Livro da semana: “Freud sem traumas”, de Alexandre Carvalho
O jornalista Alexandre Carvalho destrincha as principais teorias do austríaco barbudo – e mostra, de maneira descomplicada, como ele revolucionou os estudos da psique.
É bem provável que você já tenha se deparado com algumas das ideias criadas ou estruturadas pelo austríaco Sigmund Freud (1856-1939). Conceitos como complexo de Édipo, id, ego e superego – além da duplinha consciente/inconsciente – não raro aparecem em filmes, séries de TV e conversas de mesa de bar. O problema é que, pela densidade da obra original, essas teorias podem virar um telefone sem fio nas mãos de desavisados: confusas e mal interpretadas.
Para aqueles que desejam finalmente entender o que diabos “Freud explica”, o livro Freud sem traumas pode ser um bom caminho. Lançado recentemente pela editora Leya, a obra mostra como o austríaco revolucionou o estudo da psique e explora a coexistência, um século depois, entre a neurociência moderna e a psicanálise.
O autor de Freud sem traumas é o jornalista Alexandre Carvalho, colaborador de longa data da Super (você pode ler alguns de seus textos aqui, aqui e aqui). Sem jargões complicados, os capítulos estão divididos por temas (“Inconsciente”, “Ato falho”, “Sexualidade”) e há diversos exemplos e referências da cultura pop que facilitam a compreensão. Vamos combinar: tem jeito melhor de aprender sobre interpretação dos sonhos do que com uma história dos Beatles?
Freud era um barbudo que fumava vinte charutos por dia, foi usuário de cocaína e, apesar de conservador em muitos aspectos, tinha visões extremamente liberais em relação à sexualidade. Mas, afinal, por que é importante aprender sobre suas ideias? Por que elas continuam relevantes, mesmo depois de tantas décadas?
Freud não é o criador de muitos dos conceitos pelos quais ficou famoso. A noção de inconsciência, por exemplo, é discutida desde a Grécia Antiga; egípcios e assírios foram os primeiros a registrar por escrito tentativas de interpretação de sonhos. Mesmo a “cura pela fala” (método no qual o paciente exterioriza os seus problemas com o terapeuta como forma de tratá-los, um dos pilares da psicanálise), atribuída a Freud e seu divã, começou com outro austríaco: Josef Breuer (1842-1925).
O pulo do gato de Freud foi inverter a hierarquia dos nossos processos mentais. Ele foi o primeiro a dizer que quem nos controla é, na verdade, o inconsciente, lar de desejos, impulsos e pensamentos inacessíveis, mas que ditam boa parte de nossas ações, da maneira como nos comportamos no trabalho e em relacionamentos a uma simples escolha de vinho no mercado.
Pelas teorias revolucionárias, Freud foi taxado de charlatão. Muitos não acreditavam em suas pesquisas – e certas ideias, como as que envolvem a sexualidade das crianças, chocaram (e ainda chocam) muita gente. Não à toa, o austríaco foi fortemente desacreditado por décadas. Nos anos 1970, por exemplo, filósofos como Karl Popper diziam que a psicanálise era pseudociência.
Nos últimos anos, contudo, isso caiu por terra. Hoje, a neurociência estima que 5% dos nossos processos cognitivos passam por algum tipo de controle racional. O resto é dominado pelo inconsciente. É a parte submersa do iceberg – como o barbudo havia proposto.
Antes de Freud, os transtornos mentais eram atribuídos ao excesso de sangue no cérebro – e recebiam tratamentos quase medievais. “Freud virou a prática clínica de cabeça para baixo, influenciou a medicina e criou um modelo a ser seguido – com mais ou menos adaptações – por todas as psicoterapias que viriam depois dele”, escreve Alexandre.
Em uma época de ansiedade e depressão (turbinadas pelas redes sociais e a pandemia), nunca foi tão importante falar sobre saúde mental. Freud sem traumas é uma leitura mais do que bem-vinda.