Juiz federal Walter Nunes da Silva Júnior criticou demora da Anvisa em regular o cultivo da Cannabis para fins medicinais e de pesquisa.
O juiz federal Walter Nunes da Silva Júnior conversou com a SUPER sobre o habeas corpus concedido a uma paciente de Natal (RN), garantindo seu direito de importar e cultivar sementes de maconha para tratar os sintomas do mal de Parkinson. O magistrado mostrou-se preocupado com a falta de regulamentação do cultivo de Cannabis para fins medicinais no País. Ele acredita que a falta de regulação da matéria não apenas impede o acesso de um número maior de pacientes ao tratamento como impede o desenvolvimento da pesquisa e da exploração econômica dos usos terapêuticos da planta. “Até os Estados Unidos, que iniciaram toda a guerra às drogas, estão autorizando o cultivo para fins medicinais. Por que o Brasil vai ficar de fora? É um prejuízo para nossa sociedade”, diz. Confira a entrevista:
SUPER: O que orientou sua decisão favorável à importação das sementes?
Walter Nunes: A importação do princípio ativo da Cannabis foi autorizada pela Anvisa, porém houve uma restrição para produtos industrializados. Além de não estar claro o porquê da restrição, a agência cria uma dificuldade de acesso ao tratamento, porque desse modo ele se torna bastante caro. O levantamento que fiz sobre as condições da Márcia [Saldanha Pacheco] daria pouco mais de R$ 1 mil por mês. Além disso, na lei de drogas, o parágrafo segundo diz que cabe à União disciplinar o cultivo plantio e extração de substâncias entorpecentes para fins medicinais. Quando a Anvisa foi disciplinar a autorização para a Cannanbis sativa ela mesma reconheceu suas propriedades terapêuticas. Se houvesse permissão de importação das sementes da planta, poderia haver o cultivo aqui, com controle, obviamente, como fazem diversos outros países. Isso também permitiria que universidades pudessem desenvolver estudos. Então, além de negar acesso a um número maior de pessoas, estamos prejudicando a pesquisa dessa cultura para fins medicinais. Isso é importante não só por causa da questão de saúde, mas também da exploração econômico-financeira dessa atividade.
S: A medida vale apenas para essa paciente, certo?
WN: Sim. Temos uma situação delicada que é a judicialização da saúde. Procurar fazer política pública por meio de decisões judiciais. Todos vão ter que recorrer ao Judiciário. Naturalmente, quem se encontra na mesma situação da Márcia vai ter que encontrar um juiz que conceda um HC semelhante. Não é o ideal. O ideal é regular o cultivo de Cannabis para uso medicinal para todas as pessoas de modo uniforme por meio da União.
S: E por que acha que essa matéria ainda não foi regulada?
WN: Acredito que há uma preocupação quanto ao controle dessas plantas, porque poderia haver um desvio para outra finalidade. Esse receio não se justifica. Há uma omissão que está arranhando um direito fundamental e descumprindo uma missão do poder público. Especialmente porque não falamos nem de uso recreativo, mas medicinal. É um contrassenso. Ao mesmo tempo a Anvisa diz que tem que incentivar a pesquisa e ela impede a pesquisa.
S: Acha que seguirão outros processos?
WN: Certamente que sim, mas acho que a regulamentação da matéria pelo Judiciário não é o melhor caminho. Infelizmente, fica sendo o única solução possível e razoável e ao alcance de uma pessoa individualmente. Mas o ideal seria ser disciplinado de modo uniforme e que se garanta o mais importante: o acesso ao tratamento de saúde. O certo é que em razão de uma decisão dessas houvesse uma nova discussão no interior da própria Anvisa para, de uma vez por todas, fazer a disciplina a respeito do plantio tal como está em lei. O legislativo fez a parte dele. Esta faltando a União fazer a dela. A Anvisa não regulou a forma de adquirir o produto industrializado? Tem todo o procedimento, é extremamente burocrático. Eu vi lá, é um negócio que acho que sozinho não sei se conseguiria fazer. É preciso regular também como que seria a importação da semente. É preciso uma regulação.
S: Como essa falta de regulação afeta pacientes e pesquisadores?
WN: No caso concreto é a solução para melhorar a qualidade de vida da paciente, não vejo como deixar de atender um pleito dessa natureza. Mas dentro do universo, [essa decisão] é uma gota no oceano. Tem pesquisador comparando essas novas formas de tratamento ao descobrimento da penicilina e estamos ficando de fora desses estudos. Estamos ficando para trás nesse assunto.
Até os Estados Unidos, que iniciaram toda a guerra às drogas, estão autorizando o cultivo para fins medicinais. E não estou nem falando da questão de que em alguns Estados estão abrandando a lei até para o uso recreativo, mas para fins medicinais. E mais, estão avançando na exploração econômico-financeira dessa atividade. Por que o Brasil vai ficar de fora? Tem alguém que está errado nessa história. É um prejuízo para nossa sociedade, de modo geral. Ainda mais sabendo que o Brasil é uma referência internacional no agronegócio. O País tem institutos com interesse de trabalhar com a Cannabis para atender a população que precisa de produtos feitos com a planta e a gente não tem a possibilidade de importar sementes sequer para estudos científicos. Não me parece que seja uma política adequada.