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O futuro das companhias aéreas

A pandemia sacudiu a aviação mundial. Saiba o que as empresas brasileiras estão fazendo para atravessar a turbulência – e confira as perspectivas para a retomada.

Texto: Leonardo Pujol | Edição de Arte: Inara Pacheco | Design: Andy Faria

O

s primeiros sinais da crise que se desenhava no horizonte foram dados em janeiro de 2020. Com o número de infectados pelo novo coronavírus aumentando repentinamente, a gigante Cathay Pacific, companhia aérea sediada em Hong Kong, foi a primeira a reduzir a oferta de voos para a China. No início de fevereiro, outras empresas fizeram o mesmo. Enquanto isso, no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos, os passageiros eram alertados de maneira ainda tímida sobre a misteriosa síndrome respiratória de Wuhan. Em duas semanas, a doença ganhou nome e território.

Quando a Covid-19 chegou a mais de 80 países, em março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou pandemia, e o planeta entrou em quarentena. Naquele mês, o fechamento das fronteiras, os lockdowns e o medo de contrair o vírus fizeram o fluxo global de viajantes cair à metade. Ainda mais impressionante foi o tombo em abril: 94% em relação ao mesmo mês de 2019.

A redução da demanda afetou não apenas as companhias aéreas, que cancelaram quase todos os voos, mas toda uma cadeia. Hotéis, seguradoras, locadoras de veículos e até empresas de alimentos foram duramente impactados pela maior turbulência da história da aviação. A texana GNS Foods, que abastece a primeira classe da American Airlines, viu encalhar mais de 70 mil pacotes de castanha de caju, pistache, nozes e amêndoas. Numa tentativa de atenuar o estrago, em julho, a GNS Foods colocou os petiscos à venda em sua página na internet.

Para as aéreas, o prejuízo diário do setor chegou à média de US$ 230 milhões, segundo a IATA, a Associação de Transporte Aéreo Internacional. Para o fim de 2020, a projeção é desanimadora, pois o prejuízo acumulado deve superar US$ 84 bilhões. E isso não acontece apenas porque os passageiros pararam de viajar – ou de comer castanhas. Para respeitar os protocolos de distanciamento físico, muitas empresas também bloquearam a poltrona do meio.

Por meses, algumas delas voaram com um terço das aeronaves vazias. “Assento de avião é uma das mercadorias mais perecíveis que existem: se não ocupou em um voo, não recupera mais”, afirma Ivan Sant’Anna, autor de quatro livros sobre desastres aéreos e ex-operador da bolsa de valores.

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O bloqueio de assento foi uma medida amplamente criticada pelas companhias, que não viram saída senão aumentar o valor das passagens. À medida que o ritmo de viagens começou a voltar, ainda que lentamente, a ideia foi sendo abandonada. Com a recuperação fraca, o resultado das três maiores aéreas brasileiras foi um prejuízo combinado de US$ 3,6 bilhões no primeiro semestre. Além da baixa demanda, Azul, Gol e Latam penaram com a desvalorização do real frente ao dólar, que chegou a R$ 6 em maio.

<strong>Covid-19: Nunca na história da aviação o mundo viu tantas aeronaves em solo.</strong>
Covid-19: Nunca na história da aviação o mundo viu tantas aeronaves em solo. (thianchai sitthikongsak/Getty Images)

É que mais da metade dos custos fixos e operacionais são dolarizados, o que inclui dívidas, manutenção e fretamento de aeronaves, além do combustível. “Apesar do preço do petróleo ter desabado no início da pandemia, as empresas não estavam voando, então não conseguiram aproveitar essa vantagem”, explica Alexandre Kogake, analista da Eleven Financial.

O que amainou a crise foram as renegociações. Embora o prometido crédito do BNDES só tenha chegado em setembro, seis meses após o início da pandemia, o governo tomou atitudes elogiadas por quem atua no segmento. Além de postergar o recolhimento de taxas e outorgas aeroportuárias, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) flexibilizou as regras de reembolso das companhias aéreas. Assim, elas ganharam até 18 meses de prazo para devolver o dinheiro ao cliente ou ceder novos serviços no mesmo valor.

Azul e Gol, ambas com ações listadas na B3, a bolsa brasileira, renegociaram pagamentos com os lessores – como são chamados os donos dos aviões. Também estenderam os acordos a fornecedores, fabricantes de aeronaves e prestadores de serviços. As duas companhias propuseram aos funcionários redução de jornada e salário – o que, em tese, garantiria liquidez por pelo menos 12 meses.

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A Latam tentou uma estratégia semelhante, mas sem sucesso. Incapaz de honrar uma série de compromissos financeiros, a operação brasileira foi incluída no pedido de recuperação judicial do grupo, que tem sede no Chile. Mundo afora, outras empresas também apelaram à lei de reestruturação financeira. Foram os casos, por exemplo, de Virgin Atlantic, AeroMexico e Norwegian Air. A Avianca Brasil, por sua vez, viu na pandemia a pá de cal que selou uma falência anunciada.

Para vencer uma crise como a atual, a aviação depende da retomada das viagens. A boa notícia é que, após meses de silêncio nos céus, a média diária de voos nacionais está crescendo. A projeção é encerrar outubro em 1,2 mil, número equivalente à metade das operações pré-pandemia. A maioria dos voos atuais é motivada por trabalhadores que não ficaram em quarentena. São pessoas de segmentos que pouco ou nada pararam, como saúde e agricultura. A recuperação parcial está ligada, ainda, ao movimento de indivíduos que visitam familiares e amigos em outras cidades – ou que têm residência em mais de uma localidade.

O prejuízo médio do  setor em 2020 é de US$ 230 milhões por dia, o  que somaria US$ 84 bi ao fim deste ano.

Na tentativa de atrair turistas, algumas empresas ofereceram tarifas até 40% mais baixas. Em outubro, entretanto, a retomada das viagens a lazer seguia a passos lentos. O mesmo se pode dizer do turismo corporativo, que despencou com o cancelamento de eventos e viagens de negócios. Para se ter ideia desse impacto, antes do coronavírus os passageiros corporativos representavam 60% das reservas feitas no Brasil. “Se um viajante a negócios espirra, a companhia aérea pega um resfriado”, compara Henry Harteveldt, fundador do Atmosphere Research Group, consultoria de análise de viagens de San Francisco, nos EUA.

De acordo com a IATA, o mercado global de aviação pode deixar de gerar US$ 250 bilhões em receitas em 2020 – ou seja, grana que num ano normal engordaria os cofres das empresas. E essa tendência deve se repetir nos próximos anos. Segundo uma pesquisa da Atmosphere com executivos de 41 companhias aéreas, somente em 2023 o setor transportará tantos passageiros quanto antes da pandemia. Enquanto a vacina não chega, a reabertura da economia – lenta e gradual – e a diminuição do medo entre os passageiros serão determinantes.

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Também há quem acredite que isso possa acontecer antes. Veja o caso da China. Em setembro, nove meses após os primeiros sinais do vírus, o nível das reservas aéreas chegou a 98% do que era antes, segundo a ForwardKeys, consultoria especializada em viagens. No Brasil, as companhias aéreas preveem algo próximo disso apenas no segundo trimestre de 2021 – e desde que o vírus seja controlado sem a necessidade de novas medidas de isolamento social.

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Mas, quando esse momento chegar, o setor já estará bem diferente. A expectativa de aumento da competitividade com a chegada das low cost, tema que estava em alta antes do coronavírus, foi colocada em suspenso. A principal novidade, por ora, é o Voo Simples, programa lançado em outubro pelo governo federal para modernizar regras e reduzir custos para a aviação geral.

São mais de 50 iniciativas, como a simplificação dos processos de fabricação, importação e registro de aeronaves. Ainda assim, no mercado se fala até em duopólio para garantir a sobrevivência da aviação nacional – que além da Avianca perdeu empresas como Varig, Vasp, Panair e Transbrasil nas últimas décadas.

Azul

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Crise sob controle

Como qualquer companhia aérea, a Azul sofreu. Mas tem motivos para comemorar. A começar pela renegociação com fornecedores, que permitiu uma economia de R$ 3,2 bilhões em capital de giro até 2021. Além disso, a empresa foi eleita, em julho, a melhor companhia aérea do mundo em 2020 pelo site TripAdvisor. No mês seguinte, lançou uma subsidiária focada em aviação regional – a Azul Conecta. Outra vantagem é a diversidade da frota.

Com aviões de diversos tamanhos, incluindo o Airbus 320neo (174 assentos), o Embraer 195 (132), o turboélice ATR-72 (74) e o Cessna Gran Caravan (9 passageiros), a empresa consegue ajustar a operação à demanda. Mais uma boa notícia foi o acordo de code share com a Latam. O compartilhamento de voos começou em agosto e inclui 64 rotas não sobrepostas. Como era de se esperar, o mercado passou a especular a fusão entre as empresas.

“Todo movimento dessa natureza gera especulação”, explicou Marcelo Bento Ribeiro, diretor de Relações com Investidores da Azul. Ao ser questionado se isso poderia mesmo acontecer, ele desconversou. “O futuro a Deus pertence. Se alguém nos falasse em code share com a Latam seis meses atrás, a gente diria que não. Mas aconteceu.”

Gol

Retomada com eficiência

Ao contrário da Azul, que tem frota diversificada, a Gol voa apenas com Boeings 737 – o que reduz a complexidade da operação. A expectativa, porém, é de que a partir de 2021 a empresa receba um lote com 95 unidades de uma versão modernizada da aeronave, que passa por recall depois de dois acidentes fatais. O novo 737 MAX tem alcance de 6,5 mil quilômetros, mil a mais que sua versão anterior.

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Isso permitirá à Gol voar sem escalas para destinos como Peru, México e EUA. Além da eficiência de alcance, a aeronave reduz o consumo de combustível em cerca de 15%. “O MAX já era estratégico. Por causa da crise, ele se tornou ainda mais importante”, afirma Renzo Rodrigues de Mello, diretor de Canais de Vendas da Gol. Enquanto o MAX não chega, a empresa celebra os acordos com os lessores e com funcionários, que podem se estender até o fim de 2021. “Transformamos custos fixos em variáveis, que dependerão do ritmo da retomada.”

Avianca

Última chamada

A Avianca Brasil era a quarta maior aérea do país. Incapaz de pagar as contas, pediu recuperação judicial em 2018. Depois de devolver a maioria dos aviões, a empresa cortou rotas e foi proibida de voar. A pandemia foi a gota d’água: em julho, a Justiça decretou sua falência. Embora levasse o mesmo nome e tivesse os mesmos controladores da Avianca Holdings, da Colômbia (que segue na ativa), suas operações não estavam vinculadas.

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Latam

À espera de um milagre

Diferentemente da Gol e da Azul, até a conclusão desta edição a Latam não havia conseguido fazer acordo com os funcionários. Enquanto as concorrentes fecharam acordo de redução temporária de jornada de trabalho e de salários por 18 meses, a Latam propôs redução permanente de salários a partir de 2022. A justificativa, especula-se, está no fato de a remuneração dos tripulantes da companhia ser, em média, entre 20% e 30% superior à de profissionais contratados por Azul e Gol.

Como o acordo não vingou, a Latam demitiu 2,7 mil pessoas, entre pilotos, copilotos e comissários de bordo. Em setembro, a companhia anunciou que mais 1,2 mil pessoas poderiam perder o emprego. Os cortes também se estendem a colaboradores de escritório e que atuam em aeroportos. No total, devem ser cortados mais de 30% dos 22 mil funcionários.

Além disso, a Latam Brasil enfrentou problemas para negociar seus contratos de arrendamento, precisando devolver 32 das 308 aeronaves que operava antes da pandemia. Para piorar, as viagens internacionais, que respondem por metade das receitas da Latam, devem se recuperar de forma mais lenta que as domésticas.

Para a empresa, a recuperação judicial é o último fio de esperança. Para muitos especialistas, é questão de tempo para a Latam sair de cena. Ao menos no Brasil. Sediado no Chile, o grupo Latam ainda tem subsidiárias na Argentina, Colômbia, Equador, Paraguai e Peru. No começo da pandemia, falou-se em fusão com a Azul. O mais plausível, porém, seria vender o negócio.

“Do ponto de vista do setor brasileiro, é uma boa solução. Haveria complementariedade de operações”, explica Adalberto Febeliano, vice-presidente da Modern Logistics e ex-diretor da Azul. O investimento permitiria a entrada da Azul, fortemente ligada à aviação regional, em mercados ainda pouco explorados pela empresa, como Brasília, Congonhas e especialmente rotas internacionais.

VoePass

Retorno gradual

Após suspender quase todas as operações, em março, a Voepass (empresa resultante da fusão entre Passaredo e MAP) planejava retomar em outubro 35 dos 47 destinos atendidos, a maioria deles no Norte, Nordeste e Sudeste. Os voos são operados por aeronaves ATR-72, turboélice com capacidade para 68 lugares. Se o contexto da pandemia não piorar, a empresa projeta ter sua malha completa em julho do próximo ano.

Itapemirim

Bons tempos da Varig?

O grupo Itapemirim, que atua no segmento de ônibus desde 1953, pretende criar sua própria companhia aérea. A intenção é começar as operações em março de 2021 com dez aeronaves e um atendimento premium, com serviço de bordo digno dos saudosistas da Varig. Até dose de uísque a empresa quer oferecer aos passageiros, um conceito que vai na contramão do setor – que tem enxugado opções de bordo e outros custos na tentativa de melhorar as margens.

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