Preço alto não é garantia de nada, e qualidade não é o único fator envolvido na apreciação.
Texto: Marcos Nogueira | Edição de Arte: FazFazFaz Design | Design: Andy Faria
Você caminha pelos corredores do supermercado e chega à gôndola dos vinhos. Se olha para baixo, encontra garrafas que podem custar R$ 30 ou até menos; se os olhos se movem para o alto, veem rótulos que chegam a R$ 100, R$ 200, R$ 300. Em lojas e sites especializados, não é difícil topar com tintos, brancos e espumantes com valores de quatro dígitos.
Essa enorme variação de preço tem uma série de razões para existir — algumas delas são relacionadas à qualidade, outras passam muito longe disso. Conheça a seguir os fatores que influem no preço de uma garrafa.
1. Rendimento da parreira
Quanto menor o rendimento — a quantidade de frutas que brotam de uma única planta —, maior a qualidade do vinho. Isso porque a parreira tem uma cota de nutrientes a ser distribuída igualmente entre as uvas, não interessa se são muitas ou poucas. Esses nutrientes se transformam, no fim das contas, nas substâncias que dão aroma e sabor ao vinho. Assim, uma parreira que rende pouco acaba produzindo frutas de sabor mais concentrado.
O baixo rendimento pode advir da idade da planta: as mais antigas têm menos cachos, daí o valor dado às bebidas que estampam no rótulo a expressão “vinhas velhas”. Outro fator determinante é a disponibilidade de água. Pouca água é melhor, pois a planta se estressa, não dá muitos frutos e dedica toda sua energia àquelas poucas crias.
Ao extrair menos vinho por metro quadrado, o produtor compensa a diferença na etiqueta da garrafa. A recíproca é verdadeira: os vinhos mais baratos são feitos com irrigação abundante, o que estimula a multiplicação dos cachos e a diluição do sabor da uva.
2. Seleção de uvas
Os produtores reservam para seus rótulos mais caros as melhores uvas. A seleção é feita de dois modos: separando a melhor terra ou escolhendo os cachos mais saudáveis para o vinho especial. Ambos os casos exigem atenção artesanal para o vinhedo (traduzida em práticas como a colheita manual), o que encarece o processo.
3. Desastres naturais
O vinho, como toda atividade agrícola, depende dos fatores imponderáveis da natureza. As perdas causadas por fatores climáticos, incêndios, terremotos e pragas fazem oscilar, principalmente, o preço dos vinhos mais caros.
Digamos que certa safra foi terrível, com geadas que mataram 30% das parreiras e comprometeram a qualidade das uvas sobreviventes. O produtor dos vinhos A (caro), B (médio) e C (barato) decide: não há condições de engarrafar A naquele ano. A produção de B é reduzida e o grosso das uvas vai para C. Em falta no mercado, as garrafas de A sobem de preço devido ao desequilíbrio entre oferta e demanda.
O contrário é muito incomum: em anos excepcionalmente bons, o produtor costuma reter o estoque para evitar a queda do preço.
4. Métodos de produção
Depois de colhidas e prensadas, as uvas do vinho barato vão para grandes tanques de fermentação e de lá para as garrafas e para o mercado. Tudo isso é feito da forma mais rápida e menos custosa possível.
Já o vinho caro (e presumidamente melhor) recebe tratamento VIP. Todo o processo de vinificação é acompanhado de perto pelo enólogo. O líquido permanece mais tempo na vinícola, ocupando as instalações e a mão de obra. Lá, envelhece em barris de carvalho (material caríssimo) ou na garrafa por meses ou anos.
Por último, a embalagem: vinhos caros são envasados em garrafas mais pesadas, com rolha e cápsula (o revestimento da rolha) de melhor qualidade e rótulos trabalhados.
5. Impostos
Nos vinhos nacionais, os impostos representam cerca de 65% do preço final; nos europeus, 85%. Argentina, Uruguai e Chile levam vantagem porque são isentos dos 27% de tributo de importação.
6. Oferta e demanda
É a lei de mercado que afeta qualquer produto. Quando um rótulo se torna sucesso de vendas, o preço tende a subir – e se estabilizar no topo. O mesmo pode ocorrer com todos os vinhos de uma zona de origem que ganha fama repentina. Há casos crônicos: na Borgonha (França), a demanda sempre foi maior que a oferta, que, por razões geográficas e burocráticas, não tem como crescer. Assim, os vinhos borgonheses têm preço muito acima da média.
7. Avaliação dos críticos
A nota que um vinho recebe de um crítico pode jogar para cima ou para baixo seu valor de mercado antes mesmo de ocorrer um reflexo na demanda. O comércio está muito atento à avaliação dos profissionais da revista americana Wine Spectator, da equipe do crítico Robert Parker (também americano), da inglesa Jancis Robinson e de publicações regionais, como os guias Descorchados (América do Sul), Peñín (Espanha) e Gambero Rosso (Itália).
Quando um desses veículos dá boa nota a um rótulo, o vinho em questão tende a ter preço maior na safra seguinte; quando o vinho recebe boas notas de forma consistente, ano após ano, ele tende a mudar de patamar de preço.
8. Itens de colecionador
É a exacerbação do desequilíbrio oferta x demanda. Há vinhos que chegam a custar milhares de reais – não existe nenhum fator inerente à produção que justifique essas cifras. Tais vinhos são tão caros não porque são ótimos (geralmente são), mas porque são disputados a tapa por gente rica que os usa como objeto de status. Não há teto para o preço de um vinho assim: enquanto houver quem pague, o valor vai subir.