Revista em casa por apenas R$ 9,90/mês
Imagem Blog

Supernovas

Por redação Super Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Este blog não é mais atualizado. Mas fique à vontade para ler o conteúdo por aqui!
Continua após publicidade

O vírus de computador que evoluiu por seleção natural

E como ele explica um dos maiores mistérios da biologia: por que nós fazemos sexo e misturamos nossos genes, em vez de termos filhos clonados?

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 17 mar 2020, 12h20 - Publicado em 25 set 2018, 19h45

Tierra é um programa de computador rudimentar, com 200 linhas de código e um objetivo simples: criar cópias de si mesmo. Para alcançá-lo, o dito cujo exige dois recursos. Um é espaço no disco rígido para si e suas crias – não há por que se reproduzir se não houver onde armazenar a prole. Outro é tempo para usar a central de processamento (CPU) da máquina. É esse o componente que executa as instruções; em outras palavras, que fornece a infraestrutura necessária para gerar filhotes informáticos.

Tierra rodou pela primeira vez no começo da década de 1990, no computador do biólogo Thomas Ray, da Universidade de Delaware – o autor do código. Em seu entorno, centenas de clones disputavam exatamente as mesmas necessidades básicas. Todos queriam tempo e espaço. Você pode imaginar Tierra como uma espécie de bichinho virtual – que em vez de ganhar comida do dono, disputa o pão de cada dia com outros bichinhos virtuais.

Por algum tempo, a luta pela sobrevivência virtual foi bastante equilibrada. Todos os Tierras lutavam com o mesmo código, todo tinham as mesmas armas. Até que, num belo dia, um dos clones foi gerado com um erro de cópia. É bem provável que o erro tenha inutilizado o dito cujo. Incapaz de peitar os programas saudáveis de igual para igual, ele não conseguiu tempo de CPU e espaço de HD para se reproduzir. Eventualmente, foi excluído da máquina.

Não foi um acidente: Ray planejou o código de Tierra de maneira que esse tipo de deslize acontecesse de tempos em tempos. Essas mudanças aleatórias em certos programas são equivalentes às mutações que o material genético de todos os seres vivos sofre periodicamente. O negócio é que nem todo deslize é, de fato, um deslize. Às vezes, uma cópia que nascia com uma linha de código corrompida acabava, por pura sorte, se tornando mais rápida e leve que suas concorrentes. Ela se reproduzia mais, e lotava o HD de Ray com sua família. Assim, a competição se acirrou. E uma revolução ocorreu.

Um certo Tierra percebeu que não havia a menor necessidade de arrastar duzentas linhas de código por aí. Se ele ocupasse menos espaço, poderia gerar mais filhotes. O malandro abandonou metade de si, como uma lagartixa que solta o próprio rabo. E começou a alugar as linhas de código de outros Tierras para se reproduzir. Por um lado, ele se tornou um programa incompleto: um pedaço de informação sem começo ou fim. Por outro, aprendeu a se aproveitar da infraestrutura oferecida pelos outros programas para seus próprios fins.

Continua após a publicidade

Ele era um parasita. O primeiro vírus de computador criado por seleção natural. Em pouquíssimo tempo, os programas maiores aprenderam a enganar esses vírus, ocultando trechos de próprio código para se camuflar. Os vírus, por sua vez, aprenderam a superar essas barreiras, desencadeando uma corrida armamentista em que todos os indivíduos precisavam aperfeiçoar constantemente seus sistemas de segurança e táticas de infecção. Não para ganhar alguma vantagem uns sobre os outros, que fique bem claro. Mas simplesmente para sobreviver.

É como o burrinho que persegue eternamente uma cenoura pendurada em uma vara de pescar – e assim puxa a carroça. Afinal, nas palavras de Dilma Rousseff, ao alcançar a meta, você dobra a meta. A Rainha Vermelha, personagem de Alice Através do Espelho, de Lewis Carroll, diz em certo ponto do livro: “você precisa correr o máximo que puder só para permanecer no lugar”. Com base nessa fala, a Guerra Fria evolutiva entre parasitas e hospedeiros foi apelidada pelos biólogos de efeito da Rainha Vermelha.

Os vírus da vida real, e não de código binário, assumem o maquinário de produção de proteínas das nossas células (que eles não possuem) e o utilizam para o que bem entenderem. Novas vacinas contra a gripe são lançadas todos os anos para evitar que eles façam isso, mas elas estão sempre um passo atrás dos agentes infecciosos, simplesmente porque eles se reproduzem muito rápido – o que aumenta a velocidade com que a seleção natural atua sobre eles.

Continua após a publicidade

Antes da invenção das vacinas pelo ser humano, porém, a natureza já tinha criado sua própria vacina: o sexo. O objetivo do sexo nada mais é do que gerar crias que sejam diferentes de seus pais (em vez dos clones gerados pela reprodução assexuada de bactérias). A mistura do material genético de dois indivíduos confunde os parasitas: a tática que um vírus usou para invadir os pais muito provavelmente não vai funcionar nos filhos. E essa é uma das principais hipóteses para explicar porque nós transamos. Para resistir.

Quem quiser saber mais sobre o assunto pode (e deve) ir atrás de um livro chamado The Red Queen, de Matt Ridley – que infelizmente não foi traduzido em português. Ele é uma espécie de história do sexo contada do ponto de vista biológico. Já quem levar jeito com computadores pré-históricos e quiser usar o Tierra em casa pode descobrir aqui como proceder.

 

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Oferta dia dos Pais

Receba a Revista impressa em casa todo mês pelo mesmo valor da assinatura digital. E ainda tenha acesso digital completo aos sites e apps de todas as marcas Abril.

OFERTA
DIA DOS PAIS

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 9,90/mês

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 9,90/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.