Aspirações políticas
No dia 17 de agosto de 1926, o historiador e deputado federal Alfredo Ellis Júnior colocou em votação um projeto de lei para dificultar a entrada de imigrantes asiáticos e negros no Brasil. Seu projeto ganhou apoio de Oliveira Viana, um influente jurista e imortal da Academia Brasileira de Letras.
Três anos antes, segundo a pesquisadora Lorenna Ribeiro Zem El-Dine, da FioCruz, Viana tinha apoiado um projeto similar do deputado Fidélis Reis, que proibia a entrada de imigrantes negros, restringia parcialmente a “imigração amarela” e estimulava a imigração europeia em todo o território nacional.
Em 1929, o primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia é sediado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e pelo Instituto dos Advogados. O evento fazia parte das comemorações do centenário da Academia Nacional de Medicina, e foi presidido por Edgard Roquette-Pinto, o homem que inaugurou as transmissões de rádio no Brasil.
Um dos grandes temas ali foi a “educação para promover a consciência eugênica”. O intuito era estimular jovens estudantes a não contrair matrimônio com raças e classes sociais diferentes. O objetivo final era o mesmo de Galton: que os jovens eugenicamente sadios, casados entre si, tivessem mais filhos que as “raças degeneradas”, contribuindo para o desenvolvimento de uma nação “perfeita”.
A sessão foi presidida por Levy Carneiro, advogado, escritor e presidente da Associação Brasileira de Educação. Ao todo, participaram 200 profissionais, entre médicos, jornalistas e deputados, além de representantes do Peru, Chile, Paraguai e Argentina.
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Renato Kehl ficou eufórico, e inaugurou então a maior publicação eugênica do Brasil: o Boletim da Eugenia, suplemento do jornal médico Medicamenta.
Por três anos, o Boletim publicou textos de brasileiros e atualizou os eugenistas nacionais sobre as ideias de seus colegas estrangeiros – como o alemão Erwin Bauer que, junto com Fritz Lenz e Eugen Fischer, escreveu os dois volumes de Principles of Human Heredity and Racial Hygiene (“Princípios de Hereditariedade Humana e Higiene Racial”), uma das influências principais do Mein Kampf, de Adolf Hitler.
Depois do trauma do Holocausto, a eugenia, finalmente, perdeu força na política e na Academia.
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Durante o Estado Novo, Renato Kehl conseguiu, junto com Roquette-Pinto, integrar uma comissão no Ministério do Trabalho. Durante toda a década de 1930, os eugenistas influenciaram as políticas públicas de imigração e educação. Evidência disso é a própria Constituição Federal de 1934: o artigo 138 determinava que “estimular a educação eugênica” era dever da União, dos Estados e dos Municípios.
A restrição racial de imigrantes que, até então, era apenas projeto de lei, foi oficializada pelo Decreto nº 7.967 de 1945, assinado por Getúlio Vargas. O texto diz, com todas as letras, que a admissão de imigrantes no Brasil era condicionada “à necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência europeia”.
Concursos de beleza que elegiam as crianças e adultos com as melhores “qualidades eugênicas” foram promovidos por emissoras populares de rádio, como a Tupi, e apoiados financeiramente pela Secretaria Geral de Educação e Cultura.
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Depois do trauma do Holocausto, a eugenia perdeu força no mundo todo. Aos poucos, as discussões sobre raça ganharam outros contornos. Ainda que as ciências tenham abandonado oficialmente a eugenia, os estereótipos difundidos por seus precursores ainda encontram lugar na sociedade – a exemplo do que disse o vice-presidente Hamilton Mourão, na época candidato: “Gente, deixa eu ir lá, que meus filhos estão me esperando. Olha, meu neto é um cara bonito, viu ali? Branqueamento da raça.”
Grande nome do movimento eugênico brasileiro, Renato Ferraz Kehl concentra hoje, sozinho, quase todas as críticas ao assombroso affair do Brasil com a eugenia. Nem por isso deixou de receber loas. Em 1968, mais de 20 anos após o fim da 2ª Guerra, foi eleito Membro Emérito da Academia Nacional de Medicina por sua “atividade médica e científica em prol da pátria”.