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“Aos 12 anos, ganhei minha primeira AK-47”

Allen Yéro Embalo foi menino-soldado em Guiné-Bissau, prisioneiro no Senegal e aprendiz de revolucionário em Cuba. Hoje, virou correspondente de guerra

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h50 - Publicado em 4 jan 2015, 22h00

Allen Embalo, 57 anos, já cobriu guerra na Gâmbia, Guiné-Bissau, Serra Leoa, Libéria, Congo, Mali. No momento, acompanha um conflito separatista no Senegal.

Como foi a infância em Guiné-Bissau?

Quando eu tinha 5 anos, estourou a guerra da independência (1962-1974). Meu pai se juntou à luta contra os portugueses, minha mãe não tinha como sustentar a mim e minhas duas irmãs. Fomos para um orfanato do partido revolucionário, onde cubanos me ensinaram a escrever. Fidel Castro nos visitou! Nunca esqueci.

Era uma educação diferente?

Associávamos as letras a objetos bélicos: A de arma, B de bala, C de canhão. Esse era nosso abecedário.

Daí para menino-soldado foi um passo.

Os cubanos viam em nós, crianças, a chave para a vitória. Com 12 anos ganhei minha primeira arma, uma AK-47. As primeiras tarefas eram de reconhecimento das frentes portuguesas. Depois passamos ao transporte de armamentos e até encarávamos o combate.

Até onde foi sua carreira militar?

Em 1973, meu grupo se perdeu em território senegalês e encontramos alguns soldados. Lembro de eles estranharem a quantidade de crianças entre nós. Fomos capturados, proibidos de voltar à Guiné e enviados para um internato no sul do Senegal, onde meninos-soldados e órfãos de guerra podiam receber educação.

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E quando a guerra terminou?

Voltei à Guiné, e aos 18 anos recebi uma bolsa para ter “educação revolucionária” em Cuba, dividida entre sala de aula e colheita de cana e tabaco. Pela propaganda, imaginava que Cuba fosse um país desenvolvido. Mas logo percebi que as comunidades cubanas, como as vilas africanas, viviam na pobreza absoluta. Além disso, a educação não era como eu imaginava. Juntei-me a outros guineenses insatisfeitos e exigimos melhores condições de estudo. Nos deportaram. Chegando à Guiné fomos direto para a prisão – nossas famílias só souberam seis meses depois.

E aí?

Fugi da prisão e fui para o Senegal. Aprendi francês, me formei em jornalismo, voltei à Guiné. Desde 1988, sou freelancer, trabalho para Associated Press, France Press, Al Jazeera. Não por acaso, acabei virando correspondente de guerra.

Ter sido menino-soldado ajudou no jornalismo?

Muito. Desde cedo aprendi o bê-á-bá do combate, convivi com guerrilheiros. Isso facilita a minha vida – convenci rebeldes do Congo a me deixarem passar 42 dias com eles no meio da selva. Foi uma experiência muito interessante porque eu tive a chance de viver o dia a dia deles, dividir a mesma comida e às vezes até mesmo as trincheiras, conhecer o lado mais humano dos combatentes.

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Alguma mágoa?

Durante anos reuni um farto material sobre conflitos africanos – minha intenção era contar essa história para o mundo. Mas minha casa foi invadida e meus arquivos foram furtados: fotos, documentos e muitas fitas que nunca foram editadas. Levaram tudo, me ameaçaram de morte. Fui obrigado a deixar a África e me exilar na França, onde vivo agora.

Quando era menino-soldado, você chegou a matar alguém? [Ele já havia ignorado três vezes a pergunta.]

Quando necessário, tínhamos de pegar em armas e guerrear. Como qualquer outro soldado.

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