Era o Cid Moreira de sempre. Terno impecável, topete no cabelo grisalho como em todo Jornal Nacional. Ele olhou para a câmera e disse: “Tudo na Globo é tendencioso e manipulado. Não reconheço à Globo autoridade em matéria de liberdade de imprensa, e basta para isso olhar a sua longa e cordial convivência com os regimes autoritários e com a ditadura de 20 anos que dominou o nosso país.”
A fala histórica foi ao ar ao vivo, na noite de 15 de março de 1994. Não era um pedido público de demissão. O apresentador transmitia um direito de resposta concedido pela Justiça ao ex-governador Leonel Brizola, que redigiu o texto após ser a acusado, no Jornal Nacional, de “declínio da saúde mental” e “deprimente inaptidão administrativa” por tentar proibir a transmissão do Carnaval. Naquele dia, milhares de brasileiros devem ter se deliciado com o texto de Brizola, lido no programa jornalístico que com média de 68% dos televisores ligados era, proporcionalmente, o mais assistido do mundo. Pessoas que como eu, e talvez você, cresceram fazendo lição-de-casa diante da Sessão da Tarde, jantando com a novela das 7 e indo dormir depois dos dramas de Regina Duarte na novela das 8. Após 40 anos como líder da televisão no Brasil, a Globo se tornou uma paixão nacional – mas uma paixão tão grande quanto a de falar mal dela.
Todos os anos, cada brasileiro passa em média 700 horas assistindo à Globo. Sem William Bonner, Xuxa ou Sinhozinho Malta, nossas roupas, jeito de falar, famílias e a imagem que temos do lugar em que vivemos seriam diferentes. “Tire a televisão de dentro do Brasil e o país desaparece”, diz Eugênio Bucci, presidente da Radiobrás, co-autor do livro Videologias e ex-diretor de redação da SUPER. Exagero? Nas páginas seguintes, você verá como a Globo inventou o Brasil.
O Brasil sem a Globo
Na década de 1950, quando a televisão começou por aqui, o país escutava Tonico e Tinoco, ria de Mazzaropi e tinha 70% das pessoas morando no campo. Na cidade, ter um televisor era mais chique que home theater nos dias de hoje. As famílias deixavam de ir à ópera para assistir ao “teleteatro” em casa – e depois ligavam para o camarim cumprimentando os atores. E como não existiam satélites, cada cidade tinha sua programação, com celebridades, piadas e notícias locais.
Nos anos 1960, esse Brasil rural passou por um banho de loja cultural. Até o início dos anos 1970, o número de livros impressos passaria de 43 milhões para 191 milhões, a venda de discos cresceria 800% e a televisão viraria profissional, com antenas mais potentes, tecnologia para gravar programas e um aumento de 500 mil casas com televisores por ano. Percebendo a reviravolta, um grupo de comunicação resolveu se modernizar para virar empresa. Em 1963, contratou quase 100 funcionários num só dia – entre eles Chico Anysio e Gianfrancesco Guarnieri – e começou a fazer novelas diárias. Não, essa empresa não era a Globo. Era a TV Excelsior.
A Excelsior tinha tudo para dar certo, menos um item – isenção política. Com o golpe militar de 1964, foi boicotada pelos militares. Seu proprietário, Wallace Simonsen, que usava abertamente a televisão para apoiar o presidente João Goulart, sofreu retaliações financeiras. A emissora fechou em 1969. A outra grande TV da época, a Tupi, do magnata Assis Chateaubriand, dado a negociatas e ameaças políticas, entrou em declínio até falir em 1979. O trono estava vago para uma nova dinastia. “Os militares queriam uma empresa com visão moderna e que fosse parceira da expansão da televisão pelo país”, afirma a psicanalista e estudiosa de televisão Maria Rita Kehl. É aí que entra Roberto Marinho.
Em 26 de abril de 1965, 3 anos após ganhar a concessão do então presidente Goulart, o dono do jornal O Globo levou ao ar o canal 4 do Rio de Janeiro. Em poucos meses deu para ver as novidades. A grade de atrações era conhecida do público e não mudava de repente, como na Tupi, na Excelsior ou na Record. Outra inovação: os anúncios publicitários, que apareciam ao longo do dia todo, mas em breves intervalos. Em resumo, igualzinho ao que assistimos hoje. Foi a Globo que implantou esse formato no Brasil.
Por trás do arrojo da Globo estava quem mais entendia de televisão na época: o grupo Time-Life, dos EUA. Um contrato assinado em 1962 previa que a Globo desse aos americanos 30% de seus lucros em troca de dinheiro para investimentos e experiência. O acordo virou escândalo nacional. A lei proibia que grupos estrangeiros fossem sócios de empresas de comunicação. Uma CPI foi instalada para apurar o caso e o governo podia até ordenar o fechamento da emissora – mas como uma legítima CPI brasileira, tudo terminou em pizza. Em 1969, insatisfeita com a rentabilidade do negócio, a Time-Life desistiu do contrato.
A Globo é o Brasil
Em 1969, uma casualidade mudou os rumos da TV Globo. Um incêndio destruiu a sede da emissora em São Paulo e, com os estúdios destruídos, a cidade teve de assistir à programação que ia ao ar do Rio. Surpreendentemente, a audiência na cidade não caiu. O que começou como estratégia de emergência, virou a maior vantagem da Globo, que se tornou a primeira emissora nacional do país. E uma rede que alcançasse o país inteiro era tudo o que os militares queriam. “Acreditava-se na época que o território nacional só estaria livre da ameaça estrangeira se as fronteiras estivessem em contato com o centro”, diz o jornalista Gabriel Priolli, da PUC-SP e autor do livro A Deusa Ferida. Essa mentalidade fez nascer megaprojetos, como a estrada Transamazônica e a instalação de um sistema nacional de torres de televisão. Em muitos países, esse investimento foi feito pela iniciativa privada. Aqui, o Estado bancou tudo. E ainda abriu linhas de crédito para qualquer pessoa comprar um televisor sem juros. O resultado foi um país unificado na tela da televisão.
Você já parou para pensar o que um descendente de alemães do interior gaúcho, um paulistano e um ribeirinho da Amazônia têm em comum? Eles falam português, ainda que um português bem diferente, descansam nos mesmos feriados e têm uma carteira de identidade que diz: brasileiro. Até 1969, era só isso. Mas depois que a Globo se tornou uma rede nacional, todos passaram a ter um enorme universo em comum. O mesmo sonho de conhecer o Rio, os mesmos bordões como “Não, Pedro Bó”, o mesmo desejo de comer pizza com guaraná. “A televisão igualou o imaginário de um país cuja realidade é constituída de enormes contrastes, conflitos e contradições”, afirma Eugênio Bucci.
Um estudo do pesquisador Luiz Augusto Milanesi, da USP, sobre a chegada da televisão a Ibitinga, interior de São Paulo, deixa claro os efeitos desse fenômeno. Assistindo a atores e jornalistas, os moradores descobriram que palavras como “compreto” e “frauta” estavam erradas. Mas, sem certeza do quanto já tinham se enganado, acabaram também trocando as letras em palavras corretas – “freira” virou “fleira”. E se “paia” virou “palha”, “meia” passou a ser “melha”.
A Globo governa
Ok, a política de integração nacional deu ao país uma cara moderna e uma rede de telecomunicações de primeiro mundo. Mas o avanço também serviu como espaço de propaganda política. O programa Amaral Neto, o Repórter, por exemplo, se dedicava a noticiar os feitos milicos. No resto da programação, a censura encrencava com a roupa das chacretes e investigava até se Tom & Jerry tinha mensagens revolucionárias subliminares.
Além disso, a televisão rendeu cartadas no jogo de poder. Um estudo da pesquisadora Susy dos Santos, da Universidade Federal da Bahia, mostrou que pelo menos 40 afiliadas da Globo pertencem a políticos locais, todos ex-aliados dos militares. Os Magalhães, na Bahia, os Sarney, no Maranhão, os Collor, em Alagoas. O clima de paz e amor com o governo era tanto que, em 1972, o presidente Médici chegou a dizer: “Fico feliz todas as noites quando assisto ao noticiário. Porque, no noticiário da Globo, o mundo está um caos, mas o Brasil está em paz.”
Mesmo após 1976, com o fim da censura prévia, o noticiário da Globo continuou sem farpas contra os militares. “Quando o país começou a se democratizar, a resistência da Globo às mudanças ficou clara”, diz Valério Brittos, professor da pós-graduação em ciências da comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Foi assim durante as greves do ABC, entre 1978 e 1980, que mal foram mencionadas pela emissora, e na campanha pelas eleições diretas em 1984. Esse comportamento fez surgir nos muros e passeatas o lema “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo.” “Na prática do jornalismo, como em qualquer outra atividade, erros podem acontecer”, diz Luis Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação. “O importante é ter humildade para corrigir rumos e agir com transparência.”
Nos últimos anos da ditadura, o poder de Roberto Marinho era de espantar mesmo. Para tentar diminuir sua força, o governo abriu concorrência para novas concessões de TV, em 1980. O Jornal do Brasil e a Editora Abril, que edita a SUPER, estavam no páreo, mas a disputa acabou ganha por Adolpho Bloch, que fez a Manchete, e Silvio Santos, do SBT. Enquanto esses canais engatinhavam, Roberto Marinho decidia os rumos do país. “Eu brigo com o papa, com a Igreja Católica, com o PMDB. Só não brigo com o doutor Roberto”, disse o presidente eleito Tancredo Neves, em 1985, a Ulysses Guimarães, que estava indignado com a indicação de Antonio Carlos Magalhães para o Ministério das Comunicações. ACM não foi o único ministro que Roberto Marinho nomeou ou demitiu nessa época.
Revolução dos costumes
Para muitas pessoas, a história da Globo acaba aqui. A emissora só chegou aonde chegou graças a barganhas políticas e ponto final. É aí que esses críticos quebram a cara. A Globo não se fez apenas apoiando militares e jogos. “Estamos diante de um caso de talento artístico. Nenhuma emissora do mundo domina tão bem a produção técnica em vídeo quanto a Globo. Melhor que ela, só a produção em película de Hollywood”, diz Gabriel Priolli. Hoje, não é só líder no Brasil: é a maior produtora de televisão do mundo. “Em 2004, produzimos 2.546 horas de programação, o que equivale a mais de 1.000 longas-metragens”, afirma Erlanger, da Globo. Neste momento, 62 países estão assistindo a programas que você viu meses atrás.
Foi combinando alcance nacional e capacidade técnica acima da média mundial que a Globo protagonizou a construção da identidade brasileira. E esse talento se concentrou principalmente nas novelas. Para escrevê-las, foram chamados os melhores dramaturgos. Muitos deles vieram de jornais e grupos de teatro de esquerda da década de 1960, como Benedito Ruy Barbosa, Dias Gomes e Aguinaldo Silva. “Os autores disseminaram em cadeia nacional novos estilos de vida”, diz o pesquisador Cláudio Paiva, da Universidade Federal da Paraíba. Em vez das velhas histórias da moça virgem que tinha um pai carrancudo e fora enganada por um homem, trama típica do dramalhão latino-americano, aparecem os adolescentes que transam sem culpa, o homem que chora, a mulher separada, o gay. “O Brasil tem costumes mais modernos que o restante da América Latina também porque nossas novelas são mais realistas que as mexicanas”, diz Priolli.
Em 1994, a pesquisadora Anamaria Fadul, da Universidade Metodista de São Paulo, montou a árvore genealógica de 33 novelas da Globo produzidas entre os anos 1970 e 1990. Apenas duas mostravam famílias com mais de 2 filhos. “Não se pode fazer uma relação de causa e efeito, mas ficou claro que as novelas da Globo anteciparam o modelo da família atual em 2 décadas”, diz Anamaria. “Há quase 30 anos a Rede Globo promove o reexame das relações homem e mulher”, afirma o filósofo Renato Janine Ribeiro, autor do livro O Afeto Autoritário. “Os movimentos feministas iniciaram esse questionamento, mas a rede Globo assumiu a causa e não a abandonou.” Duas produções dessa linha marcaram época:
• Dancin’ Days (1978), que mostrava a vida de Júlia (Sônia Braga), ex-presidiária que luta para retomar a vida ao lado da filha, criada pela irmã milionária.
• Malu Mulher (1979), em que Malu (Regina Duarte) é uma socióloga que decide se separar depois de ser traída pelo marido. A minissérie questionava tabus como aborto e virgindade, narrando os dramas da mulher madura que passa a ter de sustentar a filha. Malu Mulher foi sucesso na Inglaterra e na Holanda – e censurada em países da América Latina.
No caldo sem-gracinha do melodrama, também entraram pitadas de sátira, que parodiavam a política brasileira. “O Jornal Nacional mostrava políticos, em geral nordestinos, que depois de servir a todos os ditadores haviam se reciclado com a volta da democracia. Apareciam como grandes homens da República. Meia hora depois, a principal novela da mesma Globo expunha clones deles como emblemas do que há de pior em nossa sociedade”, diz Renato Janine. Você deve se lembrar de algumas dessas novelas:
• Roque Santeiro (1985), que tinha 36 capítulos gravados quando foi censurada pela ditadura, em 1975. Regravada 10 anos depois, mostrava como protagonista Sinhozinho Malta (Lima Duarte), um típico coronel nordestino.
• Que Rei Sou Eu? (1989), passada no reino de Avilan, país imaginário da Europa do século 18 que vivia crises comuns às do Brasil de 1989: inflação, planos econômicos furados, moedas que mudavam de nome. Sem falar nas falcatruas e negociatas políticas.
• O Bem-Amado (1973), onde a cidade fictícia de Sucupira era palco de diversos tipos brasileiros – não exatamente os melhores. Exemplo de como a novela transformada em minissérie retratou o país é a fala do general Golbery do Couto e Silva, braço-direito do presidente Geisel, que ao deixar o cargo de chefe da Casa Civil disse aos repórteres: “Não me perguntem nada. Acabo de deixar Sucupira”.
A vida começa aos 40
E hoje? E o futuro? É difícil que, daqui pra frente, um canal de TV tenha tanta importância para o imaginário de Sucupira, ops!, do Brasil. “É uma tendência mundial as grandes televisões perderem audiência para outros canais ou tipos de mídia”, diz o professor Valério Brittos. “Mas, dentro dessa segmentação, a Globo vai seguir como uma das principais produtoras do mundo.”
O maior baque de perda de público aconteceu na década de 1990. A audiência média de 49% dos televisores ligados, em 1979, baixou para 37% em 1997. Record e SBT aproveitaram o barateamento da tecnologia de produção e lançaram programas populares. Também apareceu o controle remoto, arqui-inimigo das líderes de audiência. Mas o susto passou rápido: a novela Terra Nostra, de 1999, recuperou antigos índices de audiência e provou que o modelo “sanduíche” de um jornal entre novelas, marca da Globo instituída em 1968, não estava acabado. Até programas típicos de emissoras B no resto do mundo, como o Big Brother, viraram atração global. “A capacidade de inovar e adaptar que a Globo tem é incomum em empresas tradicionais”, diz Valério Brittos.
Essa inovação, porém, foi um tiro pela culatra no que se refere à televisão a cabo. Quando partiu para a transmissão por assinatura, a Globo teve, desta vez, de tirar do próprio bolso os custos de instalação da rede. O grupo que controla a emissora fez uma dívida que, com a crise do real, em 1999, virou uma bolha de R$ 1,3 bilhão. “A empresa pode até sanear essa dívida, mas terá dificuldades se precisar fazer mais investimentos em novas tecnologias”, diz Brittos.
Falando em novas tecnologias, a TV digital está mudando o jeito de ver TV hoje. Hoje, dá para escolher entre ler um e-mail, escutar música ou assistir aos Simpsons enquanto se espera o ônibus (pois é, os ônibus continuam os mesmos de sempre). Especialistas dizem que a TV on demand pode tornar obsoleto o sistema de concessões de canais, no qual a Globo nasceu e virou gigante.
Isso significa o fim da Globo? Será que a televisão generalista, que todos vêem ao mesmo tempo, é coisa do passado? A interatividade da internet fez de qualquer pessoa uma potencial emissora de conteúdo – e mudanças como essa, que cindem a idéia de uma sociedade uniforme, tem força para inaugurar uma nova idade histórica. Por isso, é difícil prever o futuro da emissora que deu uma cara ao Brasil – “aguarde e confie”, diria Didi Mocó. Já é possível, no entanto, julgar seu papel desde 1965. Sim, em muitos momentos a Globo foi mesmo porta-voz dos militares. Mas também não faltam motivos para tratá-la como agente modernizante e um orgulho do talento nacional. A Rede Globo tem uma grande dívida com o Brasil. Mas o Brasil também deve muito à Rede Globo.
Teorias da conspiração
A Glogo atraiu a entrada do controle remoto no Brasil
FALSO. O velho boato que circula entre faculdades e sites anti-Globo é desacreditado por especialistas. Desde os anos 1960 já havia televisores com controle remoto no Brasil. “O problema é que ele encarecia muito o televisor”, diz o jornalista Gabriel Priolli. Os aparelhos com controle remoto eletrônico só se popularizaram na década de 1990.
Roberto Marinho escolhia alguns ministros
VERDADEIRO. Antes de assumir o Ministério da Fazenda, em 1988, Maílson da Nóbrega conversou por 2 horas com Roberto Marinho. “Era como se eu estivesse sendo sabatinado”, contou Maílson para a revista Playboy. 10 minutos após a conversa, o Jornal da Globo dava o furo: ele era o novo ministro da Fazenda.
A Globo fez do Flamengo o time mais popular do Brasil
FALSO. A popularização da TV no Norte e Nordeste aconteceu nos anos 1980, quando o Flamengo foi campeão brasileiro, sul-americano e mundial. Seus jogos eram exibidos sem parcimônia. Hoje, o clube é o que tem mais torcedores no país, mas 80% deles fora do Rio. Efeito Globo? Nem tanto. Mesmo antes da TV o clube já era o grande time da capital federal. “O Flamengo representava o Brasil”, afirma o escritor Ruy Castro, autor de Flamengo – O Vermelho e o Negro.
A Globo democrática
Diretas sim
Na véspera da votação das emenda das Diretas, a Globo burlou a censura e transmitiu ao vivo imagens do comandante militar do Planalto reprimindo uma manifestação. No Jornal da Globo, o comentário de Jô Soares sobre a repressão ao protesto foi ficar 30 segundos em silêncio – alguns repórteres optaram por vestir amarelo, cor ligada ao movimento pelo retorno da democracia.
Adeus, Collor
Com a inflação anual em 1.000% e denúncias de corrupção, a Globo captou o espírito dos caras-pintadas e noticiou intensamente as passeatas contra Collor. Também exibiu a minissérie Anos Rebeldes, sobre jovens que lutaram contra a ditadura, e mostrou ao vivo as 6 horas de votação do impeachment do presidente.
Sem-terra na novela
Em 1996, 2 meses após a morte de 19 sem-terra em Eldorado dos Carajás (PA), o MST entrou para a trama da novela O Rei do Gado. O movimento era apoiado pelo senador Caxias (Carlos Vereza), morto durante uma invasão. “A novela ajudou a fazer as pessoas nos olharem de maneira diferente. Nos deu status de cidadãos”, disse na época o presidente do MST, João Pedro Stédile.
A Globo manipuladora
Greve, que greve?
Entre 1978 e 1980, as greves do ABC foram quase ignoradas pela Globo, que cobriu o assunto com notas sem entrevistas e som ambiente. Armando Nogueira, então diretor de jornalismo, afirmou que a emissora tinha ordens dos militares de cobrir o evento “de leve”.
Diretas não
Passeatas em Curitiba, Vitória, Salvador e Campinas pelas eleições diretas não mereceram menção nos jornais da Globo. Mas ao contrário do que muita gente acredita, a grande manifestação paulistana de 25 de janeiro de 1984, na Praça da Sé, foi, sim, noticiada pela emissora. O conteúdo da reportagem, no entanto, misturava o pedido por Diretas Já e o aniversário da cidade.
Lula também não
Após o debate entre Collor e Lula, na eleição presidencial de 1989, as pesquisas de opinião apontavam vitória de Collor. Mas o Jornal Nacional exagerou na dose. Durante 3min34s, mostrou Collor enfático e seguro. Lula mereceu 2min22s e trechos em que aparecia trocando a palavra “seca” por “cerca”. Dois dias depois, Collor, que começara a semana com 1% de intenção de votos acima de Lula, ganhou a eleição com vantagem de 6%.
As modas que a Globo lançou
Turismo no Nordeste
Em 1994, a novela Tropicaliente, apoiada pelo governo do Ceará, mostrou como é linda a praia de Porto de Dunas, em Fortaleza. Resultado: os hotéis do estado ficaram lotados e o movimento nos principais pontos turísticos do Nordeste aumentou 30%.
Imperialismo brasileiro
A Globo exporta para o mundo seu jeito de falar. Em Portugal, lançou expressões como “bater um papo”, “que droga” e “Oi, tudo bem?”. Em Cuba, restaurantes caseiros são chamados de “paladares”, por causa da Rede Paladar, que Raquel (Regina Duarte) criou em Vale Tudo. Na Rússia, a palavra “fazenda” entrou no vocabulário por causa da novela Terra Nostra.
Trajes globais
A primeira vez que a Globo lançou moda foi na novela Dancin’Days, em 1978, que difundiu discotecas e popularizou as meias “lurex”. “Tomamos um susto com o poder das novelas”, diz Marília Carneiro, figurinista da emissora. Outros sucessos: mais de 200 mil dos anéis-pulseiras usados por Jade (Giovanna Antonelli) em O Clone vendidos. E aumento de 85% na produção de perucas no Brasil por influência de Sinhozinho Malta (Lima Duarte), de Roque Santeiro.
Para saber mais
Jornal Nacional – A Notícia faz História – Memória Globo, Jorge Zahar, 2004
Dicionário da TV Globo – Memória Globo, Jorge Zahar, 2003
A Deusa Ferida – Silvia Borelli e Gabriel Priolli (coords.), Summus, 2000
Videologias – Eugênio Bucci e Maria Rita Kehl, Boitempo Editorial, 2004
O Afeto Autoritário: Televisão, Ética e Democracia – Renato Janine Ribeiro, Ateliê Editorial, 2005