O jardineiro, a elipse e as leis de Kepler
Um simples fio e dois gravetos bastaram para fazer um jardim de geometria complicada
Luiz Barco
No início de março, estive em Lins, interior de São Paulo, para dar a aula magna (de abertura do ano letivo) da Fundação Paulista de Tecnologia e Educação. Essa universidade, que abriga a Escola de Engenharia, onde lecionei por alguns anos, é uma das mais belas que conheci nos meus mais de trinta anos de magistério. Aproveitei então para andar pelas alamedas, visitar salas, laboratórios e centros de ensino e pesquisa. Nesse passeio, dei de cara com o jardineiro que, emocionado, me abraçou e perguntou se eu ainda gostava de plantas. Respondi que sim e ele prometeu me dar algumas mudas.
Escola boa é isso. Até o jardineiro é diferente e a diferença está em que ele ama seu trabalho. Essa é a química, a mágica que fabrica o sucesso. Esse encontro lembrou-me de seu antecessor, que durante algum tempo cuidou daqueles jardins. Certa vez, ele encontrou uma folha amarrotada no meio do gramado e desenrolando-a viu o desenho de uma elipse. Sem pestanejar resolveu usar aquela figura como modelo para um jardim. Quando ele me contou isso não resisti à tentação e quis saber como ele havia desenhado a elipse. O jardineiro não se fez de rogado: apanhou dois pequenos gravetos e os fincou no solo a uma certa distância.
A seguir me explicou que bastava amarrar um barbante um pouco maior que a distância entre as duas estacas, com uma ponta em cada uma (figura 2). Depois, era só apanhar uma terceira estaca e esticar o barbante para desenhar o contorno, a curva que chamamos elipse (figura 3).
Repare na figura 3 que as distâncias F1P e F2P, somadas, resultam no comprimento livre do barbante e isso vale para todos os pontos da curva (elipse). Assim, dados dois pontos fixos (chamados focos), denomina-se elipse o lugar geométrico dos pontos do plano cuja soma das distâncias aos focos é constante. Tente construir sua elipse com dois alfinetes ou pequenos pregos, um pedaço de linha, uma folha de papel, uma pequena prancheta de madeira e um lápis.
Nossos antepassados levaram mais de 2 000 anos para se convencerem de que a Terra gira em torno do Sol e que a órbita descrita por ela não é circular e sim elíptica. Quem “plantou” essa idéia foi o astrônomo alemão Johannes Kepler (1571-1630). Ele descobriu, em 1605, que a órbita de Marte era elíptica e em 1609 publicou em seu livro Astronomia nova duas leis básicas sobre questões que tinham mobilizado os cientistas durante séculos. A primeira trata da forma das órbitas:
I – As órbitas planetárias são elipses nas quais o Sol ocupa um dos focos.
A segunda lei de Kepler determina as velocidades ao longo da trajetória: o planeta acelera quando se aproxima do Sol e desacelera quando se afasta.
II – O segmento imaginário SP que liga o Sol ao planeta descreve áreas iguais em tempos iguais
Se o tempo que o planeta leva para percorrer o arco P1P é o mesmo que leva para percorrer P3P4 então as áreas são iguais. Ou seja, as áreas percorridas pelo raio vetor que une o centro do Sol ao centro do planeta são proporcionais ao tempo gasto para percorrê-los.
Em 1618, no livro Harmonice mundi, Kepler anunciava a terceira de suas leis, que relaciona as velocidades às dimensões da órbita independentemente das características físicas do planeta (quanto mais distantes estiverem do Sol mais lentamente eles giram).
III – Os quadrados dos tempos gastos nas revoluções dos planetas são proporcionais aos cubos das medidas dos eixos maiores de suas órbitas. Não exagera quem considera a obra de Kepler a maior descoberta científica de todos os tempos, pois ela tornou possível o desenvolvimento das teorias do físico inglês Isaac Newton (1643-1727) e ofereceu respostas a perguntas feitas por cientistas como o matemático de Alexandria Cláudio Ptolomeu e o astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543). Kepler foi uma espécie de jardineiro de seu tempo, que plantou o Sol e fez florescer uma nova visão da ciência.