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Pesquisadoras brasileiras contam sobre o seu trabalho e os desafios da carreira.
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Maria Augusta Arruda revelou os truques do neutrófilo, célula do sistema imune

A #MulherCientista dessa semana começou a carreira estudando esse ator renegado das nossas defesas naturais – e hoje gere verbas de pesquisa na Universidade de Notthingham

Por Maria Clara Rossini
Atualizado em 10 Maio 2021, 16h50 - Publicado em 8 Maio 2021, 07h25

“Eu nunca me vi fazendo nada que não fosse ciência”. Essa é a primeira frase que Maria Augusta Arruda diz quando começa a contar sua história. Desde criança, ela gostava de misturar perfumes e brincar com kits de laboratório infantis. Durante o ensino médio, fez um curso técnico em biotecnologia, e logo depois passou em um concurso para trabalhar como biotecnóloga da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). No mesmo ano, passou no vestibular para cursar biologia lá mesmo. 

Na graduação, Arruda se interessou por um assunto bastante negligenciado na época: os neutrófilos, um tipo específico de célula do sistema imunológico. Arruda descreve os neutrófilos como “kamikazes”: a medula óssea os produz quando o corpo detecta algum perigo, e cada um deles só vive 24h para combater o invasor. Os pesquisadores não davam muita atenção a eles justamente porque achavam que não valia a pena estudar uma célula que vive tão pouco. Mas ela mostrou que os neutrófulos são suicidas bastante sofisticados.

Eles possuem em sua membrana um grupo de enzimas chamadas NADPH-Oxidase. Elas pegam as moléculas de oxigênio que respiramos (formadas por dois átomos de oxigênio, O2) e colocam um elétron a mais ali, formando o que se chama de superóxido. Esse superóxido é instável, e por isso acaba reagindo com outras substâncias ao seu redor – e é aí que a mágica do neutrófilo acontece.

Quando a célula engole um invasor, o superóxido é liberado aos montes. Ele danifica a parede da bactéria deglutida e dá origem a outras substâncias reativas – como a água oxigenada, que também colabora com a aniquilição do patógeno. Quando o neutrófilo não consegue identificar uma partícula única, ele adota a versão microscópica de atirar para todo o lado: joga o superóxido para fora de si. (A cientista, inclusive, descobriu que jogar superóxido na vizinhança do neutrófilo acaba aumentando sua vida útil).

Descobertas como essa podem levar a caminhos inusitados. Arruda percebeu que algo parecido ocorria com as células cancerígenas. O melanoma possui uma enzima semelhante à NADPH-Oxidase, que fica ativa o tempo todo e produz muitas espécies reativas de oxigênio. Isso faz com que a célula viva por mais tempo e se espalhe, permitindo que o tumor avance pelo corpo. Esse trabalho venceu o prêmio Para Mulheres na Ciência, concedido pela Academia Brasileira de Ciências, Unesco e L’Oréal.

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Além de bactérias e outros agentes invasores, outra presença que pode “convocar” os neutrófilos são as chamadas moléculas heme. Elas fazem parte da hemoglobina, e portanto costumam ficar dentro das hemácias, os glóbulos vermelhos. Mas doenças como anemia falciforme e malária fazem essas células explodirem, liberando a molécula heme na corrente sanguínea.

Quando isso ocorre, as moléculas heme atuam como um sinal de alerta para o sistema imunológico. A pesquisa de Arruda foi a primeira a mostrar que a molécula heme é pró-inflamatória e modula a atividade dos neutrófilos.

“Eu fui discriminada como qualquer mulher negra na ciência. E o neutrófilo era aquela célula discriminada também, com a qual ninguém queria trabalhar. Hoje eu sinto que queria defender e me vingar pelo neutrófilo. Então isso é interligado, a minha experiência pessoal com a ciência”, diz Arruda.

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Hoje, a Maria Augusta Arruda não trabalha mais na bancada do laboratório, mas não significa que ela deixou de ser cientista. “Ser pesquisadora e cientista são coisas diferentes. Pesquisar é uma atividade que você pode desenvolver por um período, mas ser cientista é para a vida toda”, ela diz.

Tudo mudou quando ela foi chamada para coordenar uma parceria entre a Capes, uma agência de fomento à pesquisa brasileira, e a Universidade de Nottingham, no Reino Unido. O desenvolver tecnologias de descoberta de novos fármacos. O programa recebeu alunos entre 2015 e 2019, quando foi encerrado.

A parceria com os britânicos foi um primeiro passo para a carreira em administração de ciência. Ela foi convidada para ser gestora de projetos estratégicos na Universidade de Nottingham, onde trabalha até hoje. Sua função é garantir que os recursos fornecidos pelo UK Research and Innovation, que é tipo o CNPq do Reino Unido, sejam direcionados aos projetos mais relevantes.  

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Com a pandemia, ela se tornou líder estratégica de pesquisas em covid-19 da Universidade de Nottingham, o que abrange não só a área biomédica, mas também estudos em economia e sociologia. Um dos projetos, por exemplo, avalia o aumento de casos de escravidão moderna devido à menor fiscalização durante a pandemia.

Maria Augusta Arruda se tornou mãe em meio a tudo isso. Para conciliar a pesquisa com a maternidade, precisou levar sua filha a congressos científicos quando o bebê tinha só 11 meses, algo que não era normal duas décadas atrás. 

Hoje, o Currículo Lattes (plataforma que reúne informações sobre a carreira de todos os pesquisadores do País) foi atualizado para incluir a licença maternidade das pesquisadoras. Já o prêmio Para Mulheres na Ciência, que Arruda venceu em 2008, aumentou o prazo de inscrição para pesquisadoras que são mães. O prazo se estende por mais um ano para quem tem um filho, e mais dois anos para quem tem mais – as inscrições seguem abertas até o dia 10 de junho. Maria Augusta só teve uma: hoje, sua filha também mora no Reino Unido e estuda Filosofia da Ciência na Universidade de Manchester.

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