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O homem que caiu do céu

Nas próximas semanas, Felix Baumgartner irá tentar o salto mais alto de todos os tempos. Ele vai quebrar a barreira do som durante a queda - e bater um recorde que já dura 52 anos. Ou morrer de um jeito terrível

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 2 set 2012, 22h00

Pieter Zalis e Bruno Garattoni

Numa manhã de verão no deserto de Roswell, nos EUA, um balão começará a subir. Puxará uma cabine pressurizada, que lembra as cápsulas usadas em voos espaciais. Quando ela chegar a 36 mil metros, sua portinha se abrirá. E dela sairá o paraquedista Felix Baumgartner, que vai tentar realizar uma das maiores proezas da história: maior salto de todos os tempos, e primeira vez em que um ser humano ultrapassará a velocidade do som em queda livre. Vai ser isso, ou um desastre terrível – no qual Felix poderá morrer de vários jeitos. O salto é uma das coisas mais arriscadas que alguém já tentou fazer.

Isso porque, ao saltar, Felix estará na segunda das 5 camadas atmosféricas: a estratosfera. A vista é linda, mas o lugar é extremamente hostil. A temperatura estará por volta dos -35ºC e não há oxigênio suficiente para respirar. Por isso, ele saltará protegido por um traje especial, inspirado nas roupas de astronauta. Mas inúmeras outras coisas podem dar errado. Para dar uma ideia do nível de risco, Felix queria saltar com gel no cabelo – porque é vaidoso e quer sair bonito nas fotos tiradas quando ele chegar ao solo. Mas foi proibido de fazer isso. Porque gel de cabelo contém petróleo, e por isso poderia se tornar extremamente inflamável dentro do capacete, que será pressurizado com oxigênio.

O salto está sendo preparado desde 2005 e conta com uma equipe de 19 especialistas que inclui engenheiros, médicos e meteorologistas. Para Felix, um austríaco de 43 anos conhecido por feitos extremos, é um novo desafio na carreira de paraquedista. Para os especialistas trabalhando no salto, é uma oportunidade de desenvolver avanços científicos e médicos. E para Jonathan Clark, uma questão pessoal.

Clark é o diretor-médico da missão, e tem um retrospecto invejável: trabalhou na Nasa como consultor médico para as viagens do ônibus espacial. Até que, em 2003, algo terrível aconteceu. Quando o ônibus espacial Columbia estava reentrando na atmosfera terrestre, uma de suas asas arrebentou. O veículo acabou se desintegrando e todos os 7 ocupantes morreram. Entre eles, a astronauta Laurel Clark, que estava em sua primeira missão espacial – e era a esposa de Jonathan. Tudo indica que ela tenha morrido de frio e descompressão, as marcas registradas da altitude extrema. As mesmas condições que Felix irá enfrentar. E se tudo der certo, sobreviver. “Para ser sincero, eu acredito que seja destino poder ajudar Felix com essa tentativa”, diz.

Mas como um ser humano poderia sobreviver a uma queda tão grande? Segundo Clark, todos os acidentes fatais com espaçonaves ocorreram na região atmosférica que abrange a alta estratosfera e a baixa mesosfera: exatamente de onde Felix saltará. O acidente do Columbia, por exemplo, aconteceu entre 42 e 45 quilômetros. O Challenger, em 1986, a cerca de 15 quilômetros. “Nós poderemos aprender a tornar as viagens espaciais mais seguras”, diz Clark.

O corpo supersônico
O salto de Felix deve acontecer até setembro. O dia exato ainda não foi definido pelos organizadores porque há exigências meteorológicas estritas: a velocidade do vento não pode estar acima de 3 km/h e o céu tem de estar completamente limpo. A missão começará às duas da manhã, quando o paraquedista fará um check-up médico. Depois, passará duas horas vestindo seu traje, de 15 quilos. Enquanto isso, a equipe preparará o balão, desenvolvido especialmente para a missão. Ele é 100 vezes mais fino que uma bexiga de festa e tem 168 metros de comprimento – ao nível do mar. Conforme o balão for subindo, a redução da pressão atmosférica o fará ficar mais estufado e por isso mais curto, com 102 metros de comprimento por 129 de largura.

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Felix entrará na cápsula, subirá por duas horas e meia até alcançar 36 572 metros (altura escolhida porque permitirá que ele acelere o suficiente durante a queda). Na hora do salto, terá de seguir uma sequência de 43 etapas, que incluem pressurizar o traje, despressurizar a cápsula e travar sua porta na posição “aberta”- para impedir que ela se mexa e esbarre em Felix. “Tudo deve ser feito na ordem correta para garantir que eu saia em segurança”, diz. Pode parecer exagero, mas não é. A precisão realmente tem de ser milimétrica. Em 1966, o russo Pyotr Dolgov tentou um salto de 28 mil metros. Ele estava protegido por um traje pressurizado, parecido com o de Felix. Mas na hora de saltar, com os movimentos prejudicados pela armadura, acabou batendo a cabeça de leve. O visor do capacete trincou e o ar começou a escapar por ali. E Dolgov sofreu uma condição terrível, conhecida como “ebullism” (algo que poderia ser traduzido como `fervurite¿).

Lá em cima, a pressão é baixa – e, por isso, acima de 19 mil metros, o ponto de ebulição dos líquidos se torna menor do que a temperatura do corpo humano (36,5º C). Isso significa que, se você não estiver completamente isolado do ambiente, a água do seu organismo literalmente começará a ferver. “Mais de 70% do corpo é água”, explica Ricardo Kanashiro, do Instituto de Medicina Aeroespacial da Força Aérea Brasileira. Formam-se bolhas no sangue, que não consegue levar oxigênio suficiente para o cérebro. E você morre. Como Dolgov.

Felix precisa saltar com a cabeça para baixo e o corpo inclinado num ângulo perfeitamente calculado. Perfeitamente. Se ele estiver um pouquinho torto, ou com os pés desalinhados, começará a girar durante a queda. Essa rotação o fará perder a consciência e poderá continuar acelerando até levar ao rompimento do tronco encefálico, estrutura que conecta o cérebro à medula. Resultado: paralisia ou morte. O giro descontrolado também pode ter uma consequência mais prosaica, mas também perigosa: Felix pode vomitar dentro do capacete e ficar com a visão obstruída, incapaz de se orientar. “Se isso acontecer, ele tem de segurar o vômito na boca o máximo possível, e soltá-lo de lado. Desse jeito, pelo menos um dos olhos ficará livre”, diz Clark. Felix poderá acionar um paraquedas de estabilização para controlar o giro. Mas isso abortará sua tentativa de quebrar a barreira do som.

Se nada disso acontecer, em menos de 30 segundos Felix ultrapassará a barreira do som. E nesse momento surgirá o próximo risco: as ondas de choque. É o seguinte. Quando um objeto se desloca, gera duas ondas – uma empurra o ar que está na frente do objeto, e a outra puxa o ar que está atrás. Essas ondas se propagam na velocidade do som. Mas se o objeto se deslocar mais rápido do que a velocidade do som, que nas condições do salto de Felix será de 1 104 km/h (a velocidade do som varia conforme a temperatura), ele `atropela¿ as ondas, que são forçadas uma contra a outra e formam uma onda de choque. Num avião supersônico, isso não chega a ser problema: só gera um som muito forte, que lembra uma explosão. Mas ninguém sabe como o corpo de Felix, e principalmente seu traje de proteção, irá lidar com a onda. “Nossa maior preocupação é que não sabemos como o corpo humano passará por isso. Mas é justamente o que queremos descobrir”, admite Clark.

Felix continuará descendo. Quando estiver a 21 mil metros, mudará de posição: vai ficar na horizontal, com a barriga para baixo. Isso vai gerar maior atrito com o ar, e junto com o aumento da densidade atmosférica freará a queda. Quando Felix atingir 1 500 metros de altura, já estará muito mais devagar – a aproximadamente 200 km/h, mesma velocidade de uma queda livre comum. Chegou a hora de abrir o paraquedas (se ele apresentar algum problema, o reserva será acionado automaticamente a 760 metros).

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Se tudo der certo, Felix Baumgartner terá feito o que nenhum outro homem fez. Será um herói.

O criador e a criatura
Em fotos de infância, é comum ver o pequeno Felix subindo em cima de árvores. Ele adorava desenhar paraquedistas, e seus ídolos eram o Homem-Aranha, o Super-Homem e o Batman – todos heróis com algum tipo de capacidade de voo. Aos 16 anos, Felix saltou pela primeira vez. Aos 18, se alistou no exército austríaco, onde logo deu um jeito de ser transferido do setor de tanques para o de paraquedismo. Trabalhou como mecânico de motos e piloto de helicóptero comercial antes de virar paraquedista profissional. Ele acabou se especializando em Base Jumping (salto de baixíssimas altitudes) até que, em 1999, quebrou o recorde da modalidade – ao se atirar do Cristo Redentor, a apenas 30 metros do chão. “Esse salto mudou minha carreira. Deixei de ser um zé ninguém para me tornar alguém conhecido.” Felix já fez mais de 4 200 saltos, e só se machucou uma vez: quebrou a perna ao saltar do viaduto Eisentrantten na Áustria, em 1996. Agora, se prepara para bater o maior de todos os recordes. Porque, sim, esse recorde já existe.

Em agosto de 1960, o americano Joe Kittinger sentiu na pele o que é cair em queda livre da estratosfera: protegido com capacete e traje pressurizado, saltou de 31 333 metros de altura. Hoje com 83 anos, está trabalhando junto com Felix – e será o responsável pela comunicação com ele durante o salto. Kittinger é uma lenda viva. Além de saltar da estratosfera, foi piloto de caça na Segunda Guerra Mundial, primeira pessoa a atravessar o Atlântico a bordo de um balão de hélio, tem mais de 16 mil horas voadas em 93 diferentes aeronaves – e já sobreviveu a um acidente grave. Em um de seus saltos, ele se desestabilizou e acabou com o paraquedas principal enrolado no pescoço. Após um minuto de queda, rodopiando e inconsciente, foi salvo pelo paraquedas reserva. O mesmo que poderá acontecer com Felix. “Ele precisa ter o que eu chamo de três Cs: confiança na equipe, confiança no equipamento e confiança nele mesmo”, diz.

Além de ser o maior feito da história do paraquedismo e uma das coisas mais incríveis e arriscadas que um ser humano já tentou fazer, o salto também é um grande golpe de marketing. Ele está sendo patrocinado pela Red Bull, que quer ter a própria imagem vinculada a esportes radicais – mas poderá sofrer um desastre de relações públicas sem precedentes se algo der errado e Felix acabar morto ou ferido. No Brasil, a empresa adota uma posição de confiança absoluta: “A gente não trabalha com a hipótese de a missão dar errado”, diz João Perocco, assessor de comunicação da Red Bull. Perguntada sobre a mesma questão, a sucursal americana admite que há risco envolvido – mas ressalta que “uma equipe de especialistas de renome mundial” está trabalhando para “minimizá-lo ao máximo”.

Tomara que Felix Baumgartner volte são e salvo. E que, mais do que bater recordes, consiga provar que ainda é possível ir aonde homem nenhum foi – e voltar com vida. Sempre é.

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Ascensão e queda
Como fazer o que nenhum homem jamais fez – e voltar com vida

1. Subida
Nos primeiros 150 minutos, Felix subirá de balão, numa velocidade média de 17 km/h.Ele estará dentro de uma cápsula, com temperatura e pressão mantidas artifi-cialmente e um suprimento de oxigênio.

2. Salto
Quando atingir 36 572 m, Baumgartner irá abrir a porta e saltar. Mas antes terá de cumprir uma sequência de 43 etapas, como despressurizar a cápsula, pressurizar seu traje e ficar na posição correta para o salto. Assim que ele saltar, um paraquedas conectado à cápsula se abrirá automatica-mente para amortecer a queda dela no mar.

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3. Queda
O corpo de Felix cai rapidamente: 30 segundos após o salto, já ultrapassa a velocidade do som: 1 104 km/h. A queda livre durará mais 5 minutos, alcançando 1 324 km/h aproximadamente (1,2 vez a velocidade do som).

4. Pouso
A 1 500 metros do solo, Baumgartner aciona o paraquedas, que tem uma tarefa dificílima: reduzir a velocidade de 1 300 km/h para 20 km/h. Ele é 3 vezes maior que um paraquedas convencional. Serão cerca de 10 a 15 minutos até a aterrissagem.

Vestido para saltar

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Paraquedista será protegido por um traje que lembra o dos astronautas

Bolsa Toráxica
É uma caixa que abriga os sistemas de comunicação, monitoramento e rastreamento. E também a unidade de medida inercial(IMU) da Federação Aeronáutica Internacional. Um computador que irá registrar a velocidade e 4 recordes:

1.
Voo mais alto de balão tripulado
2. Salto mais alto de paraquedas
3. Queda livre de maior duração
4. Quebra da barreira do som

Traje
Tem um sistema de pressurização. Sem essa proteção, Felix morreria por problemas relacionados à falta de pressão atmosférica no espaço. Um computador ajusta automaticamente a pressão, que será reduzida aos poucos durante a queda. O traje tem sistemas de aquecimento e resfriamento para proteger contra a variação de temperatura: de – 60 a + 38o C.

Capacete
O visor tem uma película que protege da luz, porque Felix estará acima da camada de ozônio, sem proteção contra os raios ultravioleta. Também há um circuito de aquecimento, para evitar que ele embace ou congele. Um regulador no capacete permitirá que Felix respire ar 100% oxigênio. Uma escotilha de alimentação fornecerá líquidos.

Paraquedas
O sistema é composto por 3 paraquedas: principal, reserva e de estabilização. Esse último será aberto caso haja instabilidade (se o ângulo do salto não for perfeito, Felix poderá começar a rodopiar até perder a consciência). Se algum dos paraquedas se embaraçar ou enrolar, Felix poderá cortá-lo.

PARA SABER MAIS

Red Bull Stratos
redbullstratos.com

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