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Alexandre Versignassi

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Blog do diretor de redação da SUPER e autor do livro "Crash - Uma Breve História da Economia", finalista do Prêmio Jabuti.
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Não lave as mãos diante da responsabilidade

Diga o que digam os políticos, brecar o coronavírus é uma missão de cada um de nós.

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Atualizado em 26 mar 2020, 12h27 - Publicado em 20 mar 2020, 17h24

Não é trivial saber quantos casos de coronavírus realmente existem num país. A Coreia do Sul foi a primeira nação a testar sua população de forma ampla. Montaram até laboratórios drive-thru: você encosta o carro, um médico tira sua temperatura e pergunta se você esteve em contato com alguém suspeito de contaminação. Caso ele ache que você está mesmo em risco, o teste é aprovado. Ele vai recolher amostras da mucosa do seu nariz e da sua garganta, pela janela do carro mesmo. E você segue seu caminho. Leva 10 minutos.

Até meados de março, a Coreia tinha testado 250 mil pessoas. É pouco para uma nação com 51 milhões de habitantes: dá mais ou menos 5 mil testes para cada milhão de indivíduos. Mesmo assim, eles estavam anos-luz à frente de qualquer um. Sabe quanta gente a cada milhão de habitantes os EUA tinham testado até ali? 66. 

O Brasil ainda nem tinha compilado um número. E segue sem ter. No escuro, precisamos recorrer ao casuísmo. Então vamos lá: eu mesmo conheço gente entubada em UTI com todos os sintomas de Covid-19 e que não entraram para as estatísticas, pois seus testes ainda não haviam retornado. 

No dia 18 de março, o Ministério da Saúde se comprometeu a colocar 1 milhão de kits de teste à disposição do sistema de saúde nos próximos três meses. Não é pouco, mas, mesmo assim, isso só nos levaria ao nível em que os coreanos estão hoje, de 5 mil testes para cada milhão de pessoas. Depois, multiplicaram essa meta por 20, o que nos levará a 100 mil testes por milhão. Ainda assim não basta. 

Por conta do seguinte: previsão é a de que até 60% da população mundial deve pegar o vírus mais hora menos hora. A taxa real de letalidade talvez esteja na casa de 1%, contando todos os grupos etários – menor que os quase 4% de hoje, numa realidade em que só se testa quem está com sintomas fortes. Menor mas nada suave.

Se for isso mesmo, a conta de padaria dá 45 milhões de mortos no mundo, e perto de 1 milhão no Brasil. Como o número de idosos é menor que o de jovens, a quantidade bruta de mortes tende a ser menor. Ainda assim, rondaria as centenas de milhares.  

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Diante dessa realidade, não faz sentido que os isolamentos sejam suspensos. Como boa parte dos casos não envolve sintomas, e há relativamente poucos kits de teste hoje, o fato é que milhões de pessoas vão transmitir o vírus sem saber se as quarentenas forem suspensas. A começar pelas crianças voltando das escolas. 

Os pacientes que desenvolverem um quadro respiratório grave terão muito mais chance de sobrevivência se receberem bons cuidados médicos. Alguém com acesso a uma UTI e um aparelho respiratório vai se manter vivo por mais tempo. Talvez tempo suficiente para que seu sistema imunológico vença a batalha. Sem vagas nas UTIs, quem chegar aos estágios mais pesados de infecção pulmonar vai depender de um milagre.

No Brasil, é pior. É normal famílias estendidas morarem sob o mesmo teto nas nossas periferias e favelas, por absoluta falta de alternativa. Se só a vovó, a titia e o cunhado diabético ficam isolados, e as crianças vão para a escola, elas vão trazer o vírus de lá.

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Nisso, três pessoas da casa provavelmente vão precisar de hospital ao mesmo tempo. Não vai ter pra todo mundo – até porque o vírus não suspendeu os ataques cardíacos, o câncer, as tentativas de assassinato. Multiplique esse problema para todas as periferias do país, e você vai ter um holocausto.

Logo, precisamos diminuir a velocidade de propagação da doença. Sem isso, nem se o nosso sistema de saúde fosse igual ao da Coreia do Sul daríamos conta de tratar tantos novos doentes ao mesmo tempo. E ele é consideravelmente menor.

O Brasil entrou na epidemia contando com 1,95 leito hospitalar para cada mil habitantes. A Coreia, com 12,3 mil. Ou seja: mesmo se dobrarmos o número de vagas no país, ainda estaremos absurdamente distantes de onde eles estavam. Chegaríamos a um nível parecido com o da Itália (3,2 leitos). E sabemos que não bastou.

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Dados os casos assintomáticos, a única forma de impedir que a doença chegue rápido demais a muita gente vulnerável é todo mundo agir, na medida do possível, como se já estivesse infectado: isolar-se. Ponto.

Diga o que digam os políticos, faça como Pôncio Pilatos, só que ao contrário: não lave as mãos diante da responsabilidade. Brecar o corona é uma missão de cada um de nós.


Este texto é uma versão atualizada da Carta ao Leitor da versão impressa da SUPER.

 

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