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Como funciona a cabeça de um corrupto e a falta de ética

É difícil compreender a psique de uma pessoa insensível à ética. A psicanálise, as ciências sociais e a filosofia ajudam a pesquisar o mistério.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h45 - Publicado em 30 set 1993, 22h00

Judith Patarra

Astucioso, egoísta, alerta às chances de burlar os cidadãos e o Estado, espantoso desrespeito pelo bem comum e pelas leis — esta a imagem que se tem do corrupto, o mais notório personagem da realidade política atual, no Brasil e, pode-se dizer, no mundo. “Mas quem, afinal, são os corruptos?”, provoca o psicanalista Manoel Tosta Berlinck, de São Paulo. Aqueles que trabalham para o governo e se apropriam de bens públicos? Os profissionais liberais que não declaram integralmente seu imposto de renda? O chefe de compras que aceita propina para escolher o fornecedor da empresa onde trabalha? Toda a população, enfim, porque não exige nota fiscal ao fazer suas compras e facilita aos comerciantes lesar o fisco?

Um efeito dessa natureza ampla do fenômeno corrupção, que Berlinck enfatiza, é o da arquiteta Mathilde Caetano, de São Paulo. Em 1990, mal saída da faculdade, ela abriu um pequeno escritório e contratou um contador. Meses depois, apareceu um fiscal da prefeitura, que descobriu um imposto atrasado. “Há grande espaço de avaliação nas perdas de prazo”, sinalizou o funcionário, já de olho numa propina. A arquiteta devia entender que com um “por fora” a avaliação da dívida seria irrisória, mas preferiu pedir ao contador que esclarecesse a situação. Conseguiu, no máximo, aprender que os múltiplos impostos federais, estaduais e municipais, com datas e procedimentos diferentes para serem quitados, induzem à perda de prazos.

O advogado Marcelo Caserta Lemos aproveita para lembrar o conceito jurídico de corruptíssima república: “Ele expressa que a abundância de leis torna corrompida a organização da coisa pública”, explica. O episódio de Mathilde terminou com o contador recomendando o pagamento da propina. “Do contrário, você fica na mira”, alertou o profissional das contas. “Daqui a dois meses aparece outro. Eles são muitos, você uma só. Tem gente de cabelo branco por causa disso.” A arquiteta pagou os cerca de 100 dólares pedidos e, já desconfiada do próprio contador, organizou o que se chama caixa 2, para enfrentar futuras investidas.

O caso é exemplar, porque de um lado revela que a corruptíssima república favorece a impunidade; e de outro, compromete um fiscal, funcionário que se costuma considerar, de antemão, corrupto, salvo eloqüente prova em contrário. “Devo expor a situação de nossa classe”, contra-argumenta Mauro Decar, lotado em uma das administrações regionais da Prefeitura de São Paulo. “Ninguém se preocupa se uma obra prejudica os vizinhos ou se o beiral podre está para cair na cabeça de alguém. Quando chegamos, somos sempre mal recebidos, querem logo dar um jeitinho. Explicamos a exigência da lei, pensam que insinuamos a extorsão. Ameaçam. Às vezes, o fiscal é mesmo corrupto, uma só das multas que deve aplicar representa dez, vinte vezes o que ele ganha por mês. Não temos carreira profissional, nem chefia própria.”

Como se vê, a vida é dura em toda parte. “Existem contextos culturais que ajudam a formar cabeças corruptas”, informa o psicanalista lacaniano Contardo Calligaris, de Porto Alegre. “O Brasil destaca-se nessa triste situação não só porque é forjado na cultura individualista, mas por sua História, sempre vulnerável à corrupção”. Calligaris, presidente da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, insiste em que a história de um país explica muita coisa, pois é fruto de uma cultura específica: instituições, organização social, costumes, crenças, mitos. No exercício de sua profissão, detectou na fala e no inconsciente dos brasileiros a presença de duas figuras supostamente perdidas no passado: o colonizador e o colono. “O colonizador abandonou a mãe-pátria, Portugal, por uma nova terra, que vai explorar. O que quer dizer explorar? Conhecer e também arrancar seus recursos. Ele veio impor sua língua e gozar a nova mãe sem o interdito do pai. O colono, ao contrário, não veio gozar a América; queria construir um nome, encontrar um novo pai. Ser sujeito.”

Segue o raciocínio: “O que é ser sujeito? É submeter-se à autoridade e tornar-se alguém. O que é autoridade? Implica respeito e amor — portanto, valores simbólicos. Mas o colono vira um escravo branco da fazenda, o que gera uma decepção sem remédio. A saída é fugir ou morrer. O falso pai é um explorador, não o assume como filho nem lhe dá um nome. O colono termina medindo a função paterna pelo gozo ao qual dá acesso, inscrevendo em seu inconsciente um cinismo radical com relação à autoridade. Impressiona-me como uma família inteira, hoje, é capaz de desconsiderar um pai que não consegue enriquecer. Pouco vale o capital incrível de amigos, estima, valor de um nome respeitado.”

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Berlinck, o outro psicanalista, segue pela mesma trilha: “A nossa sociedade exige que as pessoas sejam bem-sucedidas. Isso significa ser rico, poderoso, acumular propriedades. Saímos todos atrás disso, mais desembestados do que deixamos transparecer”. O quadro, sem dúvida, piora quando pensamos nos políticos e nos funcionários do Estado, que representam a autoridade simbólica. Mas, em boa parte, são como o colonizador: falsos pais, norteados pela frase famosa “é dando que se recebe”. A dádiva, explica Calligaris, é que sustenta o poder do doador, impondo a quem recebe o dever de retribuir com dádiva semelhante, ou maior. E assim se abrem as portas do clientelismo, fenômeno social em que os políticos oferecem, em troca de apoio eleitoral, toda sorte de ajudas e favores. Monta-se uma rede de fidelidades pessoais que usa recursos públicos ou privados, sacos sem fundo de campanhas eleitorais, por exemplo.

Quem ficar fora de uma rede dessas — que, como vimos recentemente, pode ir do doleiro ao presidente da República — fatalmente vai ouvir em algum momento o retumbante “você sabe com quem está falando?”, à qual o antropólogo Roberto DaMatta, atualmente lecionando na Universidade de Notre Dame, em Indiana, Estados Unidos, dedicou um capítulo inteiro do seu livro Carnavais, malandros e heróis. Eunice Ribeiro Durhan, coordenadora do Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior da Universidade de São Paulo, viveu uma amarga experiência nos dois anos em que serviu no Ministério da Educação, durante o governo José Sarney (1985-1990).

“Diariamente — lembra — vinham deputados ao meu gabinete, pressionar. Eram quase sempre solicitações de bolsas de estudo, pedidos de ver-bas e insistência na transformação de faculdades em universidades. Tudo sem atender os critérios legais, claríssimos, por sinal. Em troca, propunham apoiar (ou dificultar) o andamento de projetos de lei do interesse do Ministério, vale dizer, do interesse do distinto público. Eunice deixou o Ministério junto com o ministro José Goldemberg, em 1992, já no governo Collor, ambos incapazes de adaptar-se ao comportamento considerado normal naquelas paragens.

“Quem funciona contra essa cultura é considerado excêntrico, criador de caso, trouxa, babaca”, explica outra antropóloga, Maria Lúcia Montes, da Universidade de São Paulo. Como fruto do clientelismo, a cabeça do brasileiro tende a buscar benefícios valendo-se da influência de alguém. Nesse caso, é bobagem reivindicar direitos pelo mérito. Tudo se torna legítimo, pois ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. Roberto DaMatta acredita que a sociedade brasileira combina duas mitologias: uma se inspira na tradição moderna, da igualdade e da liberdade; a outra, na desigualdade. “Ao adotar ambas, instituiu-se nossa ’ética da ambigüidade’, mãe de nossa familiar corrupção: o que não posso fazer como cidadão, faço como amigo do rei.”

A malandragem chegou a tais níveis, que o brasileiro hoje clama por ética sem ambigüidade. Explica Renato Janine Ribeiro, professor de Filosofia Política da Universidade de São Paulo: “As pessoas querem referências para saber o que é certo e errado. Isso é um equívoco. Ética significa agir de acordo com escolhas individuais, que se supõe voluntárias, muitas vezes racionais, baseadas em valores que nós julgamos certos ou errados.” O filósofo usa a expressão “supõe-se” porque depois dos trabalhos de Sigmund Freud, o pai da Psicanálise (1856-1939), sabe-se que freqüentemente não temos muita clareza acerca de nossas motivações inconscientes. Além disso, os valores de certo e errado mudam com o tempo. Não há mais preceitos absolutos. Mesmo pessoas religiosas sabem que os mandamentos bíblicos não bastam para sustentar as escolhas éticas.

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A situação parece mais complicada se lembrarmos que os valores da vida privada nem sempre servem para orientar a vida pública.“A ética individual sugere: sou a favor de melhores salários”, explica Maria Lúcia Montes. “A ética da responsabilidade, esfera, entre outras, da política, acrescenta: mas não a ponto de piorar a situação do país. A lógica desse impasse tem um elemento natural, a negociação. Mas esta deve manter-se no nível do interesse público, senão afundamos na reles barganha. Por que, a meu ver, caiu o presidente Fernando Collor? Seus eleitores poderosos sabiam que viria roubalheira; julgavam-se capazes de controlá-lo. Mas ele, onipotente, não barganhou.”

Para os psicanalistas, há diferenças substanciais entre gente como a arquiteta Mathilde Caetano e alguém que sistematicamente desvia dinheiro público. “Acho que a cabeça do honesto é idêntica à do corrupto no que se refere à violência interna, contra a qual precisamos nos proteger, e a violência externa, que nos assalta”, explica Berlinck. “Depois, os seres humanos são voltados para o prazer e cometem desvarios. A civilização é essa tentativa, falha, de conter a violência, da qual somos todos sujeitos.” E aqui entram as diferenças entre honesto e corrupto: “O honesto, em sua criatividade originária da violência, cria vida, realizações; o corrupto, em sua criatividade igualmente originária da violência, é um parasita destruidor da vida. Chupa a vida dos outros, permanece um bebê que mama nas tetas do Estado. Faltou-lhe um pai que, exercendo as funções paternas, estipulasse os limites da lei. Por isso, quando o chamam de corrupto, fica indignado, sente-se injustiçado.”

Colocado o Brasil no divã dos psicanalistas, vamos descobrir que, para mudar, realmente, será preciso que ele se torne uma nação real, descartando a identidade do colonizador que se fixou nos violões, nas praias, na bola de futebol, nos desfiles de carnaval em boa parte sustentados pela contravenção do jogo do bicho e do tráfico de drogas. Geralmente, um país torna-se uma nação depois de viver episódios históricos penosos, guerras de libertação, resistência a invasores, busca de independência. Cria-se a partir daí uma comunidade nacional, a partir de quase nada. Ao brasileiro parece faltar esse sentido de destino comum. Pouco lutamos nos episódios marcantes de nossa história, a Independência, a abolição da escravatura, a República. Nos primeiros anos depois da descoberta, chamavam-se brasileiros os comerciantes de pau-brasil. Rapinavam a terra (gozavam a mãe sem o interdito do pai, no linguajar da Psicanálise) e extinguiram a preciosa madeira que servia para fazer tinturas. Talvez seja necessário, tantos séculos mais tarde, marcando a diferença entre a cabeça destrutiva do corrupto, “um malandro burocratizado”, no dizer de Roberto DaMatta, e a cabeça construtiva do honesto, simbolicamente plantar uma muda de pau-brasil. É uma árvore majestosa, alta, belíssima: grosso tronco avermelhado, com muitas ramificações, generosa folhagem. Em se cultivando, dá.

Para saber mais:

Tudo mentira

(SUPER número 4, ano 2)

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Por favor, leia este texto

(SUPER número 6, ano 2)

Sabe da última?

(SUPER número 1, ano 3)

A arte de enganar

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(SUPER número 10, ano 7)

Erros, fraudes e intrigas

(SUPER número 2, ano 8)

 

ABC da delinqüência

Crimes que prejudicam a administração são considerados de forma diversa quando praticados por funcionários públicos ou particulares. Os advogados Francisco de A. Miné Ribeiro Paiva e Marcelo Caserta Lemos, de São Paulo, ajudam a definir os principais.

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Crimes praticados por servidores públicos

Corrupção passiva: solicitar ou receber, para si ou para outra pessoa, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida ou apenas sua promessa. Por exemplo, quando o funcionário propõe um “por fora” para expedir mais rapidamente um documento oficial. Artigo 317 do Código Penal.

Concussão: espécie de corrupção passiva mais grave, porque o funcionário não pede, exige a vantagem indevida. A jurisprudência já admite que esse crime pode abranger particulares. Assim, se Paulo César Farias exigiu de empresários pagamento de taxas para que se habilitassem a concorrências para realização de obras públicas, está incurso nesse crime. Artigo 317 do Código Penal.

Peculato-estelionato: apropriação indevida de dinheiro, valor ou outro bem qualquer (tanto público quanto particular) que o funcionário detém em razão do cargo que ocupa, e utilizada em seu proveito ou de outra pessoa. Por exemplo, o diretor do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas que usa as máquinas do órgão para perfurar um poço na propriedade particular de um deputado. Artigos 312 e 313 do Código Penal.

Crimes de particulares contra a administração pública

Corrupção ativa: a pessoa que oferece ou promete vantagem indevida a funcionário público, para que realize, omita ou retarde ato de sua obrigação. Por exemplo, o servidor deve conferir certidões que habilitarão a empresa a participar de concorrência pública mas faz de conta que não viu irregularidades nelas e aprova tudo. O sujeito ativo desse crime é o corruptor. Artigo 343 do Código Penal.

Exploração de prestígio: obter para si ou outra pessoa vantagem ou promessa dela, a pretexto de influir em funcionário público no exercício da função. É um dos casos típicos de “você sabe com quem está falando?” e um dos enquadramentos a que se sujeitaria o já cita-do PC Farias, por usar a amizade do presidente Fernando Collor. Absorve o crime de estelionato e consuma-se logo que o sujeito obtém a vantagem ou sua promessa, mesmo que descumprida. Artigo 332 do Código Penal.

Crimes de funcionários e particulares

Estelionato: empregar meios fraudulentos para induzir ou manter a vítima em erro, com o fim de obter proveito patrimonial indevido. Não envolve violência, mas exige esperteza do fraudador e malícia ingênua da vítima. Por exemplo, o fraudador vende, por preço vil, uma corrente que diz ser de ouro. A vítima acha que está levando vantagem e compra uma corrente de latão. Artigo 171 do Código Penal.

Falsidade documental: ato ilícito de forjar documento não verdadeiro ou alterar documento público ou particular verdadeiro, bem como reconhecer firma ou letra falsa, fornecer atestado falso ou destruir ou ocultar documento verdadeiro. Artigos 297 e 298 do Código Penal.

Sonegação fiscal: ato doloso que consiste em falsear, omitir ou inserir declaração inexata em documento de natureza fiscal, com a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento do tributo. Artigos 743 a 747 do Código Tributário. Depois da aprovação da lei do colarinho branco, em 1991, os crimes de natureza fiscal passaram a receber penas mais graves. Por essa lei, os crimes de sonegação fiscal, a ausência de declaração do imposto de renda ou a sonegação de informações na declaração, passaram a sujeitar o cidadão a multa, prisão e perda de bens. A lei pretende compelir o pagamento de impostos, coibindo o enriquecimento sem causa que o justifique; no Direito, é presunção de ato ilícito.

Nós e Édipo

“O objetivo da Psicanálise é ser a ciência do desejo ou da sexualidade humana. É no inconsciente que o desejo lança suas raízes”, definiu o psicanalista Hélio Pelegrino (1924-1988), mineiro radicado no Rio de Janeiro. A figura paterna, representante da lei, é que interdita o incesto e separa a criança, menino ou menina, da mãe. Esse triângulo, chamado edipiano, referência ao mito grego de Édipo, que sem saber matou o pai e casou com a própria mãe, é o que estrutura a personalidade humana. De acordo com Sigmund Freud, todos os distúrbios emocionais, grandes e pequenos, têm origem nas interações mal resolvidas desse triângulo.

Duas éticas de boa família

Faça o que deve fazer, independente do resultado, é um preceito individual. Em política, vale o faça o que deve para que aconteça o que você deseja. Essa máxima encontrou no pensador italiano Nicolau Maquiavel (1469-1527) sua mais forte expressão e configura o que o cientista político, também italiano, Norberto Bobbio, da Universidade de Turim, ainda hoje considera um dos problemas centrais da filosofia política. “Não se pode dizer que o obrigatório, em moral, o seja em política”, escreveu. O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1824) sugeriu o seguinte: toda vez que você agir, faça-o de modo que sua ação seja uma norma universal.

O professor Renato Janine Ribeiro costuma contar aos alunos o exemplo proposto pelo médico, satirista e filósofo holandês Bernard de Mandeville (1670-1733), no livro A fábula das abelhas — vícios privados e benefícios públicos: no século XVII, em Amsterdam, cidade portuária de sólida moral protestante, existia grande tolerância para com a prostituição. Como era possível? É que a cidade recebia muitos marinheiros, havia meses sem ver mulher; donzelas e senhoras da sociedade correriam risco de assalto, na ausência das prostitutas. Melhor tolerá-las, nas casas de tolerância, e proteger as famílias.

Esse exemplo mostra como valores do mundo privado nem sempre servem no mundo público. Aliás, Janine destaca que a palavra público tem dois sentidos: bem comum, senso de coletividade; e assistência de um espetáculo. Continuando por aí: quem representa, no espetáculo, interpreta um papel; e um político também é um representante. O sociólogo e economista alemão Max Weber (1864-1920) analisou essa oposição, distinguindo ética de convicção e ética da responsabilidade. São dois universos, o público e o privado. Por exemplo, salvo em casos excepcionais, a violência individual costuma ser condenada; já a violência de grupo — digamos, a polícia que se envolve em tiroteio com traficantes de drogas — é justificada. “Uma das razões que torna injustificável a violência do indivíduo”, escreve Bobbio, “é que a violência coletiva o protege.” Mas nem precisamos de exemplos tão fortes. Quando, como no Brasil, se privatiza o público, cada um produz sua própria lei. O sinal ficou vermelho, mas eu estou com pressa — e isso justifica meu direito de passar.

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