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Medo de avião

Toda vez que acontece um desastre aéreo, triplica o pânico daqueles que já costumam tremer a caminho do aeroporto. Mas um olhar para as estatísticas pode ser tranqüilizador.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h45 - Publicado em 30 nov 1996, 22h00

Ivonete D. Lucírio

A estatística é o melhor calmante

É inevitável. Depois de um ano sombrio para a aviação comercial, como foi o de 1996, até o passageiro mais viajado sente medo. Diante de tantos desastres aéreos nas manchetes dos jornais, não há quem o convença de que as quedas são raras, de que o normal é tudo dar certo. Mas é exatamente isso que dizem as estatísticas. A chance de alguém bater o carro e morrer a caminho do aeroporto é 500 vezes maior do que a de o avião cair. Segundo a Administração Federal de Aviação, americana, de cada 1 000 mortes, 228 acontecem em acidentes rodoviários e 0,45 em aeroviários. Até nadar é mais perigoso. A cada 1 000 fatalidades, 26 são por afogamento.

“Seria preciso viajar todos os dias, durante 712 anos, para que alguém se envolvesse com certeza em um acidente aéreo”, disse à SUPER Stuart Matthews, da FSF (sigla para Fundação de Segurança no Vôo, em inglês). O que aconteceu no dia 31 de outubro em São Paulo, quando um Fokker 100 despencou sobre várias casas segundos depois de decolar, foi uma tremenda falta de sorte, levando-se em conta as estatísticas. Pesquisas mostram que desde o final da década de 50 o número de desastres caiu bastante, embora eles tenham matado mais de 20 000 pessoas. Há 37 anos, eram sessenta casos para cada milhão de decolagens. Hoje são três. E o Brasil segue a tendência. Em 1987, quando o país tinha 7 890 aviões, houve 226 acidentes. Hoje, com uma frota quase 20% maior, o número baixou para menos da metade.

Mas a matemática nem sempre tranqüiliza. A lei da gravidade parece ser mais cruel na América Latina. Aqui, a cada milhão de pousos e decolagens 32,4 não dão muito certo. Na América do Norte a freqüência é oito vezes menor. “E o maior problema é a tripulação”, diz Stuart Matthews. Ou seja, em geral a culpa não é da tecnologia (veja o infográfico ao lado).

Os números animadores também não valem para aviões pequenos. No Brasil, entre 1992 e 1994, os desastres com jatinhos aumentaram em 55%. Alguns viraram notícia. Na noite de 2 de março deste ano, um Learjet chegou ao Aeroporto de Guarulhos com velocidade superior à indicada para pouso. O piloto subiu e virou à esquerda. Chocou-se com uma pedra. Morreram nove pessoas. Eram os Mamonas Assassinas e a tripulação. Conclusão do inquérito policial: erros do piloto, do co-piloto e da torre.

Trabalho para detetive

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Bisbilhotando um motor destruído, os técnicos encontram o compressor de turbina deformado pelo fogo. A peça é feita de aço de carbono, material que só derrete à temperatura de 1 480 graus Celsius. E todos sabem que no chão uma chama não passa de 1 000 graus. É uma pista: o incêndio só pode ter acontecido no ar. Lá, sim, o calor chega a até 1 600 graus.

Quem tenta descobrir por que um avião caiu tem de trabalhar desse jeito, juntando as peças de um quebra-cabeça. Às vezes é difícil chegar a uma conclusão. Pode levar meses, ou anos, mas, de acordo com Stuart Matthews, da FSF, em 98% dos casos a causa é desvendada. Os recursos usados na busca são incríveis. Para decifrar o que aconteceu com o Boeing da TWA, que explodiu no ar no dia 17 de julho nos Estados Unidos, os técnicos do Conselho Nacional de Segurança nos Transportes dos Estados Unidos cogitaram até explodir outro avião. A primeira hipótese foi a de que uma bomba teria causado a queda, porque foram encontrados traços de explosivo nos destroços. Mas depois descobriu-se que dias antes do acidente esses elementos haviam sido colocados em aeronaves do aeroporto de onde o Boeing decolou, para treinar cães farejadores. As desconfianças recaíram então sobre uma faísca no tanque de combustível, ou seja, uma falha mecânica.

Detalhes tão pequenos

Para elucidar os motivos dos acidentes, é preciso analisar minúcias. No painel, há luzes que se acendem indicando problemas como perda de altitude. “Quando as lâmpadas são recuperadas, estuda-se seu filamento”, explica o major Pompeu Brasil, do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cipaer), do Ministério de Aeronáutica. Se ele foi rompido ou deformado é sinal que a luz ficou acesa bastante tempo, indicando uma falha duradoura no funcionamento do avião.

As duas caixas pretas também são úteis: uma registra o que os instrumentos marcavam no momento da pane (altura, temperatura da turbina) e a outra grava a conversa dos tripulantes. Com isso e os dados gravados por radares, obtém-se a rota do tombo. Outras pistas estão no corpo do piloto. Uma radiografia da sua mão mostra se a tripulação tentava corrigir uma falha ou se foi pega de surpresa. “Quando ela está fraturada em muitos pedaços, é sinal que o piloto fazia força no manche para controlar a situação”, explica o major Pompeu Brasil.

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O que sobra das peças é analisado à exaustão. Na hora de trocar um equipamento, algumas empresas optam por substitutos não originais. A diferença de preço é gritante. Uma pá da turbina vinda da fábrica custa cerca de 40 000 dólares. A imitação sai por 6 000. Mas o resultado pode ser fatal.

O trabalho de detetive é precioso. “Mais do que para punir os culpados, descobrir as causas de um acidente é importante para que se aprenda como preveni-lo”, diz o major Marcos Antônio Costa, do Cipaer. E, já que a lei da gravidade não será revogada, a prevenção é, sem dúvida, a melhor arma. Se o avião tem que descer, que seja da maneira mais suave.

PARA SABER MAIS

Why Airplanes Crash: Aviation Safety in a Changing World, Clinton Oster, John Strong e Kurt Zorn, Oxford University, Oxford, 1992.

Na Internet:

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National Transportation Safety Board

https://www.ntsb.gov

O que derruba uma aeronave

O homem erra mais que a máquina. Conheça as causas que contribuem para as quedas e os acidentes.

3,4% Manutenção Check-up malfeito é perigoso.

Antes do vôo, todo o aparelho deve ser avaliado. Peças desgastadas que já derrubaram muitos aviões poderiam ter sido trocadas nessa fase.

15,7% Falha mecânica Os problemas da tecnologia.

O atrito com o ar e os processos de compressão e descompressão provocam trincas na fuselagem, que é o corpo do avião. Quando não são percebidas e reparadas a tempo, parte da carcaça se solta em pleno vôo.

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4,8% Clima O que foge da previsão.

Nevoeiros diminuem a visibilidade e correntes de vento podem desestabilizar o aparelho. O relâmpago é uma fatalidade que não se pode evitar.

O desgaste na ligação entre as turbinas e a asa pode fazer com que uma delas se solte parcialmente e deixe de funcionar.

As turbinas empurram a aeronave, mantendo-a no ar, e ajudam na freagem, com o mecanismo chamado reverso. São partes delicadas do aparelho, que já causaram muitos acidentes.

Cadeiras malfixadas esmagam os passageiros. Além disso, é sob elas que se colocam as bombas. O terrorismo não entra nas estatísticas, mas é um dado importante.

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Fagulhas surgidas em possíveis atritos entre partes do avião podem chegar ao tanque de combustível e provocar explosões.

69,2% Falhas humanas Erros da tripulação e da torre.

Piloto e co-piloto causam nada menos que 64,4% das quedas. Por inexperiência ou cansaço, confundem-se com aparelhos e orientações da torre e cometem deslizes. Pela lei, podem ficar no comando até 9 horas e 30 minutos por dia. Mas o Sindicato Nacional dos Aeronautas garante que a norma não é respeitada.

A torre de controle orienta o tráfego no aeroporto e é crucial no pouso e na decolagem. Falhas na comunicação e orientações erradas causam 4,8% dos acidentes.

Informações sobre o vôo chegam ao painel por fios conectados a aparelhos espalhados pelo avião. Interferências eletromagnéticas alteram os dados, confundem os pilotos e podem acionar equipamentos em hora errada.

O trem de pouso é controlado por um sistema hidráulico. Às vezes ele não funciona e o avião tem de pousar de barriga.

7,1% Outras causas Testes e vôos militares.

Não se assuste sem motivo

Durante um vôo, a gente ouve barulhos e sente trepidações que às vezes apavoram, embora sejam normais. Aprenda a identificar o que acontece em cada fase.

O motor ruge

Antes da decolagem, o único som audível é um ronco constante que vem dos motores. É mais forte na parte de trás.

Rumo aos céus

Na subida, ouve-se um baque vindo de baixo. É o trem de pouso sendo recolhido. O barulho das turbinas também se altera, como muda o som do carro quando se troca a marcha. É porque a potência foi reduzida.

Turbulência

Às vezes, com o céu totalmente azul, o avião começa a balançar. Mas não há perigo nenhum. A turbulência é resultado de rajadas de vento com diferentes velocidades. Mas também acontece de o céu estar tão limpo, sem nuvens, que você pensa que o avião está parado.

Descida suave

Na hora de pousar, ocorre uma drástica redução da potência nas turbinas. Parece até que elas param de funcionar. Pouco depois, ouve-se outro baque seco. É o trem de pouso sendo acionado.

Enfim no chão

O atrito do pneu com o solo às vezes assusta. Depois vem a reversão das turbinas, que ajuda na freagem. A impressão que dá é a de que o avião vai decolar novamente.

Aperte o cinto para descer

O pouso é o momento mais perigoso, responsável por 31,1% dos desastres registrados na aviação. Veja, neste vôo hipotético de 90 minutos, como se distribuem os acidentes aéreos pelas várias fases da viagem.

A segurança não é total nem quando o aparelho está no chão.

Na decolagem, com as turbinas a todo o vapor, o risco cresce. Qualquer perda de potência pode ser fatal.

Na altitude de cruzeiro, onde se passa a maior parte do vôo, você pode relaxar. A chance de acidentes é praticamente nula. Isso porque não há muitas manobras a serem feitas e o tempo que separa o avião do chão é suficiente para a correção de falhas eventuais.

O pouso é o momento mais perigoso. O avião está indo em direção ao chão e pode não haver tempo para corrigir certos erros. Além disso, o número de manobras é grande. Para sorte dos mais assustados, é o fim da viagem.

Check-up detalhado

Antes de sair do chão, o avião passa por uma rápida revisão para ver se todos os sistemas estão funcionando. Mas esse é apenas o teste mais simples. A manutenção é um item que nunca deve ser desprezado (veja Jatos na oficina, SUPER, ano 6, número 6). A grande revisão chama-se, no Brasil, cheque D. Ela acontece a cada 14 000 horas de vôo e deve ser feita por mecânicos reconhecidos pelo Departamento de Aviação Civil (DAC), do Ministério da Aeronáutica.

“O avião é colocado sobre macacos hidráulicos. As partes principais, como turbina, trem de pouso e sistema hidráulico, são desmontadas e cada peça, do nariz à cauda, é vistoriada”, conta o mecânico Ademir Martins, do Sindicato dos Aeroviários, que trabalhou na manutenção da VASP por vinte anos. O DAC também visita anualmente as empresas aéreas e aeroportos para verificar se as normas de segurança são respeitadas.

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