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Mariana Inglez ajudou a identificar esqueletos da Vala Clandestina de Perus

A #MulherCientista dessa semana analisa características dos ossos para reconhecer as vítimas. Ela já revelou a identidade de dois perseguidos políticos mortos durante a ditadura militar.

Por Maria Clara Rossini
28 Maio 2021, 20h55

Em setembro de 1990, vieram a público 1.049 sacos enterrados no distrito de Perus, zona noroeste da cidade de São Paulo. O conteúdo: ossadas humanas. O local havia sido usado na década de 1970 para desovar corpos clandestinamente. A escavação ocorreu, em grande parte, devido à pressão das famílias de desaparecidos políticos mortos durante a ditadura militar. Muitos sabiam da criação dessa vala para enterrar pessoas desconhecidas.

Mais de 30 anos depois, os esqueletos encontrados na Vala Clandestina de Perus ainda são estudados por pesquisadores na tentativa identificar as vítimas e dar respostas aos familiares dos desaparecidos. A bioantropóloga Mariana Inglez foi uma das pessoas que ajudou a revelar a identidade de pelo menos dois esqueletos encontrados em Perus.

Mariana sempre estudou em escolas públicas. Quando prestou o vestibular, conseguiu uma bolsa do ProUNI para para garantir sua permanência no curso de ciências biológicas na Universidade Mackenzie. Durante a graduação, ela se interessou pela bioantropologia, área que une a antropologia ao estudo da evolução, genética e toda a biologia que envolva populações humanas. No mestrado, a pesquisadora aprendeu a fazer análises minuciosas de crânios e esqueletos sob orientação de Walter Neves, um dos pioneiros nos estudos de evolução humana no Brasil.

Devido à experiência com esqueletos, ela foi contratada como consultora no projeto de identificação de corpos na Vala de Perus. Como bioantropóloga, Mariana traçava o perfil biológico dos esqueletos. Ela verificava a idade do indivíduo, o sexo biológico, a existência de lesões em vida e a possível causa de morte.

A idade dos esqueletos pode ser inferida pelos estágios de desenvolvimento dos ossos ou dos dentes. Já o sexo é determinado pela forma dos ossos do quadril e do crânio. Com mais de mil esqueletos em mãos, é preciso fazer essas delimitações básicas antes de enviar as amostras para a análise de DNA. É ela que vai complementar e confirmar a identidade das vítimas.

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Para além das características estritamente biológicas, a leitura dos esqueletos também permite descobrir pistas sobre como era o estilo de vida da pessoa. Deficiências nutricionais podem deixar marcas nos ossos e dentes, indicando se aquele indivíduo passou por alguma restrição alimentar ao longo da vida. Doenças como sífilis e inflamações graves também podem ser identificadas nos esqueletos.

As fraturas ósseas talvez sejam as características mais evidentes de como ocorreram as mortes. Muitos possuem marcas de balas ou contusões que não permitiriam a sobrevivência do indivíduo. 

Com essas informações em mãos, os pesquisadores conseguem comparar as características físicas do esqueleto com a lista de desaparecidos políticos. Enquanto Mariana trabalhou no projeto, os perseguidos políticos Dimas Casemiro e Aluísio Ferreira foram identificados nos esqueletos.

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“Essa pesquisa, que continua em andamento, tem aplicações diretas para a garantia de direitos humanos. Tentamos dar uma resposta pras famílias que estão há tanto tempo no escuro, além de trazer à tona a memória coletiva da ditadura”, diz a pesquisadora.

Dieta ribeirinha

Mariana saiu do projeto em 2018 para se dedicar ao doutorado no Laboratório de Arqueologia e Antropologia Ambiental e Evolutiva da USP. Ela já estava há algum tempo trabalhando com análises de esqueletos antigos, e então decidiu aplicar a bioantropologia em populações atuais. Hoje, ela estuda mudanças na dieta de populações ribeirinhas amazônicas. Ela pretende comparar os hábitos alimentares e estilo de vida com os registros dos últimos 20 anos.

A coleta de dados é feita por um método chamado recordatório de 24h. A doutoranda vai à casa das pessoas todos os dias e anota tudo que a família comeu. Ela também aplica questionários que auferem renda e segurança alimentar, além de fazer medições corporais nas pessoas. O que se percebeu nos últimos anos foi um aumento no consumo de produtos industrializados, além de um aumento no sedentarismo.

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“Entender em que medida isso acontece em contextos específicos, como o de populações ribeirinhas, é fundamental para que possamos pensar em políticas públicas e projetos para garantir a segurança alimentar e estimular o consumo de alimentos locais, em especial considerando comunidades em maior vulnerabilidade”.

Devido à pandemia de covid-19, Mariana ainda não fez todas as visitas à campo, mas o período permitiu que ela adicionasse uma nova camada à pesquisa. Agora, ela também pretende realizar questionários para avaliar o impacto da pandemia nessas populações – como e quando as informações sobre o vírus chegaram às comunidades, que tipo de suporte tiveram, como sentiram a pandemia, se conseguiram praticar as orientações da OMS, se perderam parentes, e principalmente, quais foram os impactos em sua alimentação.

Em paralelo a tudo isso, Inglez ainda coordena o projeto de divulgação científica “Evolução para Todes”, que fundou com as pesquisadoras Lisi Muller e Eliane Chim. O projeto visa divulgar as pesquisas do laboratório onde trabalham, além de estimular o debate sobre inclusão racial e de gênero na ciência.

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