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O que os bancos fazem para te deixar no vermelho

Jogos de azar vendidos por gerentes como se fossem investimentos, juros de 400%, taxas mastodônticas de administração – e como escapar de tudo isso.

Por Maurício Horta
Atualizado em 4 nov 2016, 19h00 - Publicado em 15 out 2015, 19h30

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Tenho R$ 50 mil aqui para sortear. Todo mês. E de graça – não precisa comprar bilhete, rifa, nada. Na verdade, é melhor do que de graça: você ganha dinheiro para participar dos meus sorteios. E aí? Está dentro? “Lógico”, qualquer um responderia. Não aceitar uma proposta dessas parece insanidade.
 
Justamente por isso, esse tipo de jogo existe na vida real. São os títulos de capitalização, aqueles que qualquer banco tem, e que 11 entre 10 gerentes tentam empurrar para os clientes de vez em sempre. À primeira vista, o título parece mesmo um negócio bacana. Você paga uma mensalidade pequena, R$ 20, por exemplo, e ganha o direito de participar de vários sorteios – um por semana, um por mês, um de R$ 10 mil, um de R$ 50 mil, eventualmente um especial de R$ 2 milhões; depende do banco. Aí, quando você não quiser mais participar da brincadeira, beleza: pega de volta o dinheiro todo que colocou ali. Corrigido.
 
Por esse ponto de vista, nem parece jogo. Parece investimento, e, ainda por cima, com emoção. Uma amizade financeira with benefits. A coisa é tão atraente que, só no ano passado, todos os títulos de capitalização do País captaram, juntos, R$ 21,8 bilhões. Uma cachoeira de dinheiro. Dá quase a captação líquida que a poupança teve no mesmo ano (ou seja, a quantidade que os brasileiros depositaram a mais do que retiraram das cadernetas, que foi de R$ 24 bilhões em 2014). Só tem um problema. Se você for pedir um conselho para um economista sobre títulos de capitalização, ele provavelmente vai começar a conversa com um verbo no imperativo: “Foge”. Porque a coisa é uma roubada mesmo, pelo menos para quem pretende proteger o próprio dinheiro – e proteção é justamente o que as pessoas procuram num banco; quando elas querem outra coisa, vão para Las Vegas, ou para a lotérica.
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A pegadinha dos títulos de capitalização é justamente a “capitalização”. O dinheiro que você coloca ali vai render, na melhor das hipóteses, um pouco menos que a poupança, que já toma pau da inflação. Na pior das hipóteses, rende bem menos. É que alguns títulos corrigem o dinheiro aplicado só pela TR, a Taxa Referencial. No ano passado, ela foi de 0,8%. Neste, deve fechar o ano em pouco mais de 1,5%, contra quase 10% só de inflação. Ou seja: seu dinheiro evapora.

 
E até para tirar o dinheiro evaporado é difícil. Para entrar num título de capitalização, você firma um contrato longo – quatro anos, por exemplo, nos quais precisa pagar religiosamente a mensalidade para poder participar dos sorteios. Se você tiver que cortar essa despesa da sua vida e pegar o dinheiro de volta, vai pagar multas pesadas. Nos primeiros meses, ela pode chegar a 90% de tudo que você aplicou. Mesmo depois de dois anos, a multa ainda pode ser altíssima, na faixa dos 30%. O resgate total você só consegue, neste cenário de um título com contrato de quatro anos, justamente quatro anos depois de ter entrado na jogada. E o seu dinheiro virá com um rendimento pífio, bem abaixo da inflação, até porque acabam descontadas as despesas administrativas e o custeio das premiações – aquelas que você provavelmente não terá ganhado.
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Sim, porque a chance de ganhar, na melhor das hipóteses, é de uma em 10 mil. É a mesma de ganhar na Mega-Sena marcando 15 números no bilhete. E igual a de você ser atingido por um raio uma vez na vida. Ou seja: se o seu gerente pedir para que você leve um título desses em troca da liberação de um empréstimo, procure outro banco. E, se você quiser diversão, melhor arriscar na loteria mesmo. Afinal, é mais caro imobilizar R$ 20 por mês durante quatro anos para concorrer a R$ 2 milhões do que gastar R$ 3,50 num dia para tentar R$ 100 milhões na Mega-Sena. O sonho, ao menos, é maior. 
 
Se títulos de capitalização fazem o seu dinheiro evaporar, rolar dívida do cartão de crédito equivale a tocar fogo na sua grana, e depois jogar gasolina para ver se apaga o incêndio. Quando você não tem dinheiro para quitar a fatura e faz só aquele pagamento mínimo, entra no “cartão rotativo” – o nome popular para o ato de pagar dívida do cartão de crédito com o crédito do próprio cartão.
 
Em qualquer país do mundo, isso é a pior coisa que você pode fazer com o seu dinheiro, fora picá-lo para produzir confete. Mas no Brasil é pior: fazer confete com as notas pode ser uma alternativa mais atraente. É que os nossos juros do cartão são os maiores do mundo, de longe. Dá 378% ao ano. Isso em média, porque, dependendo do banco e do tipo de cartão, a brincadeira pode sair a 600%, 700% ao ano. É juro de fazer agiota corar. Na Colômbia, que não é nenhuma Suíça, a média do rotativo está em 62%. Na Argentina, que tem a nota mais baixa possível no ranking de bons pagadores da Standard & Poors e, portanto, tenderia a praticar juros altos em todos os ramos da economia, o rotativo não passa de 37%/ano. Nos EUA, 22%. Na Suíça, 15%.
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Por aqui, levando em conta só a média, R$ 1.000 no rotativo viram R$ 4.780 em um ano. Em cinco anos, a dívida cresce para R$ 3 milhões. Em 14 anos, dá o PIB do Brasil. Mais encargos. É suicídio financeiro num país cujos estudantes ocupam a 58ª posição de 65 em matemática no Pisa, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes. Tanto que 96% das pessoas não sabem quais são as taxas de juros cobradas quando optam por pagar o mínimo, segundo uma pesquisa da SPC. 
 
Talvez por isso mesmo 61%, dos inadimplentes no Brasil, ainda de acordo com a Sociedade de Proteção ao Crédito, estão com o nome sujo porque deixaram de pagar a fatura do cartão. Falta de planejamento? Sem dúvida. Mas não dá para apontar só para a irresponsabilidade financeira dos inadimplentes. Quando você vai pagar seu cartão pela internet, o pagamento mínimo surge na tela com tanto destaque quanto o valor de fato da fatura. Para quem está pendurado, venden­­­do o carro para pagar a gasolina, isso induz ao endividamento. E pode garantir um passaporte para o Mundo Fantástico dos Maiores Juros da Terra. 
 
Para escapar desse trem fantasma, o jeito é ir até o banco, pedir um empréstimo pessoal, e usar o dinheiro para pagar a fatura. Nisso os juros podem cair de 400%, 500% ao ano para algo menos nocivo. Alguns bancos já dão essa opção na própria fatura do cartão, até – se não puder pagar tudo nem quiser cometer o erro de entrar no rotativo, eles parcelam  a dívida a juros menos escorchantes. Já é alguma coisa. Mas cuidado: se você pedir para o banco errado, pode sair mais caro ainda. Aqueles que oferecem crédito (extremamente) fácil, chegam a cobrar mais de 700% ao ano nos empréstimos. 
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Seja como for, entidades civis como a Associação Brasileira de Defesa ao Consumidor pedem é a extinção dos juros galácticos no rotativo. Querem que os bancos se atenham aos valores terráqueos que o resto do mundo já pratica para quem fica devendo no cartão. Bacana, mas falta combinar com os bancos, porque ninguém, em nenhum ramo da economia, gosta de mexer em time que está ganhando.
 
As vitórias ali, por sinal, são só de goleada, amigo da SUPER: no ano passado, nossos maiores bancos tiveram uma rentabilidade de 18,23% sobre o próprio patrimônio – nos EUA, que não são exatamente um país antipático aos bancos, eles rendem apenas 7,68%. Das quatro empresas de capital aberto mais lucrativas da América Latina, três são bancos brasileiros: Itaú-Unibanco (US$ 7,6 bilhões em 2014), Bradesco (US$ 5,6 bilhões) e Banco do Brasil (R$ 4,2 bilhões).
 
A explicação para esses números está no aumento acelerado da demanda por crédito, o famoso empréstimo de dinheiro. No início do século 21, só 28% dos brasileiros tinham conta bancária. Hoje, são 60%. Em 2003, o saldo de crédito oferecido pelos bancos era de 21,8% do PIB. Quando Lula passou a faixa presidencial para Dilma, em 2010, era de 44%. Hoje, de 54%. Bom, do mesmo jeito que uma siderúrgica vende aço e uma petroleira vende petróleo, banco vende crédito. Nossos bancos, então, estão vendendo mais. Natural. Só que eles vendem mais caro também, e não só no rotativo. Olha só. Os brasileiros gastam, em média, 9,5% dos seus salários pagando juros. Nem parece tanto. No Canadá, aquela maravilha da civilização ocidental, é quase a mesma coisa: eles gastam 7% da renda mensal só com juros. Então estamos até bem, certo? 
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Certo. Mas falta um detalhe aí. O endividamento médio das famílias no Brasil equivale a 46,3% da renda anual delas. Ou seja: uma família que ganha R$ 100 mil por ano tende a ter R$ 46 mil em dívidas. Nos Canadá, são 167%. Um canadense que faz o equivalente a R$ 100 mil por ano deve R$ 167 mil. Uma bica. E, mesmo assim, o canadense típico gasta só 7% com juros. Nós, quase 10%.
 
E não é só com crédito que banco ganha. Também tem as taxas. Se você coloca o seu dinheiro num fundo DI, por exemplo, o rendimento dele vai acompanhar a Selic (tirando IR e tudo o mais, dá um pouco menos que a taxa básica de juros, mas já ganha da poupança). Bom, os bancos têm cobrado taxas na faixa de 2% ao ano no DI. Isso significa que, se você colocar R$ 10.000 num DI desses, R$ 200 (2% do total) já vão direto para o bolso do banco. 
 
Não faz sentido. Um fundo DI de banco investe em títulos públicos que pagam a Selic. Se você comprar esses títulos por conta própria, via Tesouro Direto, vai pagar 0,5% ao ano (0,3% que a Bovespa cobra mais algo em torno de 0,2% para a corretora). Mais um pouco de numeralha: essa diferença de 1,5% ao ano no rendimento faz diferença. Em 20 anos, o 1,5% a mais se transforma em 35% a mais, graças à magia dos juros compostos. É aí que o banco ganha forte no longo prazo, e você perde. Pois é: um fundo DI comum costuma ter patrimônio na casa dos R$ 250 milhões em dinheiro de clientes. 1,5% disso dá R$ 3,8 milhões ao ano. O banco fica com essa diferença basicamente para comprar títulos públicos por você, coisa que não dá muito trabalho. Tanto que poderia ser feita por você mesmo. Até porque é divertido investir por conta própria. Com a vantagem de que, nesse caso, você não gasta dinheiro. Ganha.
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