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A volta do Flight Simulator

Depois de 14 anos, ele está ganhando uma nova versão. Que usa imagens de satélite, inteligência artificial e servidores de alta potência para tentar algo inédito: reproduzir 100% do planeta Terra.

Texto: Bruno Garattoni | Design: Juliana Krauss

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erça-feira, uma da tarde. Estamos nos aproximando do Aeroporto Internacional Cristiano Ronaldo, na Ilha da Madeira, onde o pouso é um dos mais difíceis do mundo. A pista é curta, 2.781 metros, acaba no mar e tem um morro bem ao lado. Na década de 1970, aqui aconteceram três acidentes fatais, com 170 mortos. Meu Airbus A320neo, com o qual decolei de Lisboa, voa tranquilo e corretamente configurado para a aproximação: 2.100 pés de altura, velocidade a 160 nós, flaps em 20 graus. O tal morro impede uma abordagem direta e me obriga a dar uma volta de quase 180 graus. Completo a manobra, alinho o avião com a pista, e aí começa a verdadeira encrenca: tesouras de vento que fazem o Airbus dançar como se fosse um monomotor. Os computadores de bordo me ajudam como podem. Mas, quando chego a uns 3 km da pista, eles mudam de atitude e começam a protestar, soando aqueles alarmes ameaçadores que você já deve ter ouvido em filmes de desastre aéreo. Estou alto e rápido demais para pousar – inclusive porque, para piorar, chove forte. O avião toca o solo meio torto e só apruma depois de correr um terço da pista. Um décimo de segundo depois, no limite, freio e aciono o reverso: e as duas turbinas LEAP-1A, com 35 mil libras de empuxo cada uma (mesma potência dos motores Olympus, usados no supersônico Concorde), realizam o milagre de segurar as 67 toneladas do Airbus antes que ele caia no oceano. Foi por pouco. 

Um piloto profissional certamente seria repreendido. O novo Flight Simulator, no qual estou voando, faz isso – informa que minhas manobras atrapalhadas merecem ridículos 226 pontos, contra 1,5 milhão se eu tivesse feito tudo direito –, mas logo me convida para outros voos: Madeira é apenas um dos 24 “pousos desafiadores” do game (a lista inclui coisas ainda piores, como a pista de Courchevel, em meio à neblina dos alpes franceses, e o “aeroporto” de Bugalaga, no meio de uma floresta na Indonésia). O simulador emprega fotos de satélite, inteligência artificial e servidores espalhados por dezenas de países para tentar fazer algo inédito: reproduzir, com imagens reais, 100% da superfície do planeta Terra. Todos os 23 desertos, 4 bilhões de hectares de florestas, 1 milhão de montanhas, 30 milhões de km de ruas e estradas. Todas as cidades, com todos os prédios, casas e monumentos, como realmente são. “Nós calculamos que, se você voasse com um Cessna (monomotor), 24 horas por dia e sete dias por semana, levaria 40 anos para ver tudo”, diz o engenheiro Sebastian Wloch, diretor da empresa francesa Asobo Studio, que desenvolveu o simulador com a Microsoft.

Se já é impossível visitar o mundo inteiro, seria ainda mais inviável tentar desenhá-lo manualmente usando ferramentas 3D, como é feito nos games tradicionais. Por isso, o simulador adotou uma estratégia nova: ele construiu, em grande parte, a si mesmo. O software copiou as imagens de satélite do serviço Bing Maps, que cobrem toda a superfície do planeta e totalizam 2 petabytes (2 milhões de gigabytes), e aplicou um algoritmo de inteligência artificial que identifica e reconstrói objetos 3D a partir dessas fotos. Os cenários já estão prontos, nos servidores da Microsoft, e vão sendo enviados para o seu computador por streaming conforme você voa. O resultado impressiona. Em alguns momentos, o Flight Simulator alcança o santo graal dos games: o fotorrealismo. Parece que você está vendo um filme, não gráficos gerados em computador.

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(Microsoft/Reprodução)

É um salto gigantesco, que provavelmente pareceria inimaginável para o aviador e inventor americano Edwin Link, que em 1929 construiu o primeiro simulador de voo da história. Era um cockpit com meia dúzia de relógios e um manche, suspenso por macacos hidráulicos. Foi criado para a Força Aérea dos EUA, e não exibia imagens. Na década seguinte, o engenheiro Richard Dehmel, da AT&T, deu um jeito: desenvolveu um simulador que usava um pedaço de filme (com um cenário) que se mexia em frente a uma tela de acordo com o movimento da aeronave. Na década de 1960, a Nasa criou o primeiro simulador digital, usado para treinar os astronautas do Projeto Gemini. Usava três computadores DDP-224, que pesavam 910 kg cada um e juntos tinham apenas 300 kilobytes, ou 0,3 megabyte, de memória. O primeiro simulador doméstico, para computador pessoal, foi o FS1, lançado em 1979 pelo programador americano Bruce Artwick e seu amigo Stu Moment, piloto amador. Rodava no computador Apple II, e usava linhas retas para desenhar tudo o que aparecia na tela. Em 1982, ele foi comprado pela Microsoft, que o desenvolve até hoje. 

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(Microsoft/Reprodução)
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A inteligência artificial do novo Flight Simulator não é perfeita. Se você pegar o hidroavião Icon A5, uma das aeronaves presentes no jogo, e tentar pousar no Rio Pinheiros, em São Paulo, por exemplo, vai se divertir – mas também verá que os prédios do entorno não são idênticos aos reais. Dependendo de onde você voar, e da resolução das imagens de satélite daquele lugar, a reprodução pode não ser exata. Isso aconteceu com o Palácio de Buckingham, em Londres, que o software acabou recriando como se fosse um bloco de escritórios, e com o surgimento de uma estranha torre de 212 andares em Melbourne, na Austrália. A construção, que parece desafiar as leis da física, é resultado de um erro de digitação.

Em 2019, o estudante de arquitetura Nathan Wright entrou no site OpenStreetMap para fazer um trabalho da faculdade, preenchendo dados sobre as edificações da cidade. Num deles, sem querer, digitou “212” em vez de “2” no campo “andares”. O erro passou despercebido até ser capturado pelo Bing Maps e ir parar no Flight Simulator – onde deu origem a um monolito de aspecto alienígena, que logo se tornou um ponto turístico do game. O erro deverá ser corrigido nas próximas semanas, durante o processo de manutenção dos cenários,  que também inclui a mão humana. Isso porque bases militares e outros locais considerados secretos pelo governo dos EUA são parcialmente censurados. “Nós geramos o terreno, mas omitimos detalhes críticos”, explica Wloch. Se você sobrevoar a base militar Área 51 em Nevada, por exemplo, verá duas pistas de pouso, um estacionamento e um complexo de galpões genéricos.

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(Microsoft/Reprodução)

Desde seu surgimento, na década de 1970, o Flight Simulator ficou famoso por exigir muito do computador. A nova versão, mesmo tendo a ajuda dos servidores da Microsoft, também é assim. Eu instalei o software num PC com processador Core i5-4460, o mínimo recomendado, e fiz testes com duas placas de vídeo. Uma modesta GeForce GT 1030 (que só aguentou o simulador na resolução 720p, com qualidade gráfica no modo “Baixo”) e uma GeForce RTX 2060 Super, de R$ 3 mil – que conseguiu rodá-lo com todas as configurações gráficas no modo “Ultra”, o melhor de todos, em resolução Full HD. Já em 4K, não deu. Eu precisaria de uma CPU e placa melhores, e talvez nem assim: testes feitos nos EUA revelaram que até as placas mais potentes da atual geração passam aperto com o Flight Simulator nessa resolução (só os modelos da série RTX 3000, que estão sendo lançados este mês, devem tirá-la de letra). Tanto é que o game irá movimentar o mercado de PCs: provocará US$ 2,6 bilhões em upgrades nos próximos três anos, segundo estimativa da consultoria JPR Research.

O jogo em si também não é barato. Ele tem três versões: Standard (R$ 250), Deluxe (R$ 340) e Premium (R$ 430), cuja diferença está na quantidade de aviões. A versão Standard vem com 20 aeronaves: os destaques são o Airbus A320neo, o Boeing 747-8, o Icon A5 e quatro Cessna, incluindo um jato executivo. A versão Deluxe tem 25 aviões e a Premium tem 30 (inclusive o Boeing 787). Em vez de comprar o game, também é possível alugá-lo: a versão Standard faz parte do Xbox Game Pass para PC, serviço que custa R$ 14 mensais (e inclui cem outros games).

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O simulador irá receber mais aviões, que estão sendo desenvolvidos por outras empresas de software. Dois já estão confirmados: o Boeing 737 MAX, cujos problemas despertam a curiosidade de todo piloto amador, e o supersônico Concorde, um mito da aviação que acabou ganhando má fama. Eles serão vendidos à parte, por US$ 20 a US$ 60 cada. E então será possível testar os limites dos motores Olympus e desafiar a teimosia do MAX em qualquer lugar: na Ilha da Madeira, no Rio Pinheiros, na Área 51 fake – ou até sobrevoando, e tentando enxergar, a sua própria casa.

***

Como reproduz o mundo a partir de fotos reais, o simulador também serve para conhecer pontos turísticos. Inclusive os mais exóticos – como a Cratera de Barringer, nos EUA.
Como reproduz o mundo a partir de fotos reais, o simulador também serve para conhecer pontos turísticos. Inclusive os mais exóticos – como a Cratera de Barringer, nos EUA. (Microsoft/Reprodução)
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O que você precisa ter
Um PC com Windows. Mas, para rodar o jogo na qualidade máxima, ele precisa ser bem potente.

Configuração mínima
CPU: Ryzen 3 1200 ou Core i5-4460
GPU (placa de vídeo): Radeon RX570 ou GeForce GTX 770
Memória RAM: 8 gigabytes
Espaço em disco: 150 gigabytes
Internet: 5 Mbps

Configuração mediana
CPU: Ryzen 5 1500X ou Core i5-8400
GPU (placa de vídeo): Radeon RX590 ou GeForce GTX 970
Memória RAM: 16 gigabytes
Espaço em disco: 150 gigabytes
Internet: 20 Mbps

Configuração boa
CPU: Ryzen 7 2700X ou Core i7-9800X
GPU (placa de vídeo): Radeon VII ou GeForce RTX 2080
Memória RAM: 32 gigabytes
Espaço em disco: 150 gigabytes (SSD)
Internet: 50 Mbps

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