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Uma curta biografia de Stan Lee, o primeiro vingador da Marvel

Em uma história com contornos heróicos, Lee começou uma carreira cedo, perdeu amizades, e se tornou o maior nome mundial dos quadrinhos

Por Felipe Germano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Rafael Battaglia
12 nov 2018, 20h39

É complicado calcular o legado de alguém, mas Stan Lee tem alguns números a seu favor. Criou mais de 361 personagens (heróis, vilões e até jornalistas mal-humorados). No cinema e na TV, foi creditado como produtor-executivo 164 vezes e fez 121 atuações, seja como dublador, personagem de desenho animado ou nas 33 participações em filmes da Marvel, que nos últimos dez anos rendeu à Disney mais de US$ 17 bilhões. Nesta segunda, dia 12, Lee faleceu aos 95 anos. E nesse quase século de vida, ele mudou pra sempre a história do entretenimento.

Stanley Martin Lieber nasceu em Nova York no dia 28 de dezembro de 1922. Era de uma família pobre, filho de uma dona de casa e um alfaiate, ambos judeus romenos recém-chegados na Big Apple. E o que já não era fácil ficou ainda mais difícil com o tempo: aos 9 anos, o quadrinista ganhou um irmão mais novo e, com a chegada da crise de 29, o pai entrou na estatística dos americanos desempregados durante a Grande Depressão. “Ver o efeito desmoralizante que o desemprego dele teve em seu espírito, fazendo ele se sentir dispensável, me trouxe uma sensação que nunca consegui esquecer”, afirmou em sua autobiografia “Excelsior! (um lema que Lee colocava em tudo, quer dizer “incrível”, “majestoso”) “É um sentimento de que a coisa mais importante para um homem é ter trabalho pra fazer, estar ocupado, ser útil”.

Stan Lee
(Gage Skidmore/Getty Images)

Essa necessidade pelo trabalho (e pelo dinheiro, logo no começo da carreira) se refletiu ao longo da vida. Aos 16 anos, em 1939, conseguiu o primeiro emprego. Como o que sabia fazer era escrever, tentou lucrar com isso de todas as formas que encontrou: começou escrevendo obituários para jornais e folhetos publicitários para um hospital. O primeiro grande serviço, no entanto, foi fruto de sorte: uma prima havia acabado de se casar com Martin Goodman, dono da Timely: uma editora que estava surfando na recém onda dos quadrinhos que começava a ser formada. Stanley focou na grana, ainda que com um pouco de vergonha. Começou a escrever roteiros para a empresa, mas com um pseudônimo: Stan Lee. Não à toa, queria guardar seu verdadeiro nome para quando fosse escrever algo realmente bom.

Dias de um Passado Esquecido

Pegou o gosto. Começou a observar quadrinistas que estavam começando a fazer trabalhos interessantes: Carl Burgos havia criado uma história sobre um homem que pegava fogo, apelidado de Tocha Humana; Bill Everett escreveu sobre Namor, um príncipe submarino, e Joe Simon e Jack Kirby contaram a história de um soldado que lutava contra o nazismo: Capitão America. Só que a dupla se desentendeu com Goodman. O chefão acabou sem ninguém para cuidar do departamento de quadrinhos da Timely. “Ele virou pra mim e perguntou, ‘Você consegue fazer isso?’. Eu tinha 17 anos. O que você sabe quando tem 17 anos? Falei ‘Claro, eu consigo.”, afirmou em artigo do site Inc. “Martin deve ter esquecido de mim, porque ele simplesmente me deixou por lá. E eu amei isso. Era tão novo que chegava a ser constrangedor. De vez em quando alguém aparecia no escritório e perguntava ‘Garoto, onde eu encontro o editor?’”, conta.

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A questão é que a Timely não era exatamente fãs de super-heróis. Goodman era fã de dinheiro mesmo. Então usava os quadrinhos para ganhar uma grana em cada tendência que aparecia. A concorrência começava a vender bem gibis sobre faroestes? Lee tinha que bolar um bang bang em suas páginas. Histórias de terror estavam lotando bancas? Então Stan tinha que assustar alguns leitores por aí. Lee não amava essas tramas – mas tinha o dinheiro, e não queria sair pra ficar desempregado (vale lembrar aqui o trauma que o pai sem trabalho lhe deixou), então segurou a bronca. Por 20 anos. E aí realmente cansou. “[Foi quando] eu disse para minha esposa ‘Eu não estou saindo do lugar, acho que vou me demitir’. Ela me deu o melhor conselho deste mundo, disse ‘Por que você não escreve uma história do jeito que você quer, ao invés do que Martin quer?[…] O pior que pode acontecer, é ele te demitir”.

Stan Lee em Homem-Aranha
(Marvel/Disney/Reprodução)

Lee seguiu o conselho: tinha se apaixonado por uma tal de Liga da Justiça, que havia lido recentemente. Escreveu sua própria equipe: o Quarteto Fantástico. Só que com um pequeno novo detalhe, deixou um pouco de lado os personagens perfeitos e mitológicos, dando poderes à uma família disfuncional. Agora, os super-heróis não eram mais tão super assim. . As vendas foram ótimas e a partir daí, Stan começou a criar os personagens que lhe trouxeram fama. Hulk, X-Men, Homem-Aranha. Praticamente todos os personagens que hoje rendem bilhões nos cinemas, surgiram ali. O legado de Lee era pavimentado, edição a edição.

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Deu tão certo que Martin resolveu mudar o nome da empresa que, agora, não copiava mais tendências: focava nos super-heróis. Perceberam que a primeira figura mitológica que apareceu nas páginas da empresa foi Tocha Humana, em uma HQ que chamava “The Marvelous Tales” (Algo que poderia ser traduzido como “contos que te deixam boquiaberto”. Era isso. A empresa, agora, se chamava Marvel.

Martin não tinha mais tanto interesse nos negócios. Resolveu vender a empresa – a promessa era que seu filho, Chip, assumiria a presidência na nova gestão. Não rolou. Os acionistas preferiram Lee, que passou de editor para chefão da principal editora de quadrinhos do momento. Era o trono que faltava para a realeza de Stan.

Guerra Civil

Mas de lá pra cá nem tudo foi felicidade. Os principais desenhistas da Marvel começaram a entrar em conflito com Lee. Jack Kirby, John Romita, Steve Ditko, que desenharam respectivamente Os Vingadores, Homem-Aranha e Doutor Estranho, todos tiveram problemas com Lee. Um de cada vez, afirmaram que Stan estava tomando créditos pelo trabalho deles. Reclamações que até hoje rendem ações judiciais milionárias. Em uma entrevista à BBC, em 2007, ele deixou bem claro sua opinião à respeito do assunto “Eu realmente acredito que o cara que sonhou com um coisa criou ela! Você idealiza isso e perde para alguém desenhá-la…”. Mas o design pode ser considerado crucial para os personagens. É difícil imaginar o Homem-Aranha sem sua roupa clássica, por exemplo. Quando o entrevistador questionou que, se outra pessoa tivesse desenhado os personagens, talvez elas não tivessem sido o sucesso que são. “Então eu teria criado algo que não fez sucesso”, responde.

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Mesmo fora do ambiente da empresa, o quadrinista vinha passando por maus bocados recentemente. No ano passado, sua esposa Joan Lee, com quem era casado há 69 anos, faleceu (o que faz Lee corroborar com pesquisas feitas por Harvard de que, a viuvíce aumenta o risco de morte em até 66%, logo nos meses seguintes ao falecimento do esposo). Meses depois, foi acusado por enfermeiras de assediá-las, processou seu antigo empresário por fraude e abuso, e foi visto em uma sessão de autógrafos perguntando como soletrava seu próprio nome.

Ultimatum

Entre tantos problemas, no entanto, dá pra destacar qual foi o mérito do quadrinista: não foi criar personagens incríveis, mas entender a sociedade em que vivia, e construir personas que faziam as pessoas se identificarem. Não foram os poderes do Homem-Aranha que ganharam os fãs; foram as imperfeições de Peter Parker. Não foram as magias do Doutor Estranho; foi a representação artística das sensações causadas pelo LSD (a principal droga da época). Por trás de seus icônicos óculos-de-taxista, Lee enxergou um mundo que podia ser transposto para suas páginas – bastava fazer alguém voar ou ser à prova de balas, para deixar as coisas um pouco mais animadas. Se grandes poderes vem com grandes responsabilidades, Lee teve uma baita responsa. E em uma história onde hora era herói, hora era vilão, sua biografia foi, pouco a pouco ganhando contornos de super-herói, um cujo maior poder, sem dúvidas, é o próprio legado.

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