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Deriva Continental

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Um blog para terráqueos e terráqueas interessados no que aconteceu nos 4,5 bilhões de anos em que não estiveram por aqui. Feito pela Sociedade Brasileira de Geologia (SBG) em parceria com a Super.
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A Terra numa visão sistêmica: o que os últimos eventos geológicos e meteorológicos sinalizam.

Veja o que os terremotos no Marrocos e na Turquia, as fortes tempestades na Líbia e a seca na Amazônia têm em comum.

Por Carlos Cesar Uchoa de Lima
7 dez 2023, 14h36

Este é o 32º texto do blog Deriva Continental

A Terra é composta de várias partes que interagem entre si, em que a modificação de uma delas interfere na dinâmica do todo. Nas Geociências, dividimos a Terra em quatro grandes sistemas que se relacionam o tempo todo: geosfera, atmosfera, hidrosfera e biosfera.

Uma quinta “esfera” também pode ser adicionada à classificação: a  antroposfera, que se refere à atuação humana. É a interação entre essas “esferas” que dá dinamismo ao nosso planeta – explicando, por exemplo, a construção e modelamento de grandes montanhas, a origem dos oceanos e bacias hidrográficas, bem como modificações do clima na Terra.

Figura mostrando a interação entre as esferas da Terra.
A interação entre as esferas da Terra que dá dinamismo ao nosso planeta. As florestas, que fazem parte da biosfera, são responsáveis por retirar o excesso de CO 2 provocado pela antroposfera, através das queimadas e uso de combustíveis fósseis. (Divulgação/Reprodução)

Os terremotos, por exemplo, estão associados à dinâmica interna do planeta, que desenvolve o chamado Ciclo Tectônico. Um grande abalo sísmico traz consequências para a biosfera, como danos físicos e mortes de humanos e outros animais. E também para a antroposfera, pelas consequências psicossociais, causando desespero, sensação de impotência, dificuldade em acessar comida, água e abrigo.

Já as grandes catástrofes meteorológicas, como as tempestades e furacões, estão associadas à dinâmica externa da Terra, envolvendo principalmente a atmosfera e a hidrosfera. No entanto, esse tema tem provocado uma discussão na comunidade científica: até que ponto a antroposfera colabora para a ocorrência dessas catástrofes? 

Um olhar sobre os eventos sísmicos mais recentes

Ao longo da história, várias catástrofes ligadas à dinâmica interna da Terra foram registradas. Em relação às erupções vulcânicas, podemos citar a histórica e bíblica erupção do Vesúvio, que destruiu a cidade de Pompeia em 79 d.C. Também houve a erupção do Krakatoa na Indonésia em 1883, que originou um tsunami com 40 m de altura e deixou 35 mil mortos. Já o Nevado del Ruíz, na Colômbia, provocou um fluxo de lama em 1985, matando mais de 23 mil pessoas.  

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Já nos terremotos, temos o histórico sismo de 1556 na cidade de Shaanchi, na China, com número estimado de 830 mil mortes. Outros sismos que merecem destaque são o que destruiu a cidade de San Francisco, em 1906, e o terremoto de 2004 na ilha de Sumatra, na Indonésia, cujo tsunami matou 280 mil pessoas.

Um exemplo mais recente é o terremoto do Haiti em 2010, que destruiu a cidade de Porto Príncipe e, segundo as Nações Unidas, matou mais de 250 mil pessoas. Em fevereiro de 2023, dois terremotos de magnitudes 7,8 e 7,6 atingiram a Turquia, matando mais de 50 mil pessoas. Eles ocorreram ao longo de uma falha com deslocamento lateral, que limita as placas de Anatólia e da Arábia. Essa história foi contada neste texto do blog.

Não muito tempo depois, em setembro de 2023, um terremoto de magnitude 6,8 e profundidade de foco de 26,3 km atingiu o oeste do Marrocos. O epicentro estava a 75 km da cidade de Marrakech, que também foi afetada. Aproximadamente 60 eventos secundários, com magnitude variando entre 2 e 4, aconteceram nos dias seguintes, assustando os moradores locais.

Mapa de intensidade (danos ocasionados) do terremoto que atingiu o Marrocos em fevereiro de 2023.
Mapa de intensidade (danos ocasionados) do terremoto que atingiu o Marrocos em fevereiro de 2023. O mapa também separa as placas Eurasiática da Africana e delineia algumas das falhas ativas associadas à cadeia de montanhas do Alto Atlas. (Modificada a partir de imagem do Google Earth Pro, com dados fornecidos pelo USGS/Reprodução)

A Cadeia de Montanhas do Alto Atlas, onde ocorreu o terremoto, localiza-se na Placa Africana, que possui uma série de falhas ativas. Segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS), os dados preliminares apontam a existência de uma falha em que o deslocamento dos blocos rochosos é uma combinação de movimentos laterais e reversos (transpressivo).

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Como vimos antes, o terremoto da Turquia ocorreu em uma borda de placa. Já o terremoto do Marrocos aconteceu 550 km ao sul do limite entre as placas Africana e Eurasiática. Na região epicentral, a placa africana move-se aproximadamente 24 milímetros por ano. 

Eventos sísmicos que ocorrem longe das bordas das placas são denominados de “intraplaca”. Normalmente, os terremotos de alta magnitude não ocorrem nessas áreas com tanta frequência (mas sismos de menor magnitude podem ser comuns). Desde 1900 ocorreram nove terremotos com magnitudes maiores ou iguais a 5 em um raio de 500 km do evento, embora nenhum deles tenha atingido magnitude 6. Além disso, a maioria desses eventos ocorreu a leste do terremoto de 8 de setembro de 2023, se aproximando mais das zonas onde sismos de maior magnitude costumam ocorrer. 

Figura mostrando a falha com deslocamento transpressivo.
Falha com deslocamento transpressivo. Nesse tipo de movimento, além do movimento lateral entre os blocos, o bloco que está acima do plano de falha cavalga sobre o outro bloco. (Divulgação/Reprodução)

Terremotos de foco raso e com alta magnitude, quando atingem áreas populosas, sempre causam grandes estragos. O terremoto do Marrocos ainda contou com agravantes: o epicentro ocorreu em uma região que, além de ser montanhosa, concentra comunidades rurais que vivem em pequenas aldeias agrícolas, onde a construção de suas moradias não oferece qualquer resistência para um sismo dessa dimensão.

Além disso, o terremoto ocorreu à noite, quando muitas pessoas dormiam – não podendo reagir ao evento. Os dados mais recentes apontam que mais de 300 mil pessoas foram afetadas, com aproximadamente 3 mil mortes e 6 mil pessoas feridas. 

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Grandes catástrofes meteorológicas e a influência da antroposfera

A grande discussão entre geocientistas é se os eventos meteorológicos extremos estão ou não sendo afetados pela atuação humana. Em relação a essa questão, mostraremos alguns dados de interações sistêmicas para uma rápida reflexão.

No dia 19 de agosto de 2019, por volta das 16h, o céu da cidade de São Paulo escureceu, numa interação entre uma frente fria e a fumaça que veio das queimadas existentes na Amazônia brasileira e boliviana. Em 2021, tempestades de poeira atingiram estados do Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste do Brasil. Elas foram atribuídas, entre outros fatores, às áreas desmatadas do Pantanal e Cerrado.

A interação sistêmica entre a biosfera (floresta amazônica) e a atmosfera (representada pelo encontro das massas de ar na região equatorial) mantêm o regime de chuvas na Amazônia.

Não só isso, a floresta produz parte de suas próprias chuvas, através da transpiração e umidade da vegetação, influenciada pelos deslocamentos das massas de ar – que, de quebra, levam nuvens de chuva que precipitam no sudeste brasileiro.

Se a umidade diminui e a fumaça aumenta por causa das queimadas, essa fumaça acaba chegando nos estados do sudeste também. Vale ressaltar ainda que uma única árvore da floresta amazônica pode produzir entre 400 e mil litros de água por dia por meio da transpiração, que depois se reverterá em chuva.

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Figura mostrando uma interação sistêmica.
Uma interação sistêmica muito representativa é mostrada nessa figura. O relevo do oeste da América do Sul é dominado pelos Andes, formado pelo encontro das placas Sul Americana e de Nazca (ação da geosfera). De novembro a março, as massas de ar úmido formadas na ZCIT (atmosfera) invadem a Amazônia promovendo muita chuva (hidrosfera). Parte da umidade é originada pela transpiração da floresta (biosfera). As massas de ar são barradas pelos Andes e se deslocam na direção sudeste. Com as queimadas (antroposfera) a umidade diminui e as massas de ar, que antes proviam chuvas para o sudeste, acabam por levar fumaça. (Divulgação/Reprodução)

Longe do Brasil, um cenário de completa destruição foi ocasionado na Líbia por fortes chuvas da tempestade Daniel, que rompeu duas barragens, segundo relatório da ONU. A tempestade arrasadora começou a se formar quando as águas do Mar Mediterrâneo atingiram 27,5°C, provocando intensa evaporação e formação de nuvens de chuva, que logo causaram a tempestade. Outro agravante na Líbia são as questões políticas, já que lá coexistem dois governos paralelos há pouco mais de uma década. 

A cidade mais atingida pela catástrofe foi Derna, que fica na região leste da Líbia, área dominada pelo Exército Nacional e que não tem seu governo reconhecido pela ONU. As inundações ocasionaram milhares de mortes – e muitos corpos foram encontrados boiando nas águas do Mediterrâneo.  O número oficial de mortos é aproximadamente 4 mil, embora a Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU fale em número superior a 11 mil mortos e mais de 10 mil desaparecidos.

Mapa mostrando o aquecimento das águas do Mar Mediterrâneo.
Mapa simplificado e modificado, mostrando o aquecimento das águas do Mar Mediterrâneo. (Modificada a partir de imagem do Google Earth Pro, com dados fornecidos pelo NOOA/Reprodução)

Já no Brasil, vários eventos extremos têm ocorrido nos últimos anos. Em dezembro de 2021, cidades do sul e centro-sul da Bahia ficaram literalmente debaixo d’água, sendo Itamaraju e Jucuruçu as mais afetadas. Segundo os meteorologistas, uma combinação da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) e de um vórtice de umidade conhecido como Depressão Subtropical, formado no Oceano Atlântico, foi o suficiente para gerar ventos fortes e chuvas torrenciais, o que provocou as inundações, deslizamentos e destruição. 

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Esses eventos foram responsáveis por mais de 30 mil pessoas desabrigadas e pelo menos vinte mortes. Mais recentemente, várias cidades do Rio Grande do Sul, no vale do rio Taquari, foram atingidas por um ciclone tropical, ocasionando inundações com centenas de desabrigados e cerca de 50 mortes.

Atualmente, uma grande seca atinge a bacia do rio Amazonas. Imagens divulgadas pela mídia mostram grandes rios com leitos completamente secos. Sabemos que o aquecimento das águas do oceano Pacífico, denominado de El Niño, ocorre de tempos em tempos, e que ele diminui a quantidade de chuva na Amazônia. Entretanto, desde 2016 as secas estão mais severas e alguns especialistas até falam de um ponto sem volta, graças à amplificação dos efeitos do El Niño, provocada pela ação humana.

Apesar da distância entre Brasil e Líbia, as tempestades têm uma causa em comum: o aquecimento das águas. No caso da Líbia, as águas do Mediterrâneo, e no caso do Brasil, o aquecimento das águas do Pacífico. 

Esses eventos intensos e cada vez mais extremos estão relacionados às mudanças climáticas? Nunca se desmatou tanto, nunca tantas queimadas ocorreram, nunca tanto combustível fóssil foi usado. Como resultado de tudo isso, temos um aumento significativo de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, responsável pelo efeito estufa. Quanto mais CO2 no ar, mais aquecimento, pois os raios solares ficam aprisionados na atmosfera. Ao refletirem na superfície da Terra, eles não escapam livremente de volta para o espaço, aquecendo as áreas continentais e oceânicas. E quanto mais quente ficam as águas dos oceanos, mais intensas ficam as tempestades tropicais, os furacões e tufões, já que é nos oceanos que esses eventos se formam. Como consequência disso, mais catástrofes, mais destruição e mais perdas.

Figura mostrando a radiação solar atingindo a superfície da Terra.
A radiação solar atinge a superfície da Terra sob a forma de ondas curtas que são mais frias, mas, ao refletiram, retornam para o espaço como ondas longas que são mais quentes. O dióxido de carbono (CO 2 ) absorve e re-irradia as ondas longas (infravermelho), de volta para a superfície da Terra, aquecendo-a. O aumento de CO 2 provocado pela antroposfera, juntamente com o metano (CH 4 ), amplificam esse processo, ocasionando as mudanças climáticas. (Divulgação/Reprodução)

O que as Geociências nos dizem sobre eventos extremos 

Os processos das dinâmicas interna e externa da Terra normalmente são lembrados somente durante as grandes catástrofes. Entretanto, são eles que constroem o relevo do nosso planeta, originando as grandes cadeias de montanhas, como os Andes, os Himalaias e os Alpes. A energia do interior do nosso planeta promove a movimentação das placas tectônicas, de modo não só a construir montanhas, mas permitindo que continentes inteiros se separem ou se unam, criando espaço para a ocupação das águas e originando oceanos. 

Por outro lado, os processos da dinâmica externa do planeta têm o papel de modelar o relevo construído pela dinâmica interna. As geleiras que ocupam as partes altas das cadeias de montanhas promovem erosão e rebaixamento das mesmas. Já os rios são os principais agentes de erosão do relevo terrestre, podendo ser pequenas ou grandes bacias hidrográficas, como a do Amazonas na América do Sul ou a do Congo na África. Já os ventos atuam mais fortemente nas regiões desérticas, enquanto as marés e as correntes litorâneas modelam as linhas de costa.

As Geociências, representada pela Geologia, Geografia, Oceanografia, Geofísica e outras, desempenham um importante papel de esclarecer, prevenir, monitorar e mitigar eventos extremos. A antroposfera não é responsável pelas grandes catástrofes associadas à dinâmica interna do planeta, mas nossa atuação na atmosfera, hidrosfera e biosfera precisa ser repensada, refletida e discutida o tempo todo. Isso para que, dentro das relações sistêmicas da Terra, possamos agir como elementos de equilíbrio e sustentabilidade dos processos de superfície. Quando algum evento extremo acontecer, que estejamos dispostos a minimizar seus impactos, mitigando o que for possível. 

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