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Estreia hoje: ciclo de debates sobre maconha, na Matilha Cultural

Por Tarso Araujo
Atualizado em 21 dez 2016, 08h49 - Publicado em 21 Maio 2014, 16h35

drogas

Hoje começa o ciclo de debates da mostra “A história da Cannabis – Uma planta Proibida”, que estreou semana passada, com peças e conteúdo do Hash, Marijuana and Hemp Museum, de Amsterdã. Mais do que contar história, essa exposição faz história. É a primeira mostra brasileira exclusivamente dedicada a essa planta pra lá de polêmica – e útil.

No debate de hoje, às 20h, eu, o neurobiólogo Renato Filev e os pacientes Maria Antônia e Gilberto Castro falaremos sobre maconha medicinal. Nas próximas duas semanas, sempre às quartas, às 20h, tem mais duas rodadas de conversas – a programação está no flyer aí de cima.

Essa exposição coroa um momento especial do debate sobre regulamentação da maconha – e sobre guerra às drogas, de modo geral. Este tem sido maio de vitórias, de consolidação e de novas demandas no alto-falante. Ter uma exposição sobre a história da cannabis nesse momento é emblemático e simbólico.

Além de mostrar cerca de 90 objetos, fotos e painéis, a mostra tem uma versão enxuta da linha do tempo do especial A Revolução da Maconha, que fiz para a revista Superinteressante. E outra coisa igualmente superinteressante: uma mostra de cinema!

A Matilha programou em sua sala exibições gratuitas de Cortina de Fumaça, de Rodrigo McNiven, e Quebrando o Tabu, de Fernando Grostein, entre outros filmes. Oportunidade boa de ver (ou rever) na telona esses dois já clássicos libelos contra a guerra às drogas.

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E todas as sessões da mostra são abertas pela versão estendida do Ilegal, com 22 minutos, preparada apenas para exibição em cinema. Imperdível.

A programação completa está no site da Matilha Cultural, que fica na rua Rego Freitas, 542, Consolação.

Antes de ir para lá, recomendo que você leia a entrevista abaixo, com Rebeca Lerer, curadora da mostra e fundadora da rede Pense Livre.

Rebeca, qual a importância de uma exposição como essa na Matilha?

É algo fundamental para aprofundar o conhecimento de uma forma qualificada sobre a planta Cannabis. O objetivo da exposição é trazer informações sobre o histórico de uso da planta. Hoje só se fala do aspecto droga, aos poucos começamos a falar dela como medicamento, mas tem muito mais que isso. A fibra de cânhamo foi um dos produtos agrícolas mais importantes da história da civilização ocidental. Trazer isso à tona, educar as pessoas sobre isso, ajuda a diminuir o estigma e a ignorância sobre a cannabis e melhora a discussão sobre as leis que atualmente controlam o cultivo e o uso dessa planta.

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Como está organizada a exposição?

O conteúdo está estruturado em quatro eixos: medicinal, industrial, histórico/cultural e proibição. A ideia foi mostrar esses quatro aspectos da Cannabis dos pontos de vista histórico e contemporâneo. Em todos os temas há ilustrações e objetos que contextualizam a cannabis em diferentes momentos do desenvolvimento da nossa sociedade.

A parte medicinal, por exemplo, mostra como ela era usada com medicamento há muitos anos. Tem vidros de remédio e prescrições de cannabis do século 19, mostrando como a maconha já foi um dos principais remédios da nossa farmacopeia e como a proibição nos privou do acesso a esse medicamento, deixando milhões de pessoas sem acesso a esse tratamento.

Na parte industrial, as pessoas se surpreendem de ver que a cannabis foi fonte de uma fibra tão importante. Elas nem sabem que a planta foi e continua sendo usada para fabricação de tecidos, cordas e outros bens industriais. Na exposição elas se dão conta disso vendo os tecidos feitos de cânhamo, a roca antiga usada para tecelagem e outros itens modernos, como um painel de carro feito de bioplástico de hemp, biodegradável, reciclável e deixa os carros mais leves, diminuindo o consumo de petróleo. Esse item é um exemplo de que a tecnologia pode fazer bom uso dessa planta hoje em dia também. Ela pode ser tão importante agora como foi no tempo do descobrimento das Américas, quando as velas e as cordas dos barcos eram todas de cânhamo.

E foi difícil trazer tantos produtos de cannabis para o Brasil?

Totalmente! A primeira grande dificuldade foi achar um despachante. Falamos com uns 20, sem exagero. Cada um indicava seu concorrente, querendo passar a bucha adiante. A gente percebeu que tem uma ignorância tremenda sobre o assunto e um tabu nos serviços oficiais, só por causa do tema da exposição. Apesar de não trazer nada de planta ou semente, tudo era superdifícil por causa da simples ignorância. Ninguém sabia que tipo de autorização cada um dos 90 objetos que trouxemos precisava para entrar no país. Para alguns precisava de autorização da Anvisa, para outros, da Secretaria de Comércio Exterior, outros do Ministério da Agricultura. Até a Receita Federal ficou meio confusa, em dúvida sobre os produtos de cânhamo. Afinal achamos um despachante que assumiu um risco, entendeu o que a gente queria fazer. Ele viu que havia um risco mas decidiu comprar essa briga. Agradeço muito ao Victória Logística.

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Eles tinham medo de que? De serem acusados de tráfico?

Ou de tráfico, ou apologia ao crime. As pessoas têm medo de falar sobre esse assunto publicamente. Era pura ignorância, porque nada procedia. Na medida em que entrávamos com os documentos, as licenças saíam. A burocracia foi complicada como é com qualquer exposição. Mas o medo das pessoas se queimarem por se associar à causa tornou tudo mais difícil. Foi como na época em que saiu a semSemente (primeira revista de cultura canábica do Brasil), quando a gráfica não quis imprimir.

E rolou algum outro esforço para evitar problemas?

A gente mandou carta para embaixada do Brasil na Holanda e da Holanda no Brasil para deixar nossas intenções claras e ninguém nos acusar de apologia ou qualquer tipo de comportamento ilícito. Também procuramos antecipadamente o Ministério Público Estadual. Foi uma oportunidade de falar com os promotores antes, para evitar acusações de apologia. E nisso também a exposição ajuda a discussão política. Vira uma ferramenta para abrir o diálogo. Estamos conversando e falando sobre maconha com o mesmo MP que dois anos atrás impedia a realização da Marcha da Maconha em SP. É mais uma prova concreta de como a gente avançou no debate.

Acha que a exposição contribui para avançar ainda mais?

Certamente. Aos poucos, o tabu vai sendo quebrado. Os médicos vão se sentindo à vontade para falar sobre cannabis, os jornalistas para falar de modo adequado sobre o assunto. E a sociedade vai se preparando para discutir o assunto de forma embasada, sem medo. Não dá mais para viver nesse medo. A exposição ajuda a quebrar esse tabu chamando a atenção de outras mídias. Eu dei entrevista para o programa do Amaury Junior, por exemplo, que viu ali uma oportunidade de abordar esse assunto de uma maneira neutra, que não fala só da droga, mas do conteúdo histórico, com acervo de um museu holandês. Acaba pautando veículos que talvez não estivessem prontos para lidar com esse assunto. Coloca a questão das drogas no lugar a que ela pertence, que é o da cultura e do comportamento. Hoje a gente só fala de drogas nos âmbitos da saúde e da justiça criminal; mas a ciência mostra que a imensa maioria dos usuários de cannabis (mais de 90%) não desenvolvem uso problemático nem se envolvem em atividades criminosas. Trazer essa discussão para o campo da cultura e do comportamento ajuda a mudar a percepção pública e normalizar a discussão. É um gancho para trazer amigos e familiares e falar abertamente sobre o assunto. Passou da hora do usuário sair do armário e lutar pelos seus direitos também.

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