Por uma prisão sem grades
Um sistema de liberdade condicional com micropunições para quem se comportar mal substitui 1 500 sentenças de prisão no Havaí, EUA. E dá certo
Steven Alm*
Duas opções me restam ao proferir uma setença como juiz para crimes graves: prisão ou 5 anos de liberdade condicional. Eu pertenço à escola jurídica segundo a qual devemos prender somente aqueles de quem temos medo ou que não vão parar de cometer crimes, mas não aqueles que simplesmente nos deixaram enraivecidos.
O problema é que, em 2004, quando comecei a julgar casos como homicídio, tráfico de droga, estupros e roubos, o sistema de liberdade condicional estava falido. Cheguei a presidir audiências com mais de 20 violações da condicional, como uso de drogas e a ausência nas entrevistas periódicas. Invariavelmente, o funcionário responsável pelo acompanhamento do réu me recomendava sentenciá-lo a 5, 10 ou 20 anos de prisão.
Refleti comigo mesmo: “Que jeito mais maluco de transformarmos alguém”. Mas de que outra forma poderíamos mudar seu comportamento? Pensei então na educação do meu filho. Eu lhe explicava as regras e minhas expectativas. Se ele as transgredisse, a consequência viria de forma imediata, certeira e proporcional. E meu filho aprendeu.
Foi assim que nasceu a Hope [Oportunidade de Condicional sob Coação do Havaí, na sigla que, em inglês, também significa “esperança”]. Nela, a pessoa fica livre na sociedade, mas, para cada violação da condicional, é prevista uma sentença imediata e proporcional – em geral, poucos dias de prisão. Violações subsequentes resultam em sentenças iguais ou mais longas. Iniciei o programa em 2004 com 34 presos; hoje são 1 500 – 1 de cada 6 dos sentenciados à liberdade condicional por crime grave na ilha de Oahu (a mais populosa do Havaí).
Na minha primeira audiência de advertência com violadores da Hope, disse a todos que queria que tivessem sucesso. Mas, para trocarem a prisão pela liberdade condicional, tinham que fazer comigo o trato de obedecer a todas suas condições. Disse que reconhecia sua capacidade de fazer escolhas próprias e que não controlaria seus atos, mas os mandaria para a cadeia caso violassem as regras. Assim, surgiu uma cultura de responsabilidade pessoal.
O sistema funcionou? Estudos das Universidades de Pepperdine e da Califórnia têm resultados surpreendentes. Comparado à liberdade condicional, sentenciados da Hope têm risco 72% menor de usar drogas, 55% menor de reincidir no crime e 53% menor de ter a condicional revogada.
Crimes devem ser punidos – mas de forma inteligente. Como na Hope as consequências são imediatas e certeiras, mas proporcionais, o próprio transgressor considera o sistema justo. E é bem mais provável que ele colabore em um sistema assim que em um considerado arbitrário. A Hope diminui a vitimização, ajuda os presos e economiza milhões de dólares de contribuintes. Podemos ter uma prisão sem grades e ainda garantir que criminosos sejam responsabilizados por seus atos.
Se no Havaí foi um sucesso, haveria alguma razão para o Brasil não dar uma chance à Hope?
* Steven Alm é juiz no estado do Havaí, EUA, onde criou o sistema Hope de liberdade condicional. Os artigos aqui publicados não representam necessariamente a opinião da SUPER.