos efeitos da radiação Hawking. E quando eles finalmente sumirem, vão levar junto uma coisa curiosa: o software do Universo.

Procura-se informação

Quando um buraco negro engole alguma coisa, ele não digere só matéria e energia. Ele põe para dentro algo mais abstrato: informação. Informação é qualquer coisa capaz de reduzir o grau de incerteza sobre o futuro – são dados sobre a maneira como as coisas estão agora que te permitem prever como elas estarão depois.

A informação, como a energia, é indestrutível. Pegue um livro. Ponha fogo nele. Se você tivesse a capacidade técnica de analisar a posição original e a trajetória percorrida por cada molécula de fumaça que compunha o livro, você poderia, em tese, usar essa informação para reconstruí-lo. O papel e a tinta não voltariam a ser papel e tinta, é óbvio. Mas, matematicamente, seria possível deduzir da fumaça o que estava escrito ali.

Todo buraco negro deixará de existir, derrotado pelo mundo quântico.

Pena que é tecnologicamente impossível saber tudo que há para saber sobre cada uma das moléculas que eram parte do livro e agora são fumaça. É mais informação do que todos os computadores do mundo podem processar. Para todos os efeitos, essa informação está escondida, inacessível. E os físicos também têm um nome para a quantidade de informação que está escondida em alguma coisa: entropia.

Entropia é o quanto você pode bagunçar uma coisa sem ninguém perceber o que mudou. Alterar a informação oculta sem alterar a informação visível. Para entender, vamos usar uma analogia: se seu quarto já está uma zona, tanto faz jogar uma meia aqui ou uma cueca suja ali – sua mãe não vai notar essas alterações. Isso é entropia alta. Se seu quarto é imaculadamente arrumado, por outro lado, uma cueca jogada na cama vai se destacar muito. Isso é entropia baixa.

John Wheeler, mentor da geração de físicos de Hawking (e criador do termo “buraco negro”), tinha bons motivos para acreditar que buracos negros eram latas de lixo de entropia. Que a bagunça inerente às coisas que você jogasse lá dentro desapareceria de vez do Universo. E isso é um problema enorme. Porque há uma lei muito bem estabelecida na física que diz que a desordem sempre aumenta no Universo – que um livro queimado não volta a ser um livro por obra do acaso.

Wheeler havia baseado sua conclusão no fato de que a aparência de dois buracos negros diferentes é sempre idêntica: tudo que você vê – ou melhor, que você não vê – é a esfera negra em torno da singularidade. O horizonte de eventos, aquele perímetro de segurança do qual nem luz nem sinal de celular escapam. Os teoremas que comprovam isso se chamam teoremas da calvície, porque determinam, metaforicamente, que buracos negros não têm “penteados” que os diferenciem de outros buracos negros. Eles são esferas escuras e lisas.

Frio, pero no mucho

Hawking descobriu que as partículas e antipartículas são as únicas coisas capazes de roubar energia dos buracos negros – até eles sumirem de vez

Stephen Hawking: gênio da física e ícone do pop

1. BEIRA DO ABISMO
Às vezes, rola a criação de um par de partícula e antipartícula bem ao lado do buraco negro. E aí pode acontecer de uma cair e outra não.

2. ROMEU E JULIETA
Separadas para sempre, as partículas não podem mais se aniquilar: são obrigadas a se materializar de vez. E, para se materializar, elas precisam tirar energia de algum lugar. Do próprio buraco negro.

3. FUGA DE ALCATRAZ
A partícula que ficou de fora escapa, levando junto um pouquinho da energia do buraco negro. Essa fuga é detectada como um calorzinho muito tênue: a radiação Hawking.

4. PENSE NEGATIVO
Já a partícula engolida adquire “energia negativa” (por conta da gravidade extrema). E engolir energia negativa é a mesma coisa que perder energia. O buraco diminui.

1 trilhonésimo de grau. É essa a temperatura do buraco negro que há no centro da Via Láctea

Foi um dos pupilos de Wheeler, Jacob Bekenstein, que arriscou discordar. Em 1972, ele, em parceria com Hawking, cravou que um buraco negro, na verdade, é o cúmulo da entropia, e não a falta dela. Que o buraco negro é como um quarto em que há tantos objetos, mas tantos objetos, que eles desabam sob o próprio peso, se misturam como se tivessem sido batidos no liquidificador e passam a ocupar o menor espaço que dá para qualquer coisa no Universo ocupar: espaço nenhum. Por isso, toda a informação do buraco negro está oculta. Ele é a bagunça máxima. Como no caso da fumaça do livro, a aparência homogênea está escondendo a informação no nível microscópico.

Hawking foi além e descobriu onde mora a informação oculta do buraco: fica armazenada na superfície de seu horizonte de eventos. Na “casca”. É como um HD com a maior capacidade de compactação possível: um bit (a menor unidade de informação possível) a cada 1,6 · 10−33 cm – o menor comprimento que ainda dá para chamar de comprimento. Se um grão de areia de 1 milímetro fosse do tamanho do Universo observável, esse comprimento seria dez vezes menor que o grão de areia. Como não dá para espremer mais nada na coisa mais espremida que existe, se você joga alguma coisa no buraco, o horizonte de eventos dele precisa obrigatoriamente esticar 1,6 · 10−33 cm para armazenar cada bit novo.

Foi um alívio. Hawking concluiu que buracos negros não só têm entropia – ou seja, obedecem a uma lei básica da física – como existe um jeito prático de medi-la: calculando sua área. Mas calma. Esse é só o começo da confusão cósmica gerada pelas singularidades.

Eu, holograma

Hawking descobriu que buracos negros são prisões de informação. Mas ele também descobriu que todo buraco negro vai sumir eventualmente em uma nuvem de radiação. Acontece que informação é um troço indestrutível: ela precisa ir parar em algum lugar depois que o buraco sumir. Mas onde? Bem-vindo ao “paradoxo da informação”, que ferve a cabeça dos físicos há décadas.

Tanto que, em 1981, o paradoxo da informação rendeu uma cena histórica no auditório da Universidade da Califórnia, em Santa Barbara. Um grupo de físicos – entre eles o próprio Hawking – fez uma enquete para ver qual era a solução favorita da comunidade para o problema. A alternativa “A informação é perdida de vez” ganhou 25 votos, incluindo o do britânico. “A informação vai para a radiação Hawking” ganhou 39. “A informação continua acessível em um ‘resto de buraco negro’” ganhou 7.

A realidade pode ser só um holograma, projetado da superfície de um buraco negro.

Mas ciência não é democracia. Não é decidida por voto popular. A brincadeira só revela o quanto nós estamos distantes de bater o martelo de vez nessa questão. O próprio Hawking, em 2004, perdeu uma aposta com o físico John Preskill ao mudar de opinião e admitir que, na verdade, a informação não poderia sumir de vez. O item apostado foi uma enciclopédia sobre beisebol – na qual, nas palavras engraçadinhas de Hawking, “a informação pode ser acessada sempre que desejado”.

Mas mesmo que o paradoxo da informação fosse resolvido, ainda restaria um problema nessa história. O horizonte de eventos, você deve se lembrar, é só um perímetro de segurança em torno do buraco negro que nada (repetindo, nem a luz) pode cruzar sem ser engolido. Isso significa que o software de um buraco negro – toda a informação que ele contém – cabe em uma superfície bidimensional, em algo 2D. E a projeção de uma superfície 2D em uma forma 3D tem aquele nome que já vimos em Star Wars: holograma.

Teóricos renomados como Leonard Susskind e Gerardus ‘T Hooft logo perceberam que, se toda a informação da coisa mais concentrada do mundo – um buraco negro – cabe na sua “casca”, então uma consequência lógica disso é que toda informação contida em qualquer coisa do Universo também caberia em uma superfície circundante. Em outras palavras, nada impede que tudo o que você chama de realidade seja um grande holograma. Que você seja uma manifestação 3D, de carne e osso (ou melhor, de matéria e energia), de um programa de computador da natureza – de um punhado de informação que está rodando em uma superfície 2D. É como se as montanhas, os planetas, as estrelas, os traços do seu rosto fossem uma grande ilusão projetada por uma Matrix. E a Matrix fosse a superfície escura e lisa de um buraco negro.

Parece ficção científica, mas é tudo matemática. E põe matemática nisso: essa hipótese hoje é uma das bases da Teoria das Cordas, a vanguarda da física contemporânea.

Hawking não trabalhou sozinho. Ele se tornou o símbolo de uma geração de físicos no mínimo tão importantes quanto ele. Penrose, Wheeler, Bekenstein, Susskind, Preskill e ‘T Hooft, entre vários outros, usaram as fundações deixadas por Einstein e pela física quântica para tirar conclusões insólitas sobre os mecanismos ocultos do Universo. Mecanismos que estão muito, muito além do que nosso cérebro foi programado para compreender, mas que, hoje, sabemos serem parte do cosmos. Como disse o próprio Hawking: “Somos só uma raça avançada de macacos em um planeta minúsculo de uma estrela bem medíocre. Mesmo assim, somos capazes de compreender o Universo”.

Stephen Hawking: gênio da física e ícone do pop

No final, quando tudo que já existiu estiver dentro de buracos negros, eles vão evaporar. E aí acabou o Universo.

Texto Bruno Vaiano
Ilustração e design Fabricio Miranda
Edição Alexandre Versignassi

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Um popstar singular — parte 2

Além de desvendar as singularidades cósmicas, Hawking foi um ícone gigantesco da cultura pop — e isso foi ótimo para a ciência

“Eu gosto de experimentos simples. E de champanhe”, diz a robótica voz de Stephen Hawking, sentado numa sala da Universidade de Cambridge, onde trabalhou por 52 anos. Ao seu redor, dezenas de balões decoram o local, e cercam a mesa repleta de taças já servidas com a bebida francesa. Acima da porta, uma faixa exibe os dizeres “Bem-Vindos, Viajantes do Tempo”. A gravação, de 2009, serve para registrar uma experiência: ele fez uma festa para pessoas vindas do futuro, mas só divulgou a celebração três anos depois do fim da farra – evitando penetras contemporâneos. “Eu espero que um registro desse evento seja encontrado daqui a milhares de anos, para que algum aventureiro possa pegar uma máquina temporal e vir à minha festa”, explica. Stephen encara o relógio na parede enquanto, pouco a pouco, os balões murcham e a bebida esquenta. Ele olha para a câmera, respira fundo, e clama “Que pena!”. Ninguém apareceu.

Hawking deu essa pseudo-festa porque sempre defendeu uma tese. “A maior prova de que as viagens ao passado não existem é o fato de nunca termos recebido visitantes do futuro”, ele dizia. Para um cientista comum, cravar uma frase bem sacada como essa seria o bastante. Para Hawking, não. O britânico era espetaculoso. Ele não foi o maior cientista de sua geração, mas com certeza foi o mais conhecido. “Para meus colegas, eu era apenas um físico, mas, para o público em geral, me tornei o cientista mais famoso do mundo”, afirmou em sua autobiografia, Minha Breve História. “Me encaixo no estereótipo do gênio deficiente. Não posso me disfarçar com uma peruca – a cadeira de rodas me denuncia”, brinca. De um jeito ou de outro, o fato é que ele usou de sua fama para ajudar a propagar conhecimento.

Stephen Hawking: gênio da física e ícone do pop

Ela

“Pare de beber cerveja”, esse foi o primeiro diagnóstico que Hawking ouviu, aos 20 anos, sobre seu estranho estado de saúde. Ele se sentia cada vez mais desajeitado, e resolveu ir a um médico depois de cair de uma escada. Independente da quantidade de bebida ingerida, no entanto, a situação piorava. Até que, no Natal daquele mesmo ano, 1962, a situação se tornou, literalmente, insustentável. Ele caiu enquanto patinava, e não conseguiu mais se levantar.

Hawking foi diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica (ELA), e sentenciado a poucos meses de vida. A doença, que mata os neurônios responsáveis pelo controle de músculos voluntários, evoluiu rapidamente (em menos de um ano, Stephen já não conseguia mais andar sem bengalas). Mesmo assim, encontrou um motivo para viver. O mais usual deles: amor.

Aos 21 anos se apaixonou por Jane Wilde, com quem teve três filhos ao longo da vida. Noivou o mais rápido possível, já precisando de bengalas para se apoiar. “Para casar, eu precisava de um emprego e, para consegui-lo, tinha que terminar meu PhD. Por isso, comecei a trabalhar pela primeira vez na vida”, conta. Ele também sabia que, se entrasse para a vida acadêmica, conseguiria se manter empregado até os últimos minutos de vida – apesar de sua deterioração física. A morte iminente se tornou um estímulo. Começou a trabalhar como se cada dia fosse seu último (até porque poderia ser mesmo) e ganhou uma ajuda prática: “Minha deficiência não foi um obstáculo sério no meu trabalho científico. Inclusive, acho que de certa forma foi uma vantagem: não tive de dar palestras ou aulas. Pude me dedicar por completo à pesquisa.”

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“Não posso me disfarçar com uma peruca – a cadeira de rodas me denuncia.”

A partir daí, o crescimento foi meteórico. No mesmo ano de seu casamento, em 1965, terminou seu PhD. Em 1973, foi aceito na Royal Society (a principal organização científica britânica) e no ano seguinte publicou sua maior teoria, sobre a radiação dos buracos negros. Em 1979, tornou-se Professor Lucasiano em Cambridge, posto que reconhece seu ocupante como o maior cientista da casa.

A fama junto ao público, porém, só veio em 1988, o ano da publicação de Uma Breve História do Tempo, um livro voltado para leigos. Não que a proposta tenha dado certo. Uma Breve História traz um texto áspero. Nunca foi uma boa peça de divulgação científica. Mas o visual sci-fi de Hawking, aliado às suas credenciais acadêmicas, transformou a obra num Harry Potter, um best-seller global.

“Sem dúvida, a história de como consegui ser um físico teórico apesar da minha deficiência ajudou. Porém, os leitores que compraram o livro por causa disso podem ter se decepcionado. Há poucas referências à minha condição. A intenção da obra era descrever a história do Universo, não a minha”, conta Hawking.

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Seja como for, Stephen gostou das luzes da ribalta. Enquanto Einstein tem como símbolo uma única foto, mostrando a língua, feita enquanto tentava caçoar de um paparazzo, Hawking seguiu pelo extremo oposto, procurando o público. Na hora de publicar Uma Breve História, por exemplo, fugiu de editoras que focavam exclusivamente em ciência. “Eu queria que fosse o tipo de livro que vendesse em livrarias de aeroportos”, afirmou. Deu certo. O livro vendeu mais que disco dos Beatles: ultrapassaria a marca de 10 milhões de cópias, mesmo com seu texto duro. “Sei que muitas pessoas compraram só para exibir na estante. Mas pelo menos algumas devem ter mergulhado nele, porque todo dia recebo uma pilha de cartas”, disse.

Stephen Hawking: gênio da física e ícone do pop

Depois do best-seller, a figura de Hawking explodiu, e ele reforçou isso sempre que pôde. Em 1993 fez uma participação em Star Trek: A Nova Geração. Em 1999 fez a primeira de suas quatro aparições em Os Simpsons – Hawking gostou tanto de participar do desenho que possuía um boneco da sua versão cartunizada na sua mesa de trabalho, em Cambridge. E a recíproca era a mesma: “O mundo conhecia Hawking como outro Einstein; para nós, ele era um boneco, com a cadeira de rodas vendida separadamente”, brinca Al Jean, produtor executivo dos Simpsons, em entrevista à SUPER. “Guardo com amor toda interação, tão breve, que tivemos com esse verdadeiro gigante”, completa.

Ele ainda apareceu em sete episódios de The Big Bang Theory, foi interpretado por Benedict Cumberbatch em um filme televisivo que leva seu sobrenome e, claro, rendeu um Oscar a Eddie Redmayne, que o interpretou no sucesso de bilheteria A Teoria de Tudo, sua cinebiografia. Só para citar alguns exemplos. Tamanha popularidade, porém, não foi positiva só para Hawking. Fez um bem danado para a ciência. As grandes editoras ficaram famintas por livros de divulgação científica. Assim surgiram joias como O Universo Elegante (1999), de Brian Greene.

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O resultado mais aparente desse fenômeno está nas salas de aula. O número de graduados em física dobrou nos EUA entre a década de 1990 e 2016.

“Sei que muitas pessoas compraram meu livro só para colocar na estante.”

Mais perto do fim da vida, quando a doença já tinha lhe tirado basicamente todos os movimentos do corpo, Hawking se tornou uma espécie de “comentarista” de ciência, especializando-se em cravar frases de efeito. E ele era ótimo nisso. Em 2010, disse que “um dia vamos receber uma mensagem de outro planeta, mas seria prudente pensar duas vezes antes de responder: nosso contato com uma civilização mais avançada pode acabar como o encontro dos índios com Colombo”. Em 2014, alertou contra a Inteligência Artificial: “Desenvolvê-la pode significar o fim da humanidade”.

O fim

Hawking faleceu no dia 14 de março, aos 76 anos, fechando um ciclo simbólico: nasceu no dia da morte de Galileu e morreu no aniversário de Einstein. Não dá para falar que foi repentino, claro. Hawking já vivia havia cinco décadas esperando a execução da sentença de morte recebida aos 21 anos. Sentença que o incentivou a casar, estudar, a revolucionar a ciência. “Não posso dizer que ter a doença foi uma sorte, mas hoje sou mais feliz que antes do diagnóstico”, disse em entrevista à revista Época em 2012.

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Antes de partir, pediu que sua lápide exibisse sua obra-prima: a equação para calcular a energia emitida pelos buracos negros. De fato. Mais do que o estrelato que ele obteve em vida, o que vai garantir a imortalidade de Stephen Hawking é a ciência grandiosa que ele produziu. A fama de sua física seguirá para sempre. Talvez a ponto de que algum viajante do futuro, mesmo perdendo a festa, apareça para se despedir.

Onde está o Hawking?

Texto Felipe Germano
Ilustração Felipe Mascarenhas
Design Mayra Fernandes
Edição Karin Hueck e Alexandre Versignassi

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