Tubarão-Branco: Grande injustiçado
Não precisamos temer tanto ovoraz tubarão - ele só mata para comere, quando nos ataca, é por engano
Mariana Iwakura
Todos nós temos medo do grande tubarão-branco e de seus primos menores. Depois de assistir a filmes como Tubarão ou o recente Mar Aberto, não há como não se arrepiar ao pensar em um ambiente inóspito de água infinita, rondada por um imenso animal de dentes dilacerantes. Mas é preciso perguntar: o que nos dá esse pavor – o tubarão em si ou a imagem que temos dele? O caçador marinho é, sim, um poderoso predador. Mas não é exatamente a fera que imaginamos.
“Os filmes mentem para causar sensação”, diz o biólogo marinho Peter Klimley, da Universidade da Califórnia, em Davis, Estados Unidos. “Tubarões-brancos não são tão perigosos. Eles são seletivos”, afirma. Isso quer dizer que sua força predatória é destinada à própria sobrevivência – e não a aterrorizar banhistas em praias ou barcos.
Para quebrar o mito de assassino do tubarão-branco, é preciso conhecê-lo um pouco melhor. Esse animal tem forma hidrodinâmica: parecido com um torpedo, possui corpo alongado e focinho pontudo, um formato apropriado para o ambiente aquático. Além disso, é muito musculoso. Isso se traduz em alta velocidade da natação – até 40 quilômetros por hora (para efeito de comparação, um campeão de natação humano não passa de 7,5 quilômetros por hora). “Ele tem um tamanho muito grande, mas consegue ser o animal mais ágil e forte do ecossistema marinho”, diz o biólogo Otto Gadig, da Unesp de São Vicente, no litoral paulista. Além da força e da velocidade, o tubarão tem outras armas para caçar. Ele, de certa forma, tem sete sentidos – dois além de tato, olfato, visão, audição e paladar. O primeiro, que todos os peixes têm, é a linha lateral – uma série de poros enfileirados no corpo do animal com a função de sentir estímulos mecânicos. O segundo são as ampolas de Lorenzini, estruturas presentes na região debaixo do focinho compostas de câmaras com células especializadas em receber estímulos eletromagnéticos. Como todo corpo emite um campo elétrico, isso é útil para que o tubarão perceba presas enterradas, escondidas ou até invisíveis no escuro ou em águas turvas.
A caçada de um tubarão-branco é uma mistura de violência, sangue e pedaços de carne e tripas – nada bonita de ver. Entretanto, ele não ataca aleatoriamente ou por crueldade. Seu comportamento predatório mostra padrões organizados por tipos de presa. As favoritas são os pinípedes – mamíferos como focas e leões-marinhos. Geralmente, os tubarões-brancos atacam esses animais por baixo. É uma estratégia eficiente, já que ele tem as costas negras e se mistura à escuridão da água, tornando difícil que a presa o aviste. Para pegar uma foca, o tubarão nada do fundo para cima, morde a presa perto da superfície e a leva entre os dentes para debaixo d’água. Ele então a segura firmemente até que ela morra e pare de sangrar – é a chamada técnica da hemorragia. Depois de arrancar um pedaço, ele solta a carcaça. Mais tarde, pode voltar à superfície para comer outro pedaço do animal morto.
Já com leões-marinhos, o ataque é diferente. Ele começa com uma explosão – o tubarão se choca fortemente com a presa. Às vezes, essa força é suficiente para levá-la para fora d’água. O leão-marinho, ao contrário da foca, escapa mais rapidamente da primeira mordida e volta à superfície, sangrando, contorcendo-se e nadando de maneira desorientada. Mas logo o tubarão ressurge e o captura de novo, para mordê-lo outra vez e soltar a carcaça já sem sangue.
Se a estratégia do tubarão-branco para abater determinadas presas é sabida, o método que ele usa para escolhê-las ainda é obscuro. Uma possibilidade é que ele primeiro faça uma identificação visual e, depois de morder o animal, analise o paladar para decidir se vai comê-lo ou não. Os ataques a humanos podem ter essa lógica. “Uma idéia interessante é a de que os tubarões confundem humanos por presas como focas, mas depois percebam o erro”, diz Otto Gadig.
Um ataque a um homem ocorrido nas Ilhas Farallon, na Califórnia, pode comprovar essa teoria. Um tubarão-branco mordeu a perna de um mergulhador e puxou-o para baixo por poucos segundos, enquanto o homem sangrava muito. De repente, o tubarão soltou-o e foi embora. Pesquisadores que faziam um estudo na área concluíram que, já que o padrão de ataque é igual ao da caça a uma foca – morte por hemorragia – e que o tubarão largou a “presa”, ele deve ter percebido uma diferença no sabor. Comportamento parecido foi relatado em outros ataques a humanos, assim como a pelicanos e lontras. Como os três são compostos basicamente de músculos e focas e leões-marinhos são compostos de gordura, a hipótese mais forte é a de que os tubarões-brancos preferem alimentos mais gordos e se livram dos magros.
A explicação para essa preferência pode estar na alta velocidade de crescimento do tubarão-branco: o comprimento dos adultos aumenta mais de 5% ao ano, uma taxa maior do que a de tubarões de águas mais quentes. A escolha pela camada de gordura de focas e afins, rica em energia, estaria ligada à necessidade de crescimento em águas mais frias, de mares temperados. Em mares tropicais, ele tende a se alimentar de presas menores – e a ser menor.
Normalmente, o tubarão-branco caça sozinho, e sempre se pensou que fosse um animal solitário. Mas pesquisas recentes têm constatado que eles podem se juntar a grupos em determinadas situações. Peter Klimley e sua equipe fizeram um experimento com tubarões-brancos na Baía de Monterey, na Califórnia. Eles identificaram cinco tubarões e monitoraram-nos com sensores de alta freqüência. Em três semanas, somente duas caças foram registradas. No entanto, quando um deles teve sucesso ao pegar uma presa, os outros convergiram para o local. Após a refeição daquele tubarão que havia matado a presa, os restos permaneceram flutuando na água. Os outros tubarões que foram atraídos para o lugar não lutaram pela comida. Surpreendentemente, eles começaram um tipo de ritual: cada um levantava sua cauda e batia-a contra a superfície, espirrando água à sua volta. Klimley sugere que isso é um tipo de comunicação entre os tubarões-brancos. Aquele que espirrou mais água que os outros, levantando a cauda e parte do corpo para fora do mar, foi o “vencedor” e pôde comer o resto da caça.
É particularmente difícil estudar um tubarão-branco em seu ambiente natural. Por isso, pouco se sabe sobre seu comportamento – e menos ainda sobre as variações populacionais. Não é possível sequer estimar quantos deles há no mundo. Se a ciência consegue traçar esses números para leões, por exemplo, que habitam espaços visíveis e razoavelmente delimitados, o mesmo não vale para tubarões-brancos, que vivem espalhados pelos oceanos.
A dificuldade de estudá-los pode piorar com a diminuição das populações de peixes em geral, devido à pesca. Alguns cientistas acreditam que o tubarão-branco já esteja ameaçado de extinção em lugares como a costa da Califórnia, Austrália e África do Sul. “Apesar de não haver como contar tubarões-brancos, já que as áreas são ilimitadas, a diminuição na população é estimada pela menor captura”, diz o biólogo Marcelo Szpilman, do Instituto Aqualung, no Rio de Janeiro. “A avaliação é de que a população tenha caído até 79% entre os últimos 15 e 20 anos.”
O tubarão-branco, como se vê, não é o mesmo monstro pintado em livros e filmes. Após ter criado terror com sua imagem, o homem parece estar percebendo que é preciso protegê-lo. A África do Sul foi a primeira a proibir sua caça, em 1991. Mais tarde, outros países seguiram o exemplo. Mas os resultados dessas medidas ainda são discutíveis. Como diz Peter Klimley: “A ameaça do tubarão-branco sobre as pessoas pode se revelar pequena em comparação à ameaça das pessoas sobre o tubarão”.
Tubarão rebocador
Era junho de 1978 – começo de verão. Na costa leste dos Estados Unidos, próximo a Nova York, um grupo de pescadores saía de barco para caçar baleias. No meio da pescaria, acharam que tinham tirado a sorte grande – o arpão atingiu o que parecia ser um enorme animal. Apesar do golpe, o bicho não morreu. Admiravelmente, começou a se mover – e a levar o barco junto. Era um grande tubarão-branco, e o arpão havia se prendido às suas costas. Com seu tamanho e força, ele tentava livrar-se da arma e arrastou o barco de pesca de cerca de 15 metros de comprimento. Por fim, após 14 horas e 23 quilômetros, o cabo se arrebentou e o tubarão fugiu. Os homens não levaram o animal como troféu. Ele virou mesmo história de pescador.
Fatos selvagens
Nome vulgar
Tubarão-branco
Nome científico
Carcharodon carcharias
Dimensões
Até 7,1 metros
Peso
Até 3 toneladas
Principais armas
Conjunto de recursos para caça – sensores para estímulos luminosos, mecânicos, elétricos e químicos; mandíbula e musculatura
Comportamento social
Normalmente é solitário, mas ocasionalmente se reúne em grupos
Expectativa de vida
25 anos
Ataques a humanos
805 ataques (99 fatais) entre 1990 e 2003
Quanto come
60 quilos por dia, em média
Dieta
Focas, leões-marinhos, peixes, outros tubarões, baleias, lulas, polvos, toninhas, golfinhos
Principais inimigos
Não tem inimigos
Se você encontrar um
Mantenha a calma e tente sair da água sem perder o tubarão de vista e sem agitação, pois o animal é atraído pelo movimento
Para saber mais
Na livraria
Tubarões no Brasil – Marcelo Szpilman, Mauad, 2003
Nas bancas – DVD
Território Selvagem – Tbarão – Documentário produzido pela BBC e lançado no Brasil pela Super (à venda em abril)