Como dados podem se transformar em boas histórias: entrevista com Gabriel Gianordoli
O designer capixaba Gabriel Gianordoli (31) é um dos principais nomes da visualização de dados no Brasil. Por seus trabalhos nas revistas Superinteressante e Época Negócios, Gabriel foi premiado internacionalmente (foram quatro SNDs e um mérito no SPD) e ele agora vive em Nova York, onde cursa um master na Parsons The New School for Design. Gabriel também teve experiências com criação de ARGs (Alternate Reality Games) e marketing. Na entrevista a seguir ele fala sobre infografia, sobre jornalismo, sobre a importância da programação em data visualization e sobre como dados podem se transformar em boas histórias.
1) Como o data visualization pode ser usado para contar histórias?
Gabriel Gianordoli: Talvez dê pra dividir em visualizações mais “exploratórias” e visualizações “narrativas”. O NY Times têm feito mais do segundo, geralmente usando gráficos como material auxiliar nas reportagens:
Mesmo tendo o gráfico como elemento principal, você pode ter uma narrativa. Depende do quanto os elementos auxiliares — texto, no caso — ajudam a costurar a história e de como ela é editada. Esse é um bom exemplo:
Mas às vezes você consegue encontrar histórias numa visualização exploratória como essa aqui:
Se você der zoom até uma parte que conheça e seja relevante pra ti, a informação do mapa vai se conectar com o seu conhecimento prévio e construir uma história.
É um pouco o mesmo que acontece aqui:
Só olhar as tags diz muito. Mas a partir do momento em que você explora a evolução delas ao longo do tempo e conecta com sua memória — “ah, sim, nessa época a manifestação deixou de falar só de tarifa de ônibus” —, isso vira uma história.
2) E você conhece bons casos de uso dessa linguagem em aplicações comerciais ou publicidade?
Gabriel: Sobre publicidade, o estúdio Fathom faz bastante coisa pra GE. Não é exatamente propaganda, mas talvez se encaixe como publicidade…
Exemplos:
https://fathom.info/kitchen
O Facebook Stories às vezes tem umas visualizações:
Enfim, tem muitos “data-artists”/”data-visualizers” que fazem trabalhos comissionados.
3) Bom, vamos falar um pouco sobre sua carreira. Qual é sua formação? Como a universidade te ajudou a se preparar para o trabalho que você desenvolve hoje?
Gabriel: Sou formado em “Desenho Industrial – Programação Visual”— um nome grande usado nas universidades federais pra se referir a “Design Gráfico”. Também fiz 2º grau técnico em edificações.
Acho que a influência do primeiro no que eu faço é meio óbvia. Tenho uma base visual — cor, tipografia, layout — que veio de lá. O segundo me ajudou também. A maioria das coisas que eu faço — infográfico ou visualização — têm um visual mais técnico, que acho que tem a ver com meus tempos em Edificações. Fora a base de matemática que acabou me ajudando muito com toda a trigonometria que eu uso quando programo.
4) E qual foi seu primeiro emprego?
Gabriel: Monitor de matemática! Aos 17 anos, na escola técnica onde estudei!
5) Como você acabou na equipe que desenvolveu o ARG “Zona Incerta”?
Gabriel: Eu entrei para um programa de treinamento para jovens talentos da Editora Abril, o “Curso Abril”. Nesse programa as pessoas ficam “alocadas” em uma redação da empresa por um mês — não fisicamente, mas desenvolvendo um projeto com ela. Eu fiquei na Superinteressante e um dos meus projetos era ajudar a redação com um proto-ARG. Na época eu fazia bastante coisa em Flash. Daí, quando formaram a equipe que desenvolveu o “Zona Incerta” (Grande Alternate Reality Game desenvolvido para o Guaraná Antártica), isso era um conhecimento útil: um designer gráfico que conseguia programar um game também.
6)Quem são suas principais influências em infografia e data visualization?
Gabriel: Em jornalismo, Alberto Cairo e Luiz Iria. O Cairo é um raríssimo caso de ponte entre teoria/mundo acadêmico e prática/mundo profissional. O Iria tem um talento nato pra impactar as pessoas. Os trabalhos dele atendem a uma função emocional que muitas vezes é ignorada — não só em infografia, mas em design também.
Essas são as referências mais próximas, afinal eu aprendi infografia no meio jornalístico. Mas quando descobri visualização com código, passei a acompanhar também Jer Thorp, Moritz Stefaner, Santiago Ortiz e outros.
Quando eu cheguei na Super, a revista já tinha uma base bem sólida de infografia. Aprendi bastante, especialmente em termos de processo — juntar todo mundo numa reunião inicial para discutir as informações, rafear (fazer um “rascunho”) a estrutura, pensar na linguagem… Enfim, foi incrível tudo isso, era uma publicação já com dezenas de prêmios nessa área.
Depois de um tempo lá eu fui começando a me interessar por visualização de dados, que era uma coisa relativamente nova. Não tinha muita gente com quem aprender isso, mas pelo menos tinha espaço pra ir nessa direção.
7) E que prêmios você já ganhou em sua carreira?
Gabriel: 2 SND (The Society for News Design) pela Super e 2 SND pela Época Negócios. Fui também finalista de um SPD (The Society of Publication Designers) com um infográfico pra Super, finalista de 2 prêmios ESSO com matérias da Super e shortlisted pra Cannes com o ARG. E tive uma matéria (pra Super) selecionada pra 10ª Bienal de Design Gráfico (ADG).
E essa é meio clichê, mas é sincera: apresentei um brinquedo que fiz (https://gabrielmfadt.wordpress.com/tag/simon-says/) numa feira aqui e fiquei muito feliz com o feedback das crianças! Uma até me mandou email querendo saber quando vou produzir de verdade e vender!
8) Você também teve uma experiência na área de marketing, né? Quais são as principais diferenças em relação ao editorial?
Gabriel: Eu fazia muita proposta de projeto. A maioria deles era só proposta mesmo, então nunca foram publicados. Os que acabavam sendo vendidos eram produzidos por uma empresa terceirizada.
Então pra mim foi uma época difícil, porque eu nunca via o resultado do meu trabalho. Só depois de passar por lá que me dei conta de que precisava disso pra sentir satisfação com o que eu produzia.
9) Como você começou a usar a programação na visualização de dados e qual é a importância dela no seu trabalho hoje?
Gabriel: Quando entrei pra Super em 2008, começaram a pipocar referências do que a gente agora chama de visualização de dados — na época era tudo “infografia”, mesmo. Eu acompanhava tudo, especialmente o que saía no blog do Manuel Lima, o Visual Complexity. Clicando nos projetos e indo atrás do autores, descobri que muitos usavam Processing. Eu nem sabia ainda o que era, achava que era um software, não uma linguagem de programação.
Quando aprendi a usar — com um curso no Sesc — foi uma revelação: tinha quase 3 anos que eu não fazia nada de programação porque eu não gostava tanto de web. Mas o Processing me fez juntar visual com código para fazer qualquer coisa — o que era bem diferente do que eu fazia em Flash, que era mais orientado a games ou web.
Hoje isso é extremamente importante para mim. Descobri que a programação é um material para você ampliar suas capacidades em qualquer coisa. Em visualização, por exemplo, ela pode te ajudar a desenhar algo que sua mão nunca conseguiria. E também na parte de obtenção e filtragem dos dados, ela pode tornar possível tarefas como contar milhões de pixels, acessar 3000 páginas ou transformar dados de som em alguma coisa visual.
10) Quais são os 3 trabalhos que você mais se orgulha de ter feito?
Gabriel:
1) A matéria “A nova história” do Brasil — que não é infografia! Gosto dessa ideia de explorar a “interatividade” do papel: ainda que seja limitada a passar as páginas!
2) “Todas as cores da arte”, que é uma visualização. Esse reflete um pouco o que me interessa atualmente: usar programação para obter os dados também, não só pra visualizar.
3) Os “cardápios” da Super, que eram uma visualização diferente a cada mês. Fiz coisas melhores depois, mas esse tem um gostinho de experimentação com uma coisa nova!
11) Legal, agora falando de sua experiência fora do jornalismo. Você trabalhou um tempo no Itaú, né? Como foi sua experiência lá?
Gabriel: Foi incrível e bem diferente do meu trabalho com revistas. Em duas coisas, principalmente: primeiro, por envolver bastante pesquisa com usuário e entrevista. Antes de trabalhar lá acho que eu só tinha feito isso na faculdade.
Segundo pela método de prototipar, testar e corrigir as coisas. É difícil pra um designer gráfico receber feedback sobre seu trabalho — tanto no sentido de não ser muito usual quanto de ser duro mesmo! Mas isso foi bom pra mim e me fez crescer como designer de interação. Essa parte foi fundamental.
12) E o que você está fazendo hoje?
Gabriel: Estudando, mas é quase um trabalho! Faço um mestrado em Design & Technology pela Parsons The New School for Design. O curso tem bastante aula prática — physical computing, data visualization, game, interaction design… Tem uns projetos no meu blog.
13) Que dica você daria para o estudante que sonha em trabalhar com infografia e data visualization?
Gabriel: Depende um pouco de para onde ele quer ir. Tem muito infografista incrível que não programa — Alberto Cairo, Giorgia Lupi e Stefanie Posavec, por exemplo. Porque no fim das contas visualização de dados é uma atividade que pode envolver várias áreas — jornalismo, análise de dados, design visual, design de interação, ciências da computação… Acho que saber bem uma e ter um grande interesse em pelo menos mais uma é um caminho.
Começar a decidir isso é sempre difícil pra quem está estudando. Mas acho que um início é ir pesquisando trabalhos de outras pessoas e descobrindo o que elas fazem.