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Sob o domínio do público

Inimigo do Mickey, fã do Brasil, Lawrence Lessig é o mais influente defensor da liberdade no mundo virtual (isso inclui os downloads de música que você anda fazendo)

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h45 - Publicado em 31 Maio 2005, 22h00

Pedro Burgos

Para o americano Lawrence Lessig, professor da Universidade Stanford, a internet poderia ser a nova biblioteca de Alexandria, disponibilizando todo o conhecimento cultural do planeta. Só não é assim por culpa da lei. Ele explica: para filmar Fantasia, em 1940, Walt Disney misturou um poema de Goethe, música de Paul Dukas e balé de Stravinsky. Hoje, fazer algo parecido requer o pagamento de fortunas aos donos dos direitos. Ou paciência para esperar os 95 anos que uma obra demora para cair em domínio público nos EUA – culpa da “lei do Mickey”, que ganhou esse apelido por ter a validade estendida sempre que os direitos da Disney sobre o roedor estão prestes a terminar. Lessig combateu a lei na Suprema Corte.

Acreditando que a criatividade está engessada pela legislação, Lessig criou o conceito do creative commons, o , cujo mote é “alguns direitos reservados”. Fiel ao que prega, disponibilizou na internet (www.lessig.org) seu último livro, Free Culture. Com tradução em português – ele acredita que o Brasil será o líder na batalha pelo mundo virtual livre.

Por que você abraçou a luta pela transformação da propriedade intelectual?

Sou apenas um advogado com consciência de culpa. Em um certo momento da vida, comecei a reconhecer distorções e malefícios que as leis de direitos autorais estão causando – e como nós advogados somos responsáveis por isso. Minha motivação foi adicionar um pouco de sanidade ao lado dos advogados nesse debate. E isso acabou virando uma causa.

No Brasil, há uma campanha antipirataria cujo mote é: “Você não roubaria um carro. Por que roubar um filme?”. Existe diferença entre esses dois atos?

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Há diferenças claras. Quando você rouba um cd, por exemplo, a loja tem um produto a menos para vender, diferente de quando você faz um download via internet. O que não quer dizer que eu defenda a pirataria. Não acho certo que as pessoas tenham acesso a um conteúdo que o detentor dos direitos autorais não quer disponibilizar. Mas também não acho que baixar músicas pela internet deva ser o foco do debate. As regras que temos hoje foram feitas para proteger os investimentos de Hollywood, mas acabaram inutilizando o imenso potencial criativo e cultural da internet. O modelo atual de proteção aos direitos autorais é uma licença compulsória para a distribuição de conteúdo. É preciso saber filtrar as coisas que precisam de proteção e separá-las daquelas que não precisam – como as idéias científicas. Há várias oportunidades para experimentar e é o que devemos fazer neste momento.

A experiência do creative commons é uma tentativa nesse sentido?

A idéia é facilitar a distribuição dos trabalhos de artistas e autores. A licença do creative commons dá algumas liberdades à pessoa que quiser usar aquela obra sem ter de pedir autorização ao autor primeiro. O tem sido extremamente bem-sucedido. Crescemos mais rápido do que pensávamos. Segundo o Yahoo!, já existem mais de 12 milhões de links com obras adotando o selo na internet. Isso me encoraja, principalmente sabendo que novas nações estão adotando essa idéia.

Qual a relação entre criatividade e leis menos rígidas de direitos autorais?

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Reinterpretações de coisas antigas têm sido uma parte muito importante da nossa cultura. Mas fazer isso, hoje, não é tão fácil. Por exemplo: para remixar uma música legalmente é preciso permissão do autor e de quem gravou a canção. Essa permissão é praticamente impossível de ser conseguida antes de você fazer o remix, e é incerto que ela acontecerá após o trabalho ser executado. Então, na prática, o sistema atual impede que a maioria das pessoas possa remixar legalmente uma música e, portanto, a cultura. Eu não quero dizer aqui que não precisamos de proteção aos direitos autorais. Queremos incentivar novos trabalhos criativos e sabemos que uma das formas de atingir essa meta é garantir ao autor que seu trabalho será protegido. Mas acontece que as grandes empresas de entretenimento estão usando as leis para concentrar o controle artístico.

Você acha que indústria de entretenimento conseguirá desenvolver ferramentas 100% antipirataria?

Certamente é possível. O problema é a indústria fazer isso de maneira tão eficiente que acabe bloqueando outras formas de inovação e criatividade. Em vez de usar a tecnologia para “remixar” a cultura, as empresas preferem gastar tempo criando um cd anticópia. Estou certo de que a tecnologia antipirataria será parte do nosso futuro. O desafio é ter certeza de que isso não vai ser a única parte.

Por que o senhor acredita que alguém comprará seu livro em vez de baixá-lo gratuitamente via internet?

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Ainda não vi números sobre as vendas do Free Culture, mas creio que a distribuição online gratuita é uma técnica que aumenta as vendas, não que as reduz. Muitas pessoas que nunca teriam contato com o livro puderam baixá-lo e algumas decidiram comprá-lo depois. Por enquanto é uma opinião, ainda precisamos ver se ela realmente funciona.

Quais foram suas impressões em sua última visita ao Brasil, no Fórum Social Mundial?

O Brasil é a nação mais importante tanto no movimento pelo software livre quanto no de cultura livre. A última vez que estive no país foi maravilhoso. Conheci o programa Mil Pontos de Cultura (projeto do Ministério da Cultura que leva computadores com bibliotecas multimídia – rodando em Linux – a comunidades carentes) e achei extraordinário, nunca havia visto algo parecido. O que vocês e o governo estão fazendo pode ser a coisa mais importante nessa batalha. O Brasil está agindo e pensando independentemente – de maneira crítica – e forçando outros países a questionar os dogmas que as autoridades americanas sempre trazem à discussão.

Como você imagina a indústria do entretenimento nas próximas 2 décadas?

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Acho que vai depender muito do que acontecer nos próximos 5 ou 6 anos. Há uma chance real de que as pessoas passem a compreender melhor o atual momento em que estamos vivendo e a oportunidade que temos diante de nós. Especialmente com a liderança de países como o Brasil, que pode ajudar várias nações a analisar e entender melhor a situação para mudar suas leis.

Lawrence Lessig

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• Sua banda favorita é o Wilco

• Filme inesquecível: Despedida em Las Vegas

• Não é fã nem praticante de esportes. Mas admite que deveria

• Lugar mais interessante que esteve? Vietnã

• Sua comida preferida é sushi

• Diz que atualmente seu hobby é tentar passar mais tempo com a família

• Manias esquisitas? Um enigmático “nada que eu diria a você”

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