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Fumar maconha pode, Arnaldo?

A regra não é clara. A legislação sobre o uso de drogas ficou confusa. E causa mais confusão ainda - os conflitos da USP estão de prova. A solução, porém, é mais simples do que parece

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 15 jan 2012, 22h00

Denis Russo Burgierman

Você provavelmente acompanhou a história pelo noticiário. Em outubro, 3 estudantes da USP foram surpreendidos por policiais militares enquanto fumavam maconha dentro do campus. Detidos, eles foram colocados numa viatura. Centenas de estudantes se revoltaram, impediram a partida do carro de polícia e começou uma confusão que durou mais de uma semana, com direito a uma desajeitada ocupação da reitoria, que só terminou após uma ainda mais desajeitada ação policial.

O mais curioso é que tanta discórdia tenha começado por tão pouco. No Brasil, desde 2006, não há pena de prisão para usuários de drogas. Pela lei, quem é apanhado com pequenas quantidades de substâncias ilícitas tem a droga apreendida, é levado à delegacia e depois a um juiz. Ao juiz, cabe escolher entre três punições: prestação de serviços à comunidade, curso sobre os males das drogas e advertência. Que crime é esse que é punido com “advertência”? Efetivamente, os juristas não sabem se o uso de drogas é crime ou não no Brasil. Não houve nenhuma lei determinando a “descriminalização” do usuário, mas, segundo o Código Penal, crime é aquilo “a que a lei comina pena de reclusão ou detenção” – em outras palavras, crime é quando dá cadeia. Ou seja, o uso de drogas no Brasil está num limbo jurídico. É crime, mas não é.

E porque a lei é tão obscura, tão confusa? A explicação é simples: são os políticos que fazem as leis, e políticos morrem de medo de lidar com esse tema. Por um lado, eles sabem que colocar usuários de drogas na cadeia não dá resultado e custa caríssimo para a sociedade. Mas, por outro lado, não há coragem de sugerir políticas mais moderadas e inteligentes porque a maior parte da sociedade morre de medo das drogas e os políticos têm ainda mais medo de perder votos. É por isso que, tanto no Brasil como praticamente no mundo todo, as políticas de drogas são colchas de retalhos de textos vagos, moralistas e difíceis de interpretar. Quem adora essa falta de clareza são os corruptos. Por exemplo, os policiais corruptos. Eles podem se aproveitar da confusão nas leis para extorquir usuários, ameaçando-os de enquadrá-los como traficantes, por exemplo. Quando a lei é confusa, bons policiais não sabem o que fazer e maus policiais se aproveitam.

Nesse sentido, temos muito a aprender com nossa ex-metrópole. Em 2001, Portugal reescreveu toda a sua política de drogas, criando um sistema gerido pelo ministério da Saúde, não pelo da Justiça. Dez anos depois, os resultados são evidentes: o consumo de drogas entre menores de idade caiu, o número de contaminações de aids e hepatite C por causa de drogas injetáveis despencou, o de usuários de drogas diminuiu, o de dependentes em tratamento aumentou, as cadeias e os tribunais estão mais vazios, a polícia está tendo mais sucesso no combate ao tráfico, a corrupção se esvaziou, os custos para a sociedade diminuíram.

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Interessante é que Portugal não mudou nada de substantivo na sua lei. Não legalizou nenhuma droga que fosse ilegal. Apenas redigiu uma lei clara, de um jeito que tanto policiais quanto usuários sabem como agir e o que esperar. Se alguém é pego com menos de 25 gramas de maconha ou 2 gramas de cocaína, por exemplo, supõe-se que se trata de um usuário, não de um traficante. A droga é apreendida, ele é liberado para ir para casa e recebe uma intimação para conversar com um assistente social.

A conversa dura cerca de uma hora e é coduzida de maneira informal para que o usuário se sinta numa consulta médica e fale abertamente sobre sua relação com as drogas. Se ao longo da entrevista for constatado que se trata de um dependende químico, ele é encaminhado para um tratamento. Senão, ele volta para casa.

O resultado foi uma pacificação social. Em 2001, os portugueses estavam em pânico com uma epidemia de heroína. As drogas eram consideradas pela população o maior problema do país. Hoje, elas não aparecem nem na lista dos 10 maiores problemas. Assim como Portugal em 2001, o Brasil de hoje está em pânico com as drogas – no nosso caso, com o crack. E os políticos estão respondendo a esse pânico do jeito tradicional: com projetos de lei confusos e radicais, focados apenas em aumentar a repressão, algo que, segundo a experiência internacional, aumenta o poder dos traficantes. Portugal ensinou que um problema complexo como o das drogas só terá solução quando o país tiver a maturidade de conversar a sério, sem extremismos e moralismos, com a participação de especialistas e a troca de ideias entre quem pensa diferente.

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