Luiz Dal Monte Neto
Ao longo de sua existência, o quadriculado de oito por oito casas que forme o tabuleiro do xadrez tem sido um palco fecundo para o surgimento de milhares de problemas, quebra-cabeças e truques diversos. Um dos mais antigos e famosos é o da volta do cavalo,. cujas primeiras referências datam de 700 anos, pelo menos, e chegou a despertar a atenção do matemático suíço Leonhard Euler (1707-1783). O movimento do cavalo é em forma de L: duas casas numa direção e uma para a direita ou esquerda dessa direção, ortogonalmente.
O enunciado mais antigo da volta do cavalo propunha que, partindo de uma casa qualquer, o cavalo visitasse todas as outras 63 casas, passando uma única vez em cada uma delas. Nesses nossos passeios hípicos podemos nos dar ao luxo de prescindir do animal, retendo apenas seu gesto. Assim, em vez de movermos um cavalo através do tabuleiro, registraremos suas pegadas, pela ordem, com o auxílio de pedras de um jogo de loto ou fazendo anotações a lápis. Ponha a pedra número 1 numa casa qualquer e vá registrando os saltos seguintes com as pedras subseqüentes. No final, você terá o traçado de toda a cavalgada.
Muita gente caiu do cavalo antes que Euler abordasse o problema com mais método. Primeiramente, ele tentava passar pelo maior número de casas que conseguisse, o que conduzia a resultados falhos, onde faltam os saltos das casas marcadas com A e B. Analisando esse resultado, Euler percebeu que a casa 62 tinha conexão com a casa 9 e que a 10 permitia saltar para a A. Então ele fazia o cavalo percorrer 1 a 9 e, em vez de saltar para 10, pulava para a 62 e fazia o caminho inverso até 10( 62, 61, 60, …12, 11, 10). Desta casa, finalmente, saltava para a A. Ele também percebeu que havia outras rotas para chegar a A, usando o mesmo artifício de caminhas para trás em alguns trechos. Por exemplo: 1, 2, 3,…, 51, 52, 53, 62, 61, 60, … 56, 55, 54, A. Outro exemplo: 1, 2,3, …, 51, 52, 53, 62, 61, 60, …, 58, 57, 56, A.
Observe agora o seguinte: a casa A tem conexão com a 58. A casa 57, por sua vez, tem conexão com a B. Então, para cobrir todo o tabuleiro, pode-se adotar a seguinte seqüência: 1, 2, 3,…, 7, 8, 9, 62, 61, 60, 59, 58, A, 10, 11, 12,…, 55, 56, 57, B. Com isso obtém-se o resultado responde ao enunciado. O processo de Euler, embora engenhoso, as vezes se torna complicado e trabalhoso.
Em 1823, H.C. Warnsdorff propôs um interessante e muito prático; a cada salto deve-se mover o cavalo para uma casa que lhe dê o menor número de alternativas para o salto seguinte.
A equitação pelo tabuleiro pode se tornar obsessiva para abrumas pessoas que, então, geram continuamente novos e mais difíceis problemas. Assim, alguém formulou a hipótese de o percurso ser fechado, isto é, terminar a volta de tal modo que o cavalo possa saltar da 64.ª, para a 1.ª casa, reiniciando o trajeto. Em 1840, um certo doutor Roget comunicou sua descoberta ao Philosophical Magazine aliei Journal. Ele percebeu que o tabuleiro podia ser dividido em quatro setores de 16 casas cada uma e que essas 16 casa podiam ser agrupada em quatro desenhos, sendo dois quarados e dois losangos. Cada lado dessas figuras une duas casas que podem ser ligadas através de um salto de cavalo. Era um autêntico mapa da mina. Procurando eliminar as casas periféricas antes das centrais e terminando cada figura no ponto de mais fácil acesso ao setor seguinte, o doutor Roget nos apresentava o belo percurso fechado. Mas seu método ainda faz mais: permite que se comece e encerre o percurso em duas casas quaisquer, desde que, naturalmente, sejam de cores diferentes! Para isso basta deixar vagas certas casas interligadas com aquela em que se quer terminar. Então, após completar as outras figuras, retorna-se e acaba-se de preencher as casas omitidas, encerrando no local predeterminado. Mesmo assim não é fácil, pois é preciso preencher os quadrados e losangos numa ordem correta, que varia conforme o par de casas escolhido para início e fim.
Estavam lançadas as bases para resolver doses de problemas ainda mais cavalares. Por exemplo, construir um quadrado mágico com as pegadas do cavalo, numeradas de 1 a 64! Um quadrado mágico, como o leitor sabe, é um conjunto de números dispostos numa malha quadrada, de modo que a soma em qualquer coluna, fileira ou diagonais maiores seja sempre a mesma. Infelizmente, não tenho conhecimento de uma solução para esse problema. A que mais se aproximou foi apresentada por C.F. Jaenisch, em 1862. Confira para acreditar: todas as colunas e fileiras somam exatamente 260 e, além disso, há o requinte do percurso fechado! Contudo, uma diagonal soma 256 e a outra, 264. Lástima! Na seção de soluções são apresentados como exemplo alguns Maçados de Edward Falkener (1814-1896), emérito estudioso deste passatempo.
Para saber mais: SuperMundo