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E se os Beatles nunca tivessem se separado?

A série documental "The Beatles: Get Back", que estreou no Disney+, traz imagens inéditas da gravação do último álbum lançado pela banda, "Let It Be" – mas e se ele não tivesse sido o último?

Por Alexandre Carvalho
Atualizado em 25 nov 2021, 15h10 - Publicado em 18 nov 2021, 18h27

Uma coisa é certa: as opções no seu Spotify seriam muito diferentes. Com os Beatles ainda inspirando a cena musical, o rock progressivo não precisaria preencher o vazio que o fim da banda deixou. E talvez o punk, que foi a resposta aos exageros de virtuosismo do gênero, nunca tivesse existido.

Com os Beatles na ativa, a música pop dos anos 1970 seguiria dominada por belas harmonias e melodias, e a turma do ritmo, como a geração disco, teria mais dificuldade para roubar a cena. Se roubasse. Assim John Travolta talvez ficasse no anonimato, já que se tornou um astro no filme que eternizou o momento das “discotecas”: Os Embalos de Sábado à Noite (1977). Anos depois, Quentin Tarantino não o conheceria para resgatar sua carreira da decadência. E não teríamos o gif do Travolta perdidão de Pulp Fiction (1994).

Mas e as carreiras solo de Lennon, McCartney e Harrison? Não dá para dizer que os Beatles pós-1970 simplesmente teriam entregado as mesmas canções que seus membros criaram, sem mudar em nada a história. Músicas como “My Sweet Lord” (George), “Imagine” (John) e “Band on the Run” (Paul), afinal, marcaram a década seguinte ao fim da banda, e o mundo seguiu normalmente, com progressivo, punk, disco, new wave…

Mas há uma diferença gritante na quantidade de canções revolucionárias nas fases com e sem a banda. Isso porque foi a rivalidade criativa entre John Lennon e Paul McCartney que os transformou de uma boy band roqueira em gênios do pop. A criatividade em alta voltagem dependia disso: Paul precisava ouvir os rascunhos geniais das canções de John para tentar criar melodias ainda melhores – e vice-versa.

Quando Lennon teve um bloqueio criativo na segunda metade dos anos 1970, foi ouvindo no rádio uma canção de Paul, “Coming Up”, que recuperou a inspiração e o ânimo para retornar aos estúdios. A continuidade da banda passaria por isso: a constatação de que a “inveja benigna” entre os dois mantinha no topo a performance de ambos. Mesmo Harrison, correndo por fora, usava o desejo de igualar-se a John e Paul dentro da banda como combustível – por essas, dois grandes sucessos do último disco eram composições dele: “Here Comes the Sun” e “Something”.

Em suma, a união manteria a rivalidade interna à flor da pele. E dela, provavelmente, surgiriam canções brilhantes, capazes de preservar a banda como a mais importante do mundo por boa parte da década seguinte.

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Sem alma-gêmea

No mundo como o conhecemos, os anos 1980 já não foram essas coisas para a carreira de nenhum dos ex-Beatles (Lennon não conta, pois já estava morto). Então, no caso de estarem juntos – e com todo mundo vivo –, veríamos a repetição de fórmulas dos discos clássicos, algo que soaria cansativo, e surgiriam os projetos paralelos (inevitáveis – mesmo Mick Jagger e Keith Richards, inseparáveis, têm obras solo). Mas o de Lennon não incluiria Yoko Ono.

O casal se separou entre 1973 e 1975 – período em que John arrumou uma amante e embarcou numa jornada etílica com pesos-pesados da birita, como o baterista do The Who, Keith Moon (um laboratório humano de tudo quanto é tipo de estimulante ou entorpecente). Se ainda estivesse fiel não à esposa, mas aos três companheiros de Liverpool – todos unânimes na constatação de que Yoko desviava a atenção de Lennon da música –, a reconciliação no casamento seria menos provável.

Dessa forma, Yoko não ficaria com a fama de ser “a pessoa que acabou com os Beatles”. Seria apenas a musa de umas tantas canções. E sofreria menos rejeição e preconceito para o resto da vida – sendo reconhecida como a importante artista plástica que é.

Outra boa notícia é que você poderia conferir esse repertório ao vivo. E isso não é algo tão óbvio quanto parece. Os Beatles desenvolveram horror a shows ao vivo desde 1966. Mas, ainda que essa aversão durasse um bom tempo, a realidade do mercado acabaria se impondo. Afinal, por mais que cantassem sobre paz, amor e drogas, os Beatles sempre gostaram – e muito – de dinheiro.

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Um exemplo emblemático: Harrison, o mais espiritualizado dos quatro, era adepto de filosofias do Oriente que pregam o desapego ao mundo material. Chegou a dizer: “Sou um sujeito muito simples. Planto flores e vejo como elas crescem”. Ele só omitiu que seu hobby de jardineiro era praticado em sua mansão vitoriana, um verdadeiro palácio de 120 cômodos.

Essa fortuna toda era garantida, sobretudo, pelas vendas astronômicas de discos. Só que o Napster mudou a maneira como ouvimos música, ainda na virada do século. Ao permitir que qualquer um com acesso à internet pudesse compartilhar arquivos musicais no formato mp3, e sem ter de pôr a mão no bolso, o serviço promoveu uma revolução proletária digital – que daria origem ao streaming, um negócio que pouco rende aos músicos.

Aos artistas, restou faturar com a venda de ingressos de shows. E não seria diferente com os Beatles. Basta ver os Rolling Stones: a morte do baterista Charlie Watts, agora em 2021, não fez com que Mick e Keith cancelassem a próxima turnê da banda – e estamos falando de milionários beirando os 80 anos.

Essa ambição financeira, somada ao espírito empreendedor de McCartney, também levaria os Beatles a outros negócios. A banda era dona de uma empresa de marketing. O nome dela era Apple. E essa Apple dos Beatles provavelmente se transformaria num complexo diversificado de entretenimento, fortalecendo cada vez mais a marca. Com isso, Steve Jobs teria de registrar sua empresa com outro nome. E hoje as pessoas usariam iPhones sem maçãs no verso.

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A sede da Apple era o quartel-general dos Beatles, em Londres. Mesmo que o grupo só se reunisse para ensaiar e gravar um novo disco a cada três anos, por exemplo, seus negócios todos estariam ali. À altura da separação, a marca Beatles já era um grande business, que envolvia licenciamento de produtos, loja de roupas, muito contrato para assinar e dia a dia com advogados. Um resmungo recorrente de George Harrison era a obrigação de ir à Apple todo dia tratar de negócios.

Ainda antes que tudo isso se expandisse para empreendimentos de streaming ou que os Beatles, à maneira da Disney, comprassem grandes estúdios, tornando-se um conglomerado bilionário, mudar-se para os Estados Unidos, como John fez no começo dos anos 1970, seria uma inconveniência e tanto – numa era sem internet, ele não poderia ficar longe do escritório da Apple. E isso traria uma consequência fundamental.

Mark Chapman, seu assassino, estava à espreita em Nova York. A oportunidade para tiros à queima-roupa diminuiria com um oceano a separá-los. E um mundo com Lennon vivo por mais tempo teria sido, certamente, um mundo melhor. Com ou sem Beatles.

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