Distopias sempre fizeram muito sucesso no cinema. Sabe aqueles filmes que imaginam “um futuro próximo” perverso? Pense em Blade Runner ou Matrix, clássicos como Mad Max e Laranja Mecânica, e até novidades tipo Jogos Vorazes. Geralmente, a sociedade nesses filmes passa por algum trauma, como totalitarismo político, pobreza extrema, opressão policial… Essas obras, em suma, identificam problemas no mundo real, atual, e os elevam a níveis estratosféricos
De uns tempos pra cá, a distopia migrou das telonas para as telinhas, produzindo séries de TV maravilhosas. Caso você curta esse gênero, trate de assistir The Leftovers, Orphan Black, Westworld e The Man in the High Castle – todas trazem algum contexto hipotético que alerta para problemas já existentes e bem conhecidos. A última nessa leva de programas é The Handmaid’s Tale, baseada no livro O Conto da Aia, de Margaret Atwood.
No universo da série, as taxas de fertilidade caíram drasticamente devido à poluição ambiental e a doenças sexualmente transmissíveis. Nesse cenário caótico, um grupo cristão fundamentalista toma o poder nos EUA e estabelece um regime totalitário, a “República de Gilead”. O papel das mulheres ali é extremamente limitado: elas não podem trabalhar, ter conta em banco, nem ao menos ler. As poucas que ainda podem ter filhos são transformadas em handmaids: escravas sexuais designadas, cada uma, para uma família da elite de Gilead, com o único propósito de engravidar.
The Handmaid’s Tale é exibida nos EUA desde abril pela plataforma Hulu, um serviço de streaming nos moldes da Netflix. A primeira temporada, de dez episódios, foi aclamada pela crítica: ela foi eleita a melhor série no Emmy e no Globo de Ouro. Listei alguns motivos para você dar uma chance para a série antes que o segundo ano chegue às telas, em 2018.
1. Os paralelos com a vida real
June, a protagonista, está tentando fugir de Gilead para o Canadá com a família, mas é perseguida, aprisionada e separada do marido e da filha. Ela é enviada a um centro de treinamento, onde passa por uma espécie de preparação, junto a outras mulheres férteis, para aprender os rituais e costumes das handmaids, e como deve se portar nessa nova ordem. Tempos depois, quando é considerada apta, June é delegada ao lar do Comandante Fred, e renomeada Offred – “De Fred”, em português. Cada handmaid é conhecida assim, Of + o nome do homem a qual devem servir. Seu dever é engravidar e fornecer um herdeiro para a família: as autoridades de Gilead celebram as handmaids como salvadoras da pátria, as únicas capazes de popular o país e acabar com a possibilidade de extinção, mas as relegam a escravas sexuais na intimidade.
A série faz um ótimo trabalho ao discutir as liberdades individuais dessas mulheres e apresentá-las como privadas de qualquer prazer ou dignidade. Os episódios trazem flashbacks de suas vidas pré-Gilead, dando dimensões às ações e explicações sobre o comportamento de cada uma delas. Os paralelos com o clima político atual nos Estados Unidos (e no resto do mundo) são evidentes. Margaret Atwood escreveu O Conto da Aia em 1985, há 30 anos – o que só confirma a perenidade de questões como feminismo, liberdade política e fundamentalismo religioso.
2. O elenco é afinadíssimo
Os rostos são familiares para quem acompanha séries. June é vivida por Elisabeth Moss, a Peggy Olson de Mad Men, que brilha em cada cena, transmitindo o desespero com um único olhar ou inflexão na voz.
Os homens do elenco também mandam bem – Joseph Fiennes, de Shakespeare Apaixonado, é particularmente ameaçador como o asqueroso Comandante. Mas The Handmaid’s Tale é uma série sobre mulheres, então é lógico que as melhores atuações são delas: Yvonne Strahovski (de Dexter e Chuck), Ann Dowd (The Leftovers, Freaks and Geeks), Samira Wiley (a Poussey de Orange Is the New Black) e Alexis Bledel (Rory Gilmore sabe atuar!) entregam performances perturbadoras – não tem como não se emocionar com cada uma delas. A série narra a história de June, mas as coadjuvantes transformam The Handmaid’s Tale em um espetáculo.
3. A fotografia
Existem séries visualmente bonitas, e existe The Handmaid’s Tale. A direção de arte aqui é fenomenal: tudo funciona, seja o uso de cores – as handmaids usam vermelho-sangue, as esposas dos Comandantes se vestem de um azul pálido –, o trabalho de câmera, o enquadramento, a luz… Temos a impressão de que cada frame, por mais breve que seja, tenha sido pensado e repensado diversas vezes, e o resultado é um primor técnico. O A.V.Club fez uma seleção com as melhores cenas da primeira temporada, que vale a pena conferir. Aqui embaixo estão algumas das que eu mais gostei.