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Entrevista | Os efeitos antidepressivos instantâneos da ayahuasca

Em um experimento nacional, a bebida aliviou os sintomas de pessoas com depressão em questão de horas – e fez efeito por uma semana

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 17 Maio 2017, 14h35 - Publicado em 15 Maio 2017, 20h09

350 milhões de pessoas sofrem de depressão em todo o mundo, e um terço delas resiste às formas de tratamento tradicionais. Para piorar a situação, os antidepressivos mais comuns demoram até duas semanas para fazer efeito, e, nesse período, os pacientes sofrem graves recaídas.

Em busca de maneiras mais rápidas e eficientes de lidar com um dos maiores problema de saúde pública do século 21, pesquisadores do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) descobriram que uma única dose de ayahuasca – bebida típica da medicina tradicional amazônica e essencial para alguns rituais religiosos populares – alivia os sintomas de vítimas de depressão por até uma semana. O efeito é quase instantâneo.

O teste envolveu 29 voluntários. De forma aleatória, 15 receberam placebo e 14 a substância real. As diferenças entre o grupo testado e o grupo de controle foram notáveis, e reforçam experiências anteriores que, apesar de terem apresentados resultados similares, foram criticadas por outros especialistas pelo pequeno número de voluntários e a ausência de placebo.

Conversei com Dráulio Araújo e Fernanda Palhano, dois membros da equipe responsável pela descoberta, para saber os detalhes. Você pode ler o artigo científico completo aqui. Em uma nota final, de hoje em diante, além dos textos semanais com destaques da ciência internacional, também vou publicar no blog entrevistas quentinhas com as novidades de pesquisadores brasileiros.

Por que antidepressivos tradicionais demoram até duas semanas para fazer efeito – e porque, nesse período, os pacientes pioram, em muitos casos?

Sabe-se que antidepressivos clássicos, como os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), atuam aumentando a disponibilidade do neurotransmissor serotonina na fenda sináptica. Porém, permanece um enigma compreender o motivo pelo qual a melhora não é rápida, especialmente porque sabemos que o aumento da viabilidade de serotonina ocorre rapidamente, em questão de minutos.

[Aqui, vale uma explicação um pouco menos técnica: a serotonina é uma das substâncias responsáveis por sentimentos como alegria e satisfação. Em teoria, uma medicação que aumenta na hora a quantidade de serotonina circulando no cérebro também deveria aumentar instantaneamente o bem-estar de seu usuário, mas não é isso que acontece].

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A principal hipótese é a de que essas drogas se liguem também a outras regiões do cérebro a fim de gerar os efeitos antidepressivos. Essas mudanças desencadeariam processos mais lentos, como o de neurogênese e de reconfiguração de sinapses cerebrais, que, por sua vez, parecem estar relacionados aos efeitos antidepressivos.

Vale deixar claro que uma das características mais interessantes dos nossos achados foi a observação de efeitos antidepressivos rápidos: os pacientes que se submeteram à ayahuasca tiveram melhora significativa um dia após a intervenção quando comparados àqueles que participaram da sessão com uma substância placebo.

Uma dose única de ayahuasca tem um efeito antidepressivo duradouro – os pacientes relataram efeitos benéficos por até uma semana após o teste. Por que isso acontece?

Ainda não está claro, estamos analisando os dados. No primeiro momento parece que os efeitos observados não podem ser explicados exclusivamente por alterações globais nos sistemas de neurotransmissão (serotonina, por exemplo).

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Além destes, os efeitos antidepressivos parecem passar por mecanismos mais sutis, talvez semelhantes aos que ocorrem durante um processo de psicoterapia. Alguns dos nossos pacientes relataram que, durante as quatro horas que passaram sob os efeitos agudos da ayahuasca, se sentiram da mesma forma que se sentiriam após um ano de psicoterapia. Outros disseram que não gostaram da experiência com a ayahuasca pelos mesmos motivos que não gostam de fazer psicoterapia.

De fato, nossas análises preliminares revelam relação entre a melhora dos sintomas de depressão sete dias após a sessão com alguns dos efeitos experimentados durante os efeitos agudos da ayahuasca, como, por exemplo, as visões. O próximo passo natural seria testar diferentes esquemas de tratamento, por exemplo, doses repetidas em um certo intervalo de tempo para avaliar se os resultados positivos encontrados por nós se mantém nessas condições de tratamento.

 

Seria possível criar versões sintéticas da ayahuasca que tenham efeito antidepressivo mas não causem visões, náuseas e outros efeitos colaterais indesejáveis?

A princípio, não parece razoável eliminar os efeitos agudos da ayahuasca (como as visões, náusea e outros efeitos), uma vez que talvez sejam exatamente estes os responsáveis pelos efeitos antidepressivos. As tradições religiosas que utilizam a ayahuasca no Brasil não consideram náusea e vômito efeitos colaterais, mas sim processos de limpeza, conhecida como “purga” por essas tradições.

Vocês tem medo de que, mesmo com efeitos terapêuticos comprovados, a ayahuasca, por questões culturais, seja encarada com preconceito?  

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É óbvio que há certo preconceito associado ao uso de substâncias psicodélicas. No caso da ayahuasca isso é ainda mais evidente, já que seu uso é oriundo de tradição indígena, e ela é o principal sacramento de algumas religiões sincréticas [que unem diferentes doutrinas] brasileiras, como Santo Daime, a União do Vegetal e a Barquinha.

Nos últimos anos, porém, tem ficado cada vez mais evidente que o risco associado ao uso desse tipo de substância é relativamente baixo, em particular quando utilizado em contexto e com propósito apropriados. Psicodélicos clássicos, como a ayahuasca e a psilocibina (encontrada em um tipo de cogumelo) não viciam. De forma curiosa, elas têm sido testadas como alternativa de tratamento de indivíduos que fazem uso abusivo de substâncias como álcool e tabaco.

O aumento do número de estudos científicos com psicodélicos e a determinação dos seus benefícios terapêuticos tendem a mudar a opinião pública sobre o assunto.

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