O que é encíclica Laudato si’, deixada pelo Papa Francisco
Numa carta oficial, o pontífice convocou católicos e não-cristãos a se engajarem no combate às mudanças climáticas, tema importante de seu papado.

“Nada deste mundo nos é indiferente”, escreveu em 2015 Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, que morreu aos 88 anos na última segunda-feira, 21.
Há quase dez anos, ele tomou uma postura inovadora ao escrever uma carta especial para toda a Igreja Católica, criticando o consumismo e alertando os cristãos – e todos que quisessem ouvir – para o cuidado com a Terra e o combate às mudanças climáticas.
Esse documento é a encíclica Laudato si’, na qual o Papa assinou embaixo das principais descobertas científicas sobre a degradação ambiental e a crise climática e associou a missão ecológica de cuidar da “casa comum”, como ele chama a Terra, à teologia da Igreja.
Uma encíclica é uma carta oficial do pontífice para todos os fiéis e membros do clero sobre assuntos que afetam o bem-estar da Igreja. Nesse caso, o tema é bem geral: as mudanças climáticas afetam o bem-estar do mundo todo. Por isso, Francisco não se dirigiu só aos católicos, mas endereçou sua carta a “cada pessoa que habita neste planeta”.
O documento extenso (sua versão oficial tem 184 páginas) foi publicado em 18 de junho de 2015. Os Papas João Paulo II e Bento XVI já tinham falado sobre ecologia antes, mas a carta de Francisco foi a primeira vez que um dos pontífices focou nas mudanças climáticas e no caos global desencadeado pela emissão excessiva de gases de efeito estufa, o maior desafio coletivo da nossa época.
Entenda a postura ecológica do Papa
Bergoglio foi o primeiro Papa da América Latina, o primeiro oriundo da ordem religiosa dos jesuítas e o primeiro a escolher o nome Francisco para marcar seu papado. O nome é uma homenagem a São Francisco de Assis, um frade católico que nasceu no fim do século 12 e, nas palavras do Papa, era definido pela “simplicidade e dedicação aos pobres”.
Segundo Francisco, a ideia surgiu de uma frase que o brasileiro Dom Cláudio Hummes disse a ele logo depois da eleição no conclave: “não esqueça dos pobres”. Mas o nome do santo que fundou a ordem franciscana não carrega só uma missão para com os pobres, mas também para com a natureza.
São Francisco de Assis é o santo patrono dos animais e do meio ambiente. De acordo com a tradição católica, ele enxergava Deus espelhado na natureza e pregava aos animais, que tratava como (e chamava de) irmãos. Por isso, a encíclica Laudato si’ é nomeada com uma expressão do Cântico das Criaturas, de São Francisco, que significa “louvado sejas”. Nessa canção, ele louva a Deus pela “nossa irmã a mãe Terra”.
Quase um milênio antes dos hippies e dos ambientalistas dos anos 1960, o frade católico já falava da necessidade de se preocupar com o bem-estar do meio ambiente. Foi essa tradição de pensamento que Francisco seguiu em sua encíclica, defendendo a ciência produzida sobre as mudanças climáticas e argumentando que não pode haver mudança ecológica sem transformação social.
É isso que o Papa chamou de “ecologia integral”: reconhecer que “não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise sócio-ambiental”. Por isso, o líder religioso criticou os modelos de produção e consumo acelerados que só visam lucro, sem responsabilidade social e ambiental.
O Papa reconhece que os países pobres, que menos contribuíram para a crise climática, muitas vezes são os mais afetados por suas consequências. Por isso, ele convoca os países desenvolvidos a ajudar os países em desenvolvimento. Ele também escreve que o “uso intensivo de combustíveis fósseis” é um dos principais responsáveis por agravar as mudanças climáticas.
Na encíclica, Francisco defendeu que os cristãos deveriam passar por uma “conversão ecológica”, para “desenvolver a sua criatividade e entusiasmo para resolver os dramas do mundo”. Na visão do Papa, resolver o drama da crise climática envolve a participação de toda a sociedade, de várias formas diferentes.
Abrir mão do consumismo é uma parte importante do conselho do Papa, mas o documento reconhece que só ações individuais não vão resolver o problema da crise ambiental. Por isso, o Papa falava também de se envolver na política para garantir o cuidado do meio ambiente e das pessoas que mais sofrem com seu colapso.
A partir da publicação da encíclica, o ambientalismo assumiu uma posição importante na Igreja Católica. Dá para ver a importância do documento no Sínodo da Amazônia, assembleia que rolou em 2019 para repensar o papel pastoral e ecológico da Igreja na maior floresta tropical do mundo.
Francisco se encontrou com representantes de vários povos indígenas num evento no Peru e a Igreja se comprometeu a ajudar a defender a Amazônia e seus povos.