Poesia brasileira é algo encantador. Acho maravilhoso podermos ler algo na nossa língua nativa, sem passar por traduções, e poder receber o texto mais autêntico e sem empecilhos linguísticos possíveis. Vim aqui apresentar cinco livros de poesia brasileira, todos com linguagem única e autores singulares.
Farei um breve resumo, mas creio que poesia a gente conhece pelas citações mais do que por qualquer apresentação ou introdução. Por isso, cada resenha vem acompanhada de pensamentos.
5) Para Viver com Poesia, de Mário Quintana (Ed. Globo, 118 páginas)
Dentre os nomes desta lista, Mário Quintana é provavelmente o mais conhecido. Para Viver com Poesia traz poemas leves e de fácil leitura, cheios de aforismos sábios que te colocam em um patamar de subjetividade encantador.
Cada pensamento pontuado no meio de um poema pode ser usado em diversos momentos da vida. É daqueles livros que você tem vontade de decorar cada palavra, ponto e acento, pra sair pelo mundo declamando tamanha beleza. O livro cumpre seu título, te faz ver e viver com poesia.
- “Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro.”
- “Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver!/ – Você é louco?/ – Não, sou poeta.”
- “Buscas a perfeição? Não sejas vulgar. A autenticidade é muito mais difícil.”
4) Só, de Bianca Ramoneda (Ed. Rocco, 146 páginas)
Comprei o livro pela similaridade com o nome da autora, confesso. Mal sabia que a identificação não parava por aí. Bianca Ramoneda é uma escritora e atriz carioca e, se não fosse por uma visita minuciosa à seção de poesia, não saberia da maravilha que são seus escritos.
Só é um livro não apenas de poemas ou crônicas ou textos, mas de pensamentos livres de tais definições. Um antigo monólogo vira frase, vira poema. Pela intimidade com o teatro, percebe-se na autora uma voz dramática que quase se faz presente no mundo físico.
A obra de Bianca Ramoneda exalta nosso cotidiano de uma forma caótica, porém vista sempre com bons olhos. Não é uma exaltação ao caos, mas uma aceitação de que existe poesia em todo lugar dessas cidades turbulentas brasileiras.
- “Percebi que alguma coisa estava errada quando senti uma extrema felicidade ao saber que não teria que trabalhar no dia seguinte.”
- “Mas tudo insiste e persiste neste mundo que não desiste. Eu, tão triste.”
- “Nunca emiti uma opinião sobre o meu tataravô. E o mesmo farão meus tataranetos. Essa vagalume só vale enquanto lume, mesmo que vaga.”
3) Sequência Inverso, de Diva Gomes (Ed. Ateliê Editorial, 94 páginas)
Diva Gomes tem um modo claramente estético de se fazer poesia. Seus versos vêm em formatos circulares, três palavras no canto inferior esquerdo da página ou da forma que lhe parecer mais adequada. Jogos com palavras e desobediência às normas linguísticas são a alma do livro. Já no título percebemos esse descompromisso com a sintaxe e a norma culta – “Sequência Inverso”.
A autora brinca com as palavras e com o público. Faz-nos perceber as incríveis possibilidades que temos ao escrever poesia e o poder de escolher caminhos transversos ao normalmente utilizado. Um livro rebelde e sentimental. Pra quem repulsa a “quadratura” do viver.
- “Quero o branco / (Não a morte)/ A improdução, o ponto zero/ Quero ver-te/ Verde novo”
- “Agora que escrevo, não sei se sonhando ou acordada, talvez nos interstícios que os unem, três tempos me esperam: arrumar a cozinha, ler um livro, sonhar. Posso sonhar após ler o livro, arrumar a cozinha sonhando, dormir sem sonhar ou simplesmente desarrumar a cozinha. Posso comer o livro e cozinhar o sonho. Tudo uma questão das palavras.”
- “Não ao homem que não sabe agradecer ao outro./ Não ao brilho limitado da quadratura do viver.”
2) Memórias Inventadas: As Infâncias de Manoel de Barros, de Manoel de Barros (Ed. Planeta do Brasil Ltda., 157 páginas)
Em uma edição belíssima que conta com iluminuras da filha do autor, Memórias Inventadas é uma coletânea de poemas sobre a infância do saudoso Manoel de Barros, que morreu em 2014. O livro apresenta ao leitor as lembranças de uma criança que cresceu brincando com o que a natureza dá pra gente. Manoel de Barros inventa palavras e usa o coloquialismo do interior para dar voz aos seus personagens da maneira mais real possível. Nada soa inventado. Cada poema tem uma profundidade ímpar.
É um livro de rápida leitura, mas, que dura muito mais tempo no meio de reflexões. A solidão vivida por Manoel é narrada de forma tão simples que deixa claro que poema bom não se faz somente com termos rebuscados. Pelo contrário, é na simplicidade do campo que o autor encontrou sua inspiração. Por isso, é com essa mesma simplicidade que escreve. Um livro magnífico, de memórias inventadas ou reais, mas que, sem dúvidas, são muito significativas.
- “Tudo o que não invento é falso.”
- “Não vi nenhuma coisa mais bonita na cidade do que um passarinho. Vi que tudo o que o homem fabrica vira sucata: bicicleta, avião, automóvel. Só o que não vira sucata é ave, árvore, rã, pedra. Até nave espacial vira sucata. Agora eu penso uma garça branca de brejo ser mais linda que uma nave espacial. Peço desculpas por cometer essa verdade.”
- “Eu não sei nada sobre as grandes coisas do mundo, mas sobre as pequenas eu sei menos.”
1) A Teus Pés, de Ana Cristina César (Ed. Ática, 151 páginas)
Ana Cristina César, ou Ana C., poeta marginal dos anos 70, é indescritível. Sua prosa se faz tão marcante e real que sempre, ao ouvir ou falar na autora, parece que o interlocutor a conhece de longa data. Essa é a impressão que Ana nos passa, de que a conhecemos e somos seus velhos amigos. Não por acaso, sua narrativa é visceral e cortante. Parece jogar com o feminino e o masculino na mesma proporção. Frágil e mortal. Doce e amarga. Reveladora e misteriosa.
Ana C. carrega em si uma força bruta capaz de unir a forma do poema e seu conteúdo da maneira mais sublime possível. Uma autora revolucionária que fez de seus poemas uma espécie de diário pessoal, uma revelação da vida íntima. A Teus Pés, assim como afirmou Ana C. posteriormente, possui uma sensibilidade caótica, meio desorganizada. Pra fechar a lista com chave de ouro.
- “Eu tenho uma ideia./ Eu não tenho a menor ideia./(…) Autobiografia. Não, biografia./ Mulher./ Papai Noel e os marcianos./ Billy the Kid versus Drácula./ Drácula versus Billy the Kid./ Muito sentimental./ Agora pouco sentimental.”
- “Minha dor. Me dá a mão. Vem por aqui, longe deles. Escuta, querida, escuta. A marcha desta noite. Se debruça sobre os anos neste pulso. Belo belo.”
- “Vou fazer um curso secreto de artes gráficas. Inventar o livro antes do texto. Inventar o texto para caber no livro. O livro é anterior. O prazer é anterior, boboca.”