Marcos Bueno*
Solidão é a arte do encontro com o vazio existencial. Esse vazio tem duplo sentido. Um é o da existência, da busca de um significado metafísico; o outro é o da ausência, da perda de algo importante. A liberdade é uma descoberta solitária e por isso muitos tentam evitá-la.
A solidão é um sentimento que gera angústia e que nos coloca diante de um portal em um mundo interior onde a chave é o sentido do mundo, o porquê das coisas, as perguntas que fazemos e para as quais não encontramos respostas. A solidão também pode ser uma experiência de transcendência. Em seu livro sobre a Escola da Ponte, de Portugal, o escritor Rubem Alves cita que os mestres zen não pretendiam ensinar coisa alguma na forma como entendemos na educação ocidental. O que desejavam era levar seus discípulos a “desaprender” o que sabiam, a ficar livres de qualquer filosofia. Talvez precisemos também desaprender e permitir despertar a lucidez na solidão.
Tudo na vida é um processo de nível de aprendizado, isto é, do interior para o exterior. O psiquiatra Viktor Frankl, criador da logoterapia, ou a terapia do sentido existencial, da esperança, desenvolveu esse método de tratamento nos porões do holocausto nazista em meio à dor, ao sofrimento, à solidão e à morte. A solidão, assim como a doença, pode ser um caminho amadurecido para uma vida melhor. É preciso termos a coragem de aprender com ela e não apenas rejeitá-la. Rejeitar nossa solidão é o mesmo que rejeitar nossos defeitos, nossas misérias humanas. É como se não falássemos em doença e a doença deixasse de existir. Há pessoas que fazem de tudo para evitar falar sobre a solidão, sobre a doença, sobre as misérias humanas. No fundo, é apenas uma tentativa de se evitar o contato com a realidade.
O que é solidão? O psicólogo existencial Jadir Lessa cita o seguinte: “O filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) afirma em Ser e Tempo que estar só é a condição original de todo ser humano. Que cada um de nós é só no mundo. É como se o nascimento fosse uma espécie de lançamento da pessoa à sua própria sorte. Podemos nos conformar com isso ou não. Mas nos distinguimos uns dos outros pela maneira como lidamos com a solidão e com o sentimento de liberdade ou de abandono que dela decorre, dependendo do modo como interpretamos a origem de nossa existência. O homem se torna autêntico quando aceita a solidão como o preço da sua própria liberdade. E se torna inautêntico quando interpreta a solidão como abandono, como uma espécie de desconsideração de Deus ou da vida em relação a ele. Com isso abre mão de sua própria existência, tornando-se um estranho para si mesmo, colocando-se a serviço dos outros e diluindo-se no impessoal. Permanece na vida sendo um coadjuvante em sua própria história.”
O ser autêntico é aquele que responde pela sua vida, o ator principal, o arquiteto de sua própria obra-prima, de sua vida.
O psicoterapeuta Flávio Gikovate cita que a solidão é boa, que ficar sozinho não é vergonhoso. Ao contrário, dá dignidade à pessoa. As boas relações afetivas são ótimas, são como ficar sozinho: ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem. Todas as pessoas deveriam ficar sozinhas de vez em quando, para estabelecer um diálogo interno e descobrir sua força pessoal. Na solidão, o indivíduo entende que a harmonia e a paz de espírito só podem ser encontradas dentro dele mesmo.
Dedique um breve instante a fechar os olhos, abrir seu coração e sentir todo o amor que vem de dentro dele, no seu silêncio natural e saudável. Cuide de você.
* Psicólogo, professor e psicoterapeuta de abordagem gestáltica e ericksoniana. Tem artigos publicados em diversas revistas especializadas e na internet