O trem fosse o principal transporte no Brasil?
O detalhe é que isso aconteceu simultaneamente à industrialização e ao boom da urbanização, quando enormes contingentes de lavradores migraram para as cidades.
Celso Ricardo
Para um país grande como o Brasil, a escolha do tipo de transporte utilizado tem mais conseqüências do que simplesmente o preço do frete. Não há a menor dúvida de que o transporte rodoviário, assombrosamente majoritário no país, encarece os deslocamentos. Mas ele também é responsável por outros males característicos da urbanização brasileira, como o inchaço das grandes cidades.
Os carros e os caminhões ganharam impulso no Brasil a partir de 1945, por causa de um empurrão dos Estados Unidos, que investiram maciçamente em caminhões e motores para abastecer suas tropas durante a Segunda Guerra Mundial e, no final do conflito, tinham veículos automotores de sobra. Após a guerra, os americanos pressionaram os mercados a adotar seus produtos, financiando a importação de seus veículos e, posteriormente, a instalação de suas fábricas. O Brasil comprou a idéia e, logo, a construção de rodovias passou a ser a prioridade de governantes. “Abrir rodovias virou sinônimo de investimento em infra-estrutura. A renovação e a manutenção da malha ferroviária foram, gradativamente, sendo esquecidas”, diz Paulo Fernando Fleury, diretor do Centro de Estudos em Logística (CEL), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O resultado disso é que, hoje, temos 1,7 milhão de quilômetros de rodovias, que transportam 96% dos passageiros e 63% da carga. Já os 30 000 quilômetros de ferrovias ficam com apenas 12% da carga transportada. Isso apesar de o frete rodoviário, em alguns casos, custar o dobro do ferroviário. Nos Estados Unidos, que influenciaram nossa opção rodo-viária, os trens levam 47% da carga.
O detalhe é que isso aconteceu simultaneamente à industrialização e ao boom da urbanização, quando enormes contingentes de lavradores migraram para as cidades. Resultado: motivadas pelo alto custo do transporte rodoviário, as indústrias optaram por concentrar-se em torno de algumas poucas cidades, criando as metrópoles de hoje. “Os altos custos logísticos envolvidos no transporte de matérias-primas e na distribuição e exportação de produtos manufaturados incentivaram a concentração das indústrias próximas dos centros consumidores”, afirma Fleury.
Se, em vez de priorizar o asfalto, tivéssemos investido em trilhos, provavelmente teríamos mais cidades de médio porte e menos metrópoles, minimizando ou eliminando o flagelo das periferias das grandes cidades, que, hoje, concentram os piores indicadores sociais do país. Em comparação com os centros, as periferias das grandes cidades brasileiras têm dez vezes mais homicídios, duas vezes mais desempregados, menos da metade do saneamento básico, seis vezes mais analfabetos e quase nenhum lazer. Nas cidades médias, a distância não é tão grande. Ou seja, se lá atrás tivéssemos uma urbanização menos caótica, teríamos, hoje, cidades mais bem planejadas e melhores para viver.
Sem falar na violência no trânsito. Dados do Ministério dos Transportes mostram que houve 376 589 acidentes de trânsito com vítimas, no Brasil, em 2000, com 25 000 vítimas fatais, a maioria entre 25 e 39 anos de idade – 72% das mortes acontecem nos perímetros urbanos. Se os carros não fossem tão difundidos, o tamanho do estrago causado por eles todo ano seria bem menor.
A atmosfera e o ambiente também sairiam beneficiados com a supremacia da ferrovia. Com menos trânsito nas grandes cidades, o ar seria mais limpo. O transporte rodoviário é responsável por cerca de 90% do consumo de combustíveis derivados do petróleo em todo o mundo e por cerca de 30% do total de partículas de CO2 lançadas na atmosfera. É o preço que pagamos por uma escolha errada feita há décadas.