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Alexandre Versignassi

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Blog do diretor de redação da SUPER e autor do livro "Crash - Uma Breve História da Economia", finalista do Prêmio Jabuti.
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Carta ao leitor: Macaco cidadão

Basta uma combinação de estímulos torpes para ativar nossos piores instintos. Evitá tais incentivos é o grande papel da civilização.

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Atualizado em 8 ago 2019, 15h18 - Publicado em 26 mar 2019, 20h28

macaco

Jane Goodall, hoje com 85 anos, foi a primeira pessoa a observar chimpanzés na natureza com rigor científico. Ao longo das décadas de 1960 e 1970, a primatologista britânica acompanhou de perto o dia a dia de vários bandos, para entender o modo de vida dos macacos. E fez uma descoberta de dar nó no estômago.

Grupos de machos de bandos rivais fazem patrulhas constantes nas fronteiras dos domínios inimigos. Se uma gangue encontra um indivíduo do outro grupo dando mole sozinho, não tem jeito. “Dois atacantes imobilizam a vítima e os demais o espancam, arrancam seus dedos e genitália a mordidas, dilaceram-lhe a carne, torcem seus membros, bebem seu sangue, lhe arrancam a traqueia”, descreve o neurocientista Steven Pinker em seu livro Os Anjos Bons da Nossa Natureza, no trecho em que resume os achados de Jane Goodall.

Em uma das comunidades que a primatologista estudou, os chimpanzés mobilizaram-se em “grupos de extermínio” assim até eliminar todos os outros machos de um bando menos numeroso, forçando as fêmeas vizinhas a aderir ao grupo deles – sim, porque não se trata apenas de uma guerra por recursos alimentares, mas também por recursos sexuais (leia mais sobre biologia evolutiva nesta reportagem de Ana Carolina Leonardi). Entre humanos, lembra Pinker, tal atitude receberia o nome de “genocídio”.

Os chimpanzés, você sabe, são nossos parentes mais próximos. Nosso ancestral comum com eles viveu há 7 milhões de anos, pouco tempo na escala evolutiva. Compartilhamos 96% dos nossos genes com eles. 

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Os genocídios da floresta, então, dão uma ideia de como a violência está enraizada na natureza humana. Nossos antepassados estão de prova. O índice de homicídios na Pré-História chegava a mil mortos para 100 mil pessoas. É muito. O Brasil, que é o Brasil, tem 30 mortes para cada 100 mil habitantes. A China, 0,6. Ou seja: a maior vitória da civilização foi ter tornado os episódios de brutalidade relativamente raros.

Raros, mas não inexistentes, claro. Às vezes, basta uma combinação de estímulos torpes para trazer os piores instintos à tona. É o que o massacre de Suzano deixou claro. Os assassinos nutriram seus planos em um dos vários fóruns da deep web que glorificam matadores (chegaram a agradecer pelas orientações que receberam), e tiveram acesso a um revólver via tráfico de armas – área em que o ex-PM Ronnie Lessa, autor dos disparos contra Marielle Franco, atua, dado seu estoque de 117 fuzis.

Não que só isso baste para explicar o que aconteceu. Nunca vamos saber exatamente quais eram os descaminhos mentais dos assassinos, já que tais desvios morreram com os corpos deles. Mas o fato nos lembra que a selvageria está sempre à espreita, e que não faltam colaboradores a postos para quem decide abraçá-la.

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Este texto é a Carta al Leitor da SUPER de abril.

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