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Será que há vida escondida nas nuvens de Vênus?

Um grupo de astrobiólogos propôs que, se há vida no planeta, ela come enxofre – e se esconde nas nuvens, onde a temperatura é menor que na superfície

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 18 Maio 2023, 11h21 - Publicado em 2 abr 2018, 15h41

Em Vênus, um dia de 462 °C é considerado ameno. Outono. Mas se a temperatura, por si só, não for suficiente para torrar microorganismos hipotéticos, também dá para mencionar a atmosfera com 96,5% de dióxido de carbono – e só 0,002% de vapor de água. Em outras palavras, passar a noite no planeta mais quente do Sistema Solar é mais ou menos como acampar no escapamento de um caminhão ligado… Só que três vezes mais quente. Encontrar vida como a conhecemos por lá seria um milagre.

Mas é claro que a seleção natural dá um jeitinho para tudo. A Terra está repleta de microrganismos extremófilos – isto é, bactérias adaptadas a ambientes como soda cáustica ou os 11 quilômetros de profundidade da fossa das Marianas, no Pacífico. O metabolismo delas é tão adaptado a essas condições que elas sequer sobrevivem em ambientes mais tranquilos. Por que, então, não poderia existir um bichinho microscópico capaz de aguentar o tranco do planeta mais quente da nossa vizinhança?

Uma equipe de astrobiólogos – cientistas especializados em vida fora da Terra – propôs que, se é que Vênus tem seus extremófilos, o mais provável é que eles vivam na densa atmosfera do planeta, em meio às nuvens. Eles baseiam a hipótese em duas premissas: uma é que o astro esquentadinho, em um passado distante, teve condições climáticas propícias ao surgimento da vida. Outra é que, embora hoje em dia a superfície do planeta seja uma sucursal do inferno, seu céu (mais precisamente a faixa entre 40 km e 60 km de altitude) teria condições de pressão e temperatura bem mais tranquilas – e poderia, em tese, abrigar seres vivos em suspensão.

“Vênus teve muito tempo para evoluir suas próprias formas de vida”, afirmou em comunicado Limaye Sanyaj, da Universidade de Wiscosin – e o principal autor do artigo científico. Segundo ele, o planeta teve depósitos de água líquida em sua superfície por cerca de 2 bilhões de anos. “Isso é muito mais do que se supõe ter ocorrido em Marte.” Ou seja: não é improvável que a vida tenha prosperado por lá no passado – e que os poucos microrganismos que sobreviveram à mudança climática violenta estejam abrigados lá em cima até hoje. A 40 km de altitude, a temperatura fica entre 0 ºC e 60 ºC, e a pressão é algo entre metade e o dobro da atmosfera terrestre. Esses são parâmetros bem razoáveis para a sobrevivência de seres vivos semelhantes aos que conhecemos.

Essa não é uma ideia nova: foi proposta pelo físico Harold Morowitz em 1967, e popularizada por Carl Sagan. Entre 1962 e 1978, várias sondas visitaram a estrela da manhã para coletar dados. Agora, porém, essas ideias e dados podem ser reinterpretados à luz das descobertas mais recentes de astrônomos e biólogos. Por exemplo: vistas daqui, as nuvens de Vênus têm manchas escuras compostas de ácido sulfúrico e montes de partículas não-identificadas. Essas manchas têm padrões de absorção de luz similares aos de algumas bactérias. Nada impede, portanto, que as partículas sejam colônias de microrganismos extremófilos com metabolismo baseado em enxofre. É difícil saber sem dados que diferenciem matéria orgânica de não orgânica, mas o artigo científico descreve detalhadamente como seria a “digestão” desses seres, se eles existissem. 

Essas e outras propostas sobre a vida em Vênus precisam, obviamente, ser investigadas e comprovadas na prática. Por isso, Sanyaj e seus colegas propõem uma série de simulações de laboratório e métodos de observação que poderiam dar conta do recado. “Investigações sobre as nuvens de Vênus podem se beneficiar de uma mistura de sondas em órbita, sondas na superfície do astro e missões de coleta de amostras para trazê-las de volta à Terra.” Em outras palavras, o artigo é especulativo. É acima de tudo, um convite para a comunidade científica levar a sério a busca por seres vivos no planeta mais tórrido das redondezas.

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