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“Se der certo, faremos mais dois”, diz Fernando Meirelles sobre o filme ‘Corrida dos Bichos’, a aposta de sci-fi brasileiro do Prime Video

Meirelles, um dos codiretores da produção, também quer que ela estreie em IMAX. Confira alguns bastidores da história, que aborda uma competição inspirada no jogo do bicho em um Rio de Janeiro distópico.

Por Rafael Battaglia
Atualizado em 23 ago 2024, 13h27 - Publicado em 23 ago 2024, 13h00

Inaugurado no final do século 19, o Moinho Fluminense foi a primeira fábrica de moagem de trigo do Brasil. Fica no bairro da Gamboa, zona portuária do Rio de Janeiro, e funciona hoje como um espaço para aluguel. Dá para reservar o complexo (que, apesar de mal conservado, ainda detém uma arquitetura imponente) para fazer eventos, feiras – e até um filme.

Apenas uma porta de ferro separava a calçada vazia (há poucos pedestres naquela região) de um cenário extravagante, com luzes vermelhas, fumaças e dezenas de figurantes em trajes de gala. Era uma mistura de cassino de Las Vegas com a atmosfera futurista dos Batmans do diretor Joel Schumacher. Não é uma crítica negativa: eu adoro esses filmes.

Em junho, a Super acompanhou um dia de gravação de Corrida dos Bichos, sci-fi brasileiro que se passa em um Rio de Janeiro distópico. Na história, parte do mar secou devido a uma catástrofe climática e as condições de vida são precárias. Uma das poucas chances de ascender socialmente é participando de uma versão mortal do jogo do bicho, na qual os participantes (cada um deles representando um animal) correm em um perigoso percurso pelas ruas da cidade.

É tudo um grande espetáculo, claro. O set que visitamos é o salão onde apostadores controlam os corredores à distância e analisam os seus movimentos. O galpão estava repleto de mesas (onde aparecerão mapas 3D da corrida) e cheio de personagens endinheirados. Violência e adrenalina para os que estão do lado de fora, champanhe e canapés para os que estão lá dentro.

Foto do set de gravação do filme
(Rafael Battaglia/Superinteressante)

Corrida dos Bichos vai estrear pelo Prime Video. As gravações ainda não acabaram e não há previsão de lançamento. Mas já é seguro dizer que se trata de uma aposta alta para os padrões do audiovisual brasileiro. 

Em 2018, quando o projeto já estava em desenvolvimento (mas a plataforma da Amazon ainda não estava envolvida), a revista Variety divulgou o orçamento de US$ 5 milhões – quase R$ 28 milhões em dinheiro de hoje, o que faria do longa um dos mais caros já produzidos por aqui. 

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O Prime Video não divulgou o custo da obra. Mas alguns detalhes revelam a magnitude do projeto. No dia em que visitamos as gravações, havia mais de 200 profissionais ali, divididos em bases que se espalhavam pelas redondezas do Moinho.

Há um elenco de estrelas, formado por Rodrigo Santoro, Grazi Massafera, Bruno Gagliasso, Isis Valverde, entre outros. Nesta sexta (23), o Prime Video também confirmou a participação de Anitta, que viverá uma personalidade que ficou famosa por narrar corridas.

Além disso, o longa conta não com um nem com dois, mas três diretores: Fernando Meirelles (um dos sócios da 02 Filmes, produtora do filme), Ernesto Solis (o autor original da história) e Rodrigo Pesavento. E, mesmo depois de uma maratona de 12 horas de filmagem, a equipe estava visivelmente otimista no set.

Foto dos atores Grazi Massafera e Rodrigo Santoro no filme
Grazi Massafera e Rodrigo Santoro em cena de “Corrida dos Bichos” (Divulgação/Reprodução)

“Esse filme dando certo, a ideia é produzir mais duas sequências”, disse Fernando, que acredita que também será possível lançar Corrida dos Bichos nos cinemas, em tela IMAX. Em curta temporada, claro – afinal, ainda é um projeto de streaming.

Vamos entender alguns detalhes sobre a produção – uma história que começou há quase 20 anos.

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Da ideia ao set

Em 2006, Ernesto Solis trabalhava no departamento de computação gráfica da Globo quando decidiu fazer um curta com animação 3D. O cineasta, porém, achava que os personagens realistas criados com essa tecnologia ainda não ficavam legais. Foi aí que pensou em mesclar técnicas: cenários e elementos 3D, mas com atores reais.

Ernesto antecipou uma tendência. No ano seguinte, estreou nos cinemas Sin City, uma adaptação de quadrinhos que popularizou essa mistura de 3D com personagens de carne e osso. E seu curta acabou chamando a atenção de um produtor francês que trabalhava com Luc Besson (o diretor de O Profissional e O Quinto Elemento).

O produtor convidou Ernesto para desenvolver o roteiro de um longa-metragem. O brasileiro nunca havia feito nada dessa escala, mas topou o desafio. E começou a pensar numa história. Ele, que também é desenhista, buscou inspiração em uma de suas grandes paixões: quadrinhos franceses; em especial, ficções científicas dos anos 1970.

Foi então que decidiu criar um enredo futurista. “Na época, ainda havia poucas produções desse tipo por aqui. A impressão que eu tinha era de que apenas os estrangeiros tinham direito a pensar no futuro”, disse Ernesto, que quis se apropriar desse gênero – e adicionar um toque brasileiro.

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Ernesto registrou o roteiro em 2009. Algum tempo depois, o estúdio MGM desenvolveu o projeto, mas caiu por terra. O filme passou anos atrás de investidores estrangeiros. Ernesto também foi atrás de verba com o Fundo Setorial do Audiovisual, vinculado ao Ministério da Cultura. 

Era um roteiro arriscado, mesmo. Exigia um orçamento alto para a criação de cenários, efeitos especiais e cenas de ação. Além disso, Ernesto, apesar de sua carreira no audiovisual, ainda não havia dirigido projetos nessa escala. Por muito tempo, ele achou que jamais veria sua história tomar forma. 

Em 2017, Ernesto chegou a filmar uma prova de conceito: um vídeo curto em que atores correm pelas ruas do Rio. Há figurinos distópicos, parkour – e muita pancadaria. “Fiz o teste com zero orçamento, justamente para provar que era possível”, conta Ernesto. 

Abaixo, você pode assistir a esse vídeo:


Os rumos mudaram quando Andrea Barata Ribeiro, uma das sócias fundadoras da 02 Filmes, abraçou de vez o projeto (o filme, vale dizer, havia sido descartado pela empresa, mas ela acabou voltando atrás). Em 2018, a 02 foi até o Festival de Cannes, um dos mais prestigiados do cinema, para buscar investidores que completassem o orçamento.

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Tudo parecia engatilhado. Daí veio a pandemia, que congelou novamente a produção de Corrida dos Bichos. O projeto, que chegou a estar nas mãos do Globoplay (que pensou em desenvolver uma série) caiu no colo do Prime Video, que finalmente deu sinal verde para a equipe.

A história e seus personagens

Pouco se sabe ainda sobre o enredo. O fio condutor será Mano (Matheus Abreu), um jovem que é contra a corrida dos bichos, mas que, a contragosto, precisa participar. Rodrigo Santoro interpretará um veterano da competição e é também é um dos personagens de destaque.

No núcleo dos apostadores, há Leon e Nadine, que são vividos por Bruno Gagliasso e Isis Valverde. Leon é um magnata viciado no jogo que, no passado, “comprou” Nadine. “Mas ele se apaixonou por ela depois, Há uma relação de amor e ódio entre eles, uma relação de dor e prazer”, diz o ator, sem entrar em muitos detalhes.

Foto dos atores Bruno Gagliasso e Isis Valverde no filme
Bruno Gagliasso e Isis Valverde no salão dos apostadores. (Divulgação/Reprodução)

Criado em 1892, o jogo do bicho é uma contravenção extremamente popular no país, especialmente no Rio. Mas não espere por uma grande reflexão sobre o jogo em si. Segundo Ernesto, esse elemento entrou na história para “sintetizar o Brasil de ontem e hoje, e do que ele pode se tornar amanhã”.

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“A corrida gera escravidão. E, apesar de todas as consequências negativas, os corredores ainda se candidatam, pois as chances de um bom futuro são muito baixas nessa sociedade”, diz o cineasta.

Ouvindo essa descrição, dá para pensar em distopias que foram lançadas enquanto Corrida dos Bichos estava em gestação, caso de Jogos VorazesJogador Número Um. Mas Ernesto ressalta que, em vez de seguir a cartilha de produções estrangeiras, quer abordar problemas brasileiros. Ele traça um paralelo com as favelas, onde jovens com poucas perspectivas encontram no tráfico uma possibilidade de ascensão.

Três diretores?

Esse arranjo incomum tem explicação. No dia em que visitei as gravações, conversei com Meirelles no salão futurista (que ele diz ter sido inspirado nos lugares que já visitou em Berlim). O cineasta de Cidade de Deus, Dois Papas e, mais recentemente, da série Sugar, disse que começou apenas produzindo Corrida dos Bichos. Mas que se juntou à direção após um pedido da Amazon.

Em outro momento do dia, Ernesto disse que essa decisão partiu da 02 Filmes, e que ele mesmo sugeriu Fernando para dirigir o longa ao seu lado. Seja como for, ter um projeto a quatro mãos parece ter sido uma ideia vinda de várias frentes, dado o tamanho da empreitada.

Fernando e Ernesto, então, dividem as tarefas de dramaturgia e direção de atores. Para as cenas de ação, que consideraram precisar de um olhar técnico particular, chamaram Rodrigo Pesavento, que já comandou séries e campanhas publicitárias pela 02.

Pesavento não estava no set no dia da visita. Na semana anterior, ele havia comandado uma cena externa, a chegada da corrida. Ela foi feita em um terreno próximo ao Moinho Fluminense, cujo chão a produção do filme encheu com toneladas de areia de saibro.

Corrida dos Bichos, é bom ressaltar, ainda está em fase de filmagens. Várias locações no Rio foram escolhidas. A produção, inclusive, fechou um dos túneis do centro da cidade para gravar parte da corrida.

Meirelles confessou estar animado em participar de um filme de ação, algo que ele ainda não havia feito em sua carreira. Nos momentos em que Pesavento controla, Fernando costuma gravar a segunda unidade (cenas complementares à fotografia principal) com as próprias mãos, seja com uma câmera profissional, seja com um iPhone, mesmo. “Eu comecei minha carreira como operador de câmera”, lembra. “Tem sido ótimo voltar a essa função 30 anos depois.”

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