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Os índios mexicanos que correm 700 km em dois dias – traficando maconha

A incrível história dos índios ultramaratonistas mexicanos – e seu envolvimento com o tráfico de drogas.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 9 set 2020, 13h35 - Publicado em 10 ago 2015, 19h00

A inóspita Sierra Madre, cadeia de montanhas no noroeste do México, é o lar de cinco tribos indígenas. Uma delas se chama tarahumara – nome que significa “corredores de pés ligeiros”. Eles têm esse nome porque possuem uma capacidade absurda de correr. Mas não como o velocista Usain Bolt, ou os quenianos da São Silvestre. Os índios mexicanos estão em outro nível. Eles conseguem correr mais de 300 km – e um deles chegou a fazer 700 km, o equivalente a 16 maratonas (ou a distância de São Paulo a Florianópolis), em apenas dois dias. Além de resistentes, os tarahumara também são velozes: levam apenas 90 minutos para atravessar um trecho especialmente difícil da Sierra Madre, que exploradores demoram até dez horas para cruzar. “Um tarahumara de 50 anos pode facilmente vencer uma corrida contra adolescentes. E índios de 80 anos conseguem fazer maratonas subindo montanhas”, escreve o jornalista americano Christopher McDougall, autor de um livro sobre essa tribo (Nascido para Correr), que reúne cerca de 50 mil pessoas. Todos os tarahumara – homens, mulheres, crianças, idosos – são capazes de correr distâncias impressionantes.

Ao correr uma maratona, um atleta queima em média 2.600 calorias. Mas estima-se que, para correr 700 quilômetros, um tarahumara consuma aproximadamente 43 mil calorias. A alimentação da tribo é composta por milho, feijão, algumas frutas, ratos e veados – que eles caçam de um jeito bem particular. Os tarahumara, como algumas tribos no sul da África, ainda empregam a técnica mais antiga que existe para pegar sua presa: a caça de persistência, que consiste em perseguir o animal até que fique exausto e pare de correr (e aí possa ser abatido). Os índios corredores também enfiam o pé na jaca: são capazes de passar uma noite inteira bebendo e festejando e levantar na manhã seguinte e correr o dia inteiro, como se nada tivesse acontecido. A tribo produz e consome uma cerveja de milho, a tesguino, que possui baixo teor alcoólico e alto nível de carboidratos – e os índios bebem em média três vezes por semana, vários litros cada um.

Muitos corredores passam a vida tentando evitar dores e lesões, com tênis de última geração que prometem absorver o impacto sobre os pés e as articulações. Os tarahumara não estão nem aí. Eles correm descalços ou com sandálias finas de couro, conhecidas como huarache. No mundo da corrida, existe todo um movimento que defende o correr descalço. Testes com esteiras mostram que, quando uma pessoa corre de tênis, ela tende a aterrissar com o calcanhar. Ao correr descalço, a tendência é pisar mais com o meio e a ponta do pé, o que supostamente causa menos impacto e provoca menos lesões. Nem todos concordam com isso, mas a técnica parece funcionar bem para os índios. Eles já participaram de uma competição oficial: a Leadville 100, uma ultramaratona de 100 milhas (160 km) realizada anualmente nas montanhas do Colorado, nos EUA. Os índios ganharam duas vezes a competição, e estabeleceram um tempo recorde – 17 horas e 30 minutos – que levou oito anos para ser superado.

Mas toda essa correria também acabou chamando a atenção de um grupo do mal: os narcotraficantes mexicanos.

Mulas indígenas

Por ser uma região difícil de policiar, Sierra Madre se tornou base para os cartéis de drogas New Bloods e Los Zetas, que usam o local para plantar maconha e papoula opiácea (matéria-prima da heroína). Os Zetas penduram as cabeças de seus inimigos em locais públicos, queimam policiais em barris cheios de gasolina e, diz a lenda, têm até um tigre de estimação, alimentado com os corpos de traficantes rivais. Esse grupo de gentlemen viu nos índios corredores uma oportunidade – e começou a recrutá-los para traficar drogas.

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Boa parte dos tarahumara ainda vive isolada, com costumes e roupas tradicionais (saia de couro e lenço amarrado na cabeça para os homens, e saia longa florida para as mulheres). Mas muitos deles adotaram o estilo de vida ocidental, e podem ser vistos usando calça jeans e bebendo refrigerantes. Além disso, o governo mexicano deseja incentivar o turismo na região, onde construiu hotéis e um aeroporto. Tudo isso desestabilizou os tarahumara, que também sofrem com o clima. Nos últimos anos, a região vem enfrentando secas no verão, o que tem arrasado a agricultura local e exposto os índios à fome. Desesperados, alguns deles começaram a trabalhar para os traficantes, que oferecem em média US$ 800 para que os índios atravessem correndo a fronteira dos EUA – levando nas costas uma mochila com 20 quilos de maconha. Mas o risco é alto. Os índios que não são presos às vezes acabam ludibriados pelos traficantes, e não recebem o dinheiro prometido.

Camilo Villegas-Cruz, de 21 anos, foi um deles. Por causa da seca, o jovem tarahumara deixou a tribo para procurar por trabalho em outro lugar. Um estranho o abordou, oferecendo US$ 3 mil para que ele e o irmão fizessem a travessia até os EUA levando drogas. Os índios rapidamente aceitaram. O homem então os levou para uma fazendinha próxima à fronteira, de onde eles partiram com as mochilas e um pouco de água e comida. Após caminhar por meia hora, os índios chegaram a uma parte pouco vigiada da fronteira, e entraram nos Estados Unidos. Mas a jornada pelo deserto do Novo México ainda seria longa. Para não levantar suspeitas, eles se deslocavam durante a noite. Não durou muito. No terceiro dia, os irmãos foram pegos por um helicóptero da polícia, que fazia ronda na região. No julgamento, até que tiveram sorte. O juiz deu uma sentença leve, de três anos em regime aberto, e os mandou de volta para o México.

Sem conseguir plantar a própria comida por causa da seca, Camilo foi procurar emprego. Trabalhou como ajudante de um fazendeiro, ganhando um salário de míseros US$ 10 por dia. Até que recebeu de um estranho a proposta de levar drogas para os EUA. De novo, ele aceitou. De novo, foi preso. Hoje, Camilo vive em uma prisão federal americana, onde cumpre pena de 46 meses por “posse de drogas, com intenção de distribuição” e por ter entrado ilegalmente no país. Ele diz que, quando for solto, voltará para o México, e nunca mais trabalhará para os traficantes. Quer voltar a correr – e jura que sem carregar drogas nas costas.

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