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Apertem os cintos… o piloto sumiu

 Já imaginou embarcar em um avião sem pilotos, totalmente autônomo? Tecnologia para  isso  existe — mas ela  ainda  levanta dúvidas relativas à segurança. 

Texto: Luiz Eduardo Kochhann | Edição de Arte: Inara Pacheco
Design: Andy Faria

A

Airbus concluiu, em junho de 2020, a primeira fase de testes de um sistema autônomo de taxiamento, decolagem e pouso de aeronaves (ATTOL, na sigla em inglês). Foram mais de 500 voos realizados por um A350 XWB – jato comercial com capacidade para transportar de 280 a 366 passageiros –, adaptado com uma moderna tecnologia de reconhecimento visual. A maioria dos voos serviu para a coleta de dados por meio de câmeras e sensores, fundamentais para ajustar os algoritmos que controlam a aeronave. Seis voos foram realizados sem interferência humana, com os pilotos na cabine apenas por segurança.

Os testes foram considerados bem-sucedidos e o resultado, segundo a Airbus, abre margem para a “criação de novos modelos de negócios que transformarão a forma como as aeronaves são desenvolvidas”. Em outras palavras: a inteligência artificial já evoluiu para os aviões voarem sem a necessidade de pilotos.

Em setembro de 2019, outro experimento já havia comprovado essa capacidade. Em um aeroporto da Califórnia, a empresa Reliable Robotics operou um Cessna 172 que taxiou, decolou, voou por 15 minutos e pousou no mesmo aeroporto de maneira autônoma. Mas, apesar do progresso, a ideia de voar em um avião comercial não tripulado ainda está longe da realidade.

Estima-se que a tecnologia só se torne comercialmente viável em 2060. Segundo especialistas, o movimento poderia reduzir a chance de acidentes por erro humano e o custo com tripulação. Uma pesquisa de 2017 do banco suíço UBS concluiu que a tecnologia sem pilotos poderia gerar uma economia de US$ 35 bilhões por ano às companhias aéreas.

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Até lá, a indústria terá que comprar muita briga com sindicatos e associações. Se dispensar um profissional da cabine já soa improvável às entidades (cogita-se que a Boeing esteja desenvolvendo uma nova aeronave “single pilot”), imagine dois ou três pilotos. Além do mais, seria necessário uma infraestrutura de controle e de tráfego aéreo totalmente nova, cara e específica para voos não tripulados. “Se o avião for autônomo, o tráfego aéreo também precisa ser. Uma coisa não funciona sem a outra.

Os computadores precisam conversar entre si”, diz o especialista em segurança da aviação civil Lito Sousa, apresentador do canal Aviões e Músicas, com mais de 1,4 milhão de seguidores no YouTube. O desafio não é trivial: a inovação dependeria de um sistema seguro de transmissão de dados, imune a ataques cibernéticos, e que apresente pouca ou nenhuma latência (tempo entre comando e resposta) entre o solo e aeronaves a mais de 900 km/h.

O DIVISOR DE ARES

Em 1950, os voos comerciais eram realizados com cinco pessoas no cockpit: um engenheiro, um operador de rádio, um navegador e dois pilotos. Hoje isso pode parecer exagero, mas era vital para a quantidade de instrumentos analógicos que havia na cabine. À medida que o computador de bordo evoluiu, nos anos 1970, restaram só os pilotos. Na mesma época, estudos apontaram que os acidentes de avião eram causados, na maioria das vezes, por erro humano. Ciente disso, a Airbus apostou que a automação era o caminho para viagens mais seguras. O que só se tornou viável depois que a empresa adotou o fly-by-wire.

<strong>Velocidade, altitude, potência: em um cockpit clássico dos anos 1960, tudo era analógico.</strong>
Velocidade, altitude, potência: em um cockpit clássico dos anos 1960, tudo era analógico. (Archive Photos/Getty Images)
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Para entender, pense em um freio de bicicleta. Quando o ciclista aperta o manete no guidão, a força é transmitida por um cabo de aço até as borrachinhas que param a roda. Os antigos aviões eram controlados mais ou menos assim. O comando do piloto corria por cabos e roldanas, desde a cabine, até alcançar os atuadores hidráulicos que faziam os movimentos nas asas e na cauda. Com o fly-by-wire, os cabos de aço deram lugar à fiação elétrica e aos instrumentos digitais.

O sistema aumentou a precisão dos comandos e permitiu a chamada proteção de envelope de voo – um sistema de segurança que só realiza manobras no ângulo e na velocidade corretas. “Se o piloto errar ou exagerar em algum comando, o sistema impede que essa ação seja replicada integralmente na aeronave”, explica o piloto Guilherme Amaral da Silveira, professor do curso de Ciências Aeronáuticas da PUCRS. Em uma situação de emergência, que exija uma manobra mais brusca, o piloto deve alterar manualmente esse nível de proteção. Do contrário, o avião não obedecerá.

O fly-by-wire foi essencial para a criação do glass cockpit: com ele, em vez de vários instrumentos analógicos para indicar velocidade, altitude e potência do motor, as informações foram condensadas em telas digitais. Isso reduziu consideravelmente o peso da aeronave e a complexidade mecânica, além de melhorar a ergonomia da cabine. E mais: a leitura dos dados e a interação com os sistemas da aeronave foram simplificados.

Atualmente, os aviões são pré-programados com as informações contidas no plano de voo. O piloto automático só é acionado pelo comandante após a decolagem. A partir da altura de 400 pés (120 metros), o computador cria condições de seguir o processo até a altitude de cruzeiro. Cabe ao comandante e ao copiloto apenas supervisionarem o sistema. Ou interferirem em situações inesperadas, como desviar de uma tempestade ou atender uma ordem do controle de tráfego aéreo.

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A aproximação do aeroporto também é por conta do piloto automático, que só é desligado após a pista ser avistada. Embora a aterrissagem autônoma já seja realidade, com o sistema autoland, as companhias ainda mantêm a manobra sob condução manual dos pilotos. Ao menos por enquanto.

E SE A MÁQUINA FALHAR?

Ao contrário do piloto automático, o fly-by-wire não pode ser ligado e desligado pelo piloto. Mas ele pode desligar sozinho. Foi o que aconteceu na madrugada de 1º de junho de 2009, quando o voo 447 da Air France, que partira do Rio de Janeiro, cruzava o Atlântico rumo a Paris. Uma severa tempestade provocou o acúmulo de cristais de gelo nos tubos de medição que fornecem indicações de velocidade aos pilotos. Com os tubos congelados, as velocidades no painel ficaram incoerentes, e o piloto automático do Airbus A330 desligou.

Com esse sistema inoperante, e uma velocidade incorreta informada no painel, os pilotos ficaram desorientados. Na expectativa de fugir por cima da tempestade, o copiloto empinou o nariz do avião. Ao fazer isso, perdeu sustentação: enquanto os pilotos pensavam estar subindo, na verdade começavam a descer de nariz para cima. O avião caiu no mar e matou todas as 228 pessoas a bordo.

A tecnologia evoluiu desde então. Mas a má interação do homem com a máquina ainda provoca tragédias. Em outubro de 2018, um Boeing 737 MAX caiu logo após a decolagem na Indonésia. Quatro meses depois, outro avião do mesmo modelo caiu na Etiópia, assim que saiu do chão. No total, 346 pessoas morreram.

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Ambos os acidentes foram causados porque os pilotos não reconheceram uma falha do software MCAS (sigla em inglês para Sistema de Aumento de Características de Manobra), sensor localizado no bico do avião que corrige o ângulo de ataque automaticamente. Os casos aumentaram a preocupação dos órgãos internacionais quanto à eventual sobrecarga cognitiva dos pilotos, fator envolvido nessas ocasiões. Mas também quanto ao nível de confiança dos sistemas automáticos.

Em um relatório publicado em 2018, sobre o futuro do setor, a Associação de Transporte Aéreo Internacional (IATA) – que representa 290 companhias aéreas – sugeriu que os aviões não tripulados começassem com transporte de carga. Dois anos depois, a startup americana Xwing realizou com sucesso um voo sem piloto em um avião de carga e espera aprovação dos reguladores para iniciar operação comercial em 2022.

A tecnologia de hoje permite que um piloto, em solo, controle uma aeronave no ar. No futuro, esse mesmo piloto controlaria não uma, mas várias aeronaves. Mais ou menos o que é feito atualmente com drones – o que, por enquanto, é o que há de concreto no segmento de voos não tripulados.

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