E se não existisse polícia?
O que aconteceria em uma sociedade sem força pública de segurança.
Em 2012, o que se viu com a greve da PM na Bahia reflete só parte do caos possível numa sociedade sem força pública de segurança. Em 12 dias de paralisação, o total de homicídios bateu em 180, mais do que o dobro do período anterior. O Exército foi convocado para garantir a ordem, mas isso não impediu o aumento da criminalidade.
Em 1997, em Pernambuco, PMs e policiais civis cruzaram os braços também por 12 dias. O cenário foi ainda pior: arrastões de gangues no Recife, saques, escolas e lojas fechadas. Nem o Instituto Médico Legal funcionou.
Na prática, sem pessoal e estrutura específica para fazer valer o que diz a Constituição, o Estado perde muita força. Poderia contratar serviços específicos para conter um protesto ou impor uma nova lei, mas fica sem capacidade adequada de mobilização, integração, fiscalização. E, mais grave, diz a pesquisadora Jacqueline Muniz, o Estado perde a confiança do cidadão – a essência, que faz com que cada um, de um jeito ou de outro, respeite o poder público e as leis.
E, se o sistema não funciona, cada um pode se achar no direito de fazer justiça com as próprias mãos. Prevaleceria nas ruas a lei do mais forte. Ou, melhor, do mais rico. A segurança ficaria a cargo de empresas especializadas. Você andaria armado e poderia até escolher um pacote que coubesse no seu bolso para se sentir seguro. Empregadores ofereceriam planos de segurança, como fazem com os planos de saúde hoje. Quem não pudesse pagar as empresas registradas contrataria mercenários ou se uniria em milícias.
“Grupos usariam mais violência para garantir a ordem e a segurança”, afirma Graham Denyer Willis, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Segundo ele, nada muito diferente do que ocorre nas comunidades onde a polícia não entra e quem de fato manda são os chefes do tráfico. Uma pesquisa da London School of Economics mostrou que a maioria dos ativistas que participaram dos confrontos e quebra-quebra nas ruas de cidades inglesas em agosto do ano passado estava ali para se vingar dos abusos cometidos pela polícia no passado. A violência policial é argumento comum contra a própria existência da polícia, mas, no fim das contas, imagine se você não pudesse nem chamá-la.
Num mundo sem policiais, a segurança pesaria no seu bolso e as regras de trânsito seriam mera formalidade
Atrás das grades
Frequentar espaços públicos (praças, praias etc.) seria perigoso. Shoppings teriam inclusive residências. O convívio social seria muito limitado – só o movimento nos bares da Bahia caiu de 50 a 90% com a greve policial. Eventualmente, até as cidades seriam menores e cercadas, como já foram no passado.
Tudo por dinheiro
A insegurança faria surgir mercenários e milícias. Em 1997, a paralisação da polícia em Pernambuco levou à criação de milícias de vigilantes ilegais. Dificilmente esse tipo de grupo respeitaria a regulamentação dos serviços de segurança. Espertinhos poderiam fabricar dificuldade para vender facilidade.
Tropa de elite
A segurança ficaria na mão de empresas que competiriam entre si. As maiores usariam agentes equipados com armas potentes e modernas. Essas empresas estariam entre as forças mais influentes da sociedade.
Perigo constante
O porte de armas provavelmente seria livre, e o risco de violência em conflitos, de brigas no trânsito a disputas comerciais, grande. Na greve baiana, quase um terço dos assassinatos foi com tiros na cabeça, sugerindo execuções. Há indícios de crimes encomendados por comerciantes a policiais que faziam bico de segurança particular.
CSI, nunca mais
Na falta de equipes oficiais para apurar crimes, não haveria tecnologia sofisticada de investigação nem um banco de dados unificado. “É a polícia que seleciona os candidatos à punição”, diz o cientista político Guaracy Mingardi. Detetives particulares poderiam cumprir em parte esse papel, mas, segundo ele, certamente a Justiça seria mais lenta.
Fontes Guaracy Mingardi, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; Graham Denyer Willis, phD do Instituto de Tecnologia de Massachusetts que estuda a polícia no Brasil; Jacqueline Muniz, do Programa de Mestrado em Direito do Iuperj e da Universidade Cândido Mendes (Ucam); Francis Cotta, militar e pós-doutor em história social da cultura (UFMG).