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Os verdadeiros segredos do Sexo

Os cientistas finalmente descobriram por que as espécies se reproduzem daquela maneira que todos conhecem, ou de outra, sem graça nenhuma.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 28 fev 1990, 22h00

Lúcia Helena de Oliveira

Semelhantes a finíssimos fios de cabelos, certas algas que os biólogos chamam Spyrogira, constituídas por uma só carreira de células, não cessam de crescer e multiplicar-se. A célula, na ponta, duplica-se o tempo todo, até que a alga, de tão longa, acaba por se quebrar — a partir desse instante, passam a existir duas algas e o processo continua. Há quatro anos, cientistas canadenses notaram na emaranhada cabeleira verde que forma a planta aquática um acontecimento incomum nessa rotina: de repente, brotou um microscópico espinho em uma célula; esta, com o novo acessório, furou a alga vizinha, injetando-lhe o seu material genético. Daí surgiu uma teoria tão excitante que, hoje em dia, quando o assunto é reprodução sexual, a conversa tem de começar pelas algas. Afinal, antes daquela descoberta, todo cientista interessado em estudar esse assunto antigo como a vida corria o risco de levar para a cama um motivo de insônia. Pois, por absurdo que pareça, do ponto de vista estritamente biológico não se conhecia uma boa razão para haver sexo.

Um paradoxo sempre intrigou os pesquisadores da reprodução: os seres vivos gastam um tempo precioso em busca de um parceiro; quando o encontram, muitas vezes precisam proteger o achado de rivais poderosos com unhas e dentes — no sentido literal, ou figurado, conforme a espécie. Além disso ainda se despende uma respeitável quantidade de energia nos jogos de sedução. E as armas mais eficazes para a conquista podem às vezes voltar-se contra seus donos. O pavão, exemplo típico de exibicionista, pode atrair várias fêmeas com o charme de sua cauda, mas em compensação mal consegue fugir de um predador devido ao peso de seu leque de penas multicoloridas. Mesmo quando todo o esforço vale a pena, no caso individual ou da espécie, o sexo como forma de reprodução perde de longe para a reprodução assexuada.

É pura matemática: enquanto cada indivíduo assexuado é capaz de ter um filho, na reprodução sexuada são necessários dois indivíduos para nascer um filho. O resultado é que, desconhecendo o sexo, uma espécie pode se reproduzir duas vezes mais depressa. Como uma lei biológica elementar faz com que qualquer espécie tenda a propagar o seu estoque genético ao máximo — isto é, mediante o nascimento do maior número possível de indivíduos —, então o certo seria antes só do que acompanhado. Mas não é isso o que se observa na natureza e aí está o paradoxo: apenas a minoria de 15 mil espécies animais, dos 2 milhões existentes no planeta, prefere se reproduzir assexuadamente, ou seja, crescendo e se dividindo, como a alga Spyrogira.

“Diante disso, podemos imaginar que a princípio fazer sexo devia parecer uma excelente opção”, avalia o geneticista Oswaldo Frota-Pessoa, da Universidade de São Paulo. Em outras palavras, de alguma maneira a reprodução sexual teria de aumentar a quantidade de filhos — o que, de fato, o sexo não proporcionou. Mas, do ponto de vista dos genes, como a espetada das Spyrogira mostrou, a reprodução sexual representava um ótimo negócio: as algas continuavam a se reproduzir assexuadamente e, dessa maneira, o material genético injetado passava a ser copiado não em um, mas em dois organismos, o que espetou e o que foi espetado. A alga que recebeu os genes estranhos, por sua vez, também se tornava capaz de penetrar em uma célula alheia e assim, rapidamente, a reprodução sexual se espalhou. Supõe-se que com as células primitivas, as bactérias, algo semelhante tenha ocorrido.

“O sexo surgiu graças a genes parasitas, que se disseminaram feito uma praga”, sugere Frota-Pessoa, um paulista de cabeça branca, quatro filhos, com o olhar entusiasmado de um adolescente ao falar de sexo. Motivos de entusiasmo não lhe faltam. Ele, afinal, estuda o assunto há mais de quarenta dos seus 72 anos, escreveu 44 livros e já perdeu o cálculo de quantas vezes, uma página aqui, um capítulo ali, questionou a consagrada teoria da variabilidade dos genes, que aponta como a grande vantagem do sexo o fato de embaralhar as características maternas e paternas, criando em uma mesma espécie seres geneticamente diversificados, portanto com maiores chances de sobrevivência. Essa qualidade é uma feliz conseqüência do intercâmbio de material genético, o que, por definição, é sexo — mas jamais a sua razão de ser.

As células da maioria das espécies são diplóides, ou seja, possuem duas cópias de cada gene; os genes, por sua vez, formam cordões, os chamados cromossomos, que se distribuem aos pares (23, no caso dos humanos). A única exceção são as células sexuais, também conhecidas como gametas, que têm somente uma cópia de cada cromossomo. Caso contrário, se os gametas também fossem diplóides, o número de cromossomos dobraria a cada geração. É quase impossível, contudo, que os cromossomos de um par sejam idênticos, pois as duas cópias de um gene, ao serem reunidas na reprodução sexual, costumam se apresentar em versões diferentes: no par que determina a cor dos olhos, por exemplo, um gene pode indicar o azul e a sua cara metade pode indicar o castanho. No ser humano, que possui mais de 100 mil genes, as possibilidades de combinações beiram o infinito. E assim cada ser é praticamente único.

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Pode-se dizer que em uma população sexuada sempre existem, por exemplo, indivíduos mais adaptados à seca e outros mais preparados para viver em clima úmido. Na reprodução assexuada, porém, os filhos são cópias idênticas dos pais, cujo organismo por definição está pronto apenas para enfrentar o aqui e o agora — uma lástima num mundo em que o normal é a mudança. Um estudo de geneticistas americanos mostra que as espécies assexuadas conhecidas são derivadas das sexuadas — sinal de que as formas primitivas, que ignoravam o sexo, não conseguiram chegar até os dias atuais, justamente por falta de jogo de cintura genético.

É sempre assim: em espécies em que o sexo é a norma, uma mutação genética faz eventualmente aparecer uma fêmea assexuada, portadora de óvulos já prontos para gerar um embrião. Esta, é claro, acaba se reproduzindo com tamanha velocidade que logo se espalha por grandes áreas. Ora, como na competição por alimentos costuma vencer quem pertence ao time mais numeroso, a população assexuada tende a sobreviver aos indivíduos sexuados que lhe deram origem. O processo mata a charada com que topou há 23 anos a bióloga Denise Peccinini Seale, da Universidade de São Paulo, quando foi pela primeira vez à Amazônia analisar células de uma família de pequenos lagartos que atende pelo nome de Cnemidophorus. Depois de 45 horas subindo o rio Trombetas, chegou ao vilarejo de Oriximiná, onde, para sua surpresa, encontrou uma população dos répteis constituída só de fêmeas.

Dois anos antes, outro pesquisador havia encontrado também machos por ali. Seu desaparecimento, em tão pouco tempo, se explica pela existência de uma fêmea capaz de se reproduzir sem ajuda alheia. Os biólogos já sabiam que os lagartos, ao passar por mutações genéticas, tornam-se capazes desse tipo de reprodução, a partenogênese. “Mas, a essa altura, eu queria saber se encontraria sexo entre os lagartos caso continuasse subindo os rios da região”, conta Denise. Ela voltou à Amazônia outras quinze vezes em 21 anos. E, graças a tantas viagens, completou recentemente um trabalho, em cooperação com cientistas americanos, que pode ser considerado uma verdadeira revolução sexual: por causa de um complicado sistema de divisão celular, a meiose, a fêmea partenogênica também tem a diversidade dos genes, até então o grande trunfo de quem praticava sexo. “Como o filhote não é um clone da mãe, passamos a admitir a existência de uma reprodução sexual modificada”, resume a bióloga.

Quem prefere sexo na versão original, no entanto, pode ficar tranqüilo. É teoricamente impossível para a maioria das atuais espécies sexuadas deixar os machos de lado, pois milhares de genes, ao longo da evolução, acabaram se envolvendo com o sexo. No princípio, a vida desconhecia a diferença entre feminino e masculino: a célula, como a da alga Spyrogira, fazia o papel de fêmea ao receber os genes alheios; mais tarde, fazia as vezes de macho ao penetrar em outra para injetar o material genético. Alguns genes, contudo, pouco a pouco foram se especializando. O processo culmina com o aparecimento, em algumas plantas, dos gametas, células cuja única função é reproduzir o indivíduo.

Também a partir de então aparece uma divisão de trabalho: alguns organismos cuidam de fabricar gametas pequenos, que se locomovem com facilidade e possuem enzimas especiais para romper a barreira de outra célula — e eis que surge o macho, mestre na arte de fecundar; outros organismos produzem gametas maiores, dentro dos quais começa a se desenvolver o novo indivíduo — e brota a fêmea, especialista em dar crias. A maioria das plantas no entanto é hermafrodita, isto é, possui tanto o minúsculo grão de pólen do macho como o óvulo da fêmea em que a semente será gerada. Faz sentido: com as raízes fincadas no chão, uma roseira não pode ir ao encontro amoroso de outra. As plantas dependem do vento, dos insetos e dos pássaros — cupidos que, atraídos pelas cores que vibram e pelo perfume que os vegetais exalam na época do acasalamento, abandonam o pólen de uma flor em outra. Se cada vegetal tivesse apenas um sexo, seria grande a chance de que o pólen de uma planta macho pousasse em outra planta macho — e então não haveria reprodução. No entanto, concentrar a energia exclusivamente em um sexo torna a produção de gametas mais eficaz e por isso, no reino animal, um hermafrodita como o caracol é um bicho raro. Bom para ele. Pois, quando se arrasta por um solo arenoso, feito molusco, qualquer distância pode tornar um amor impossível; logo, tem de tirar todo proveito dos momentos passados ao lado do parceiro: os dois seres se esticam, ficam em posição vertical e se enroscam em um abraço que pode durar um dia inteiro; enquanto isso, fabricam agulhas finas de um material semelhante ao das conchas, através das quais um caracol fecunda o outro.

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O que faz os caracóis insistir na procura do parceiro são genes responsáveis pela atração. “De nada adiantaria a capacidade de realizar sexo, se um ser não sentisse compulsão de se acasalar”, raciocina o geneticista Frota-Pessoa. Um galo, mesmo criado em isolamento, ao ver uma galinha começa a circular em torno dela, fazendo-lhe a corte. O sistema nervoso de todo animal já nasce programado para o sexo. Como uma espécie de seguro adicional, os genes ainda fazem com que certas glândulas jorrem hormônios, que desencadeiam o desejo, a pulsão sexual.

Para os bichos, verdadeiras tentações são substâncias chamadas feromônios, cujos odores atraem machos na direção de fêmeas e vice-versa. No caso do homem, nenhum perfume é assim tão irresistível. O sexo, é claro, tem cheiros próprios, provocados por alterações no organismo, que eventualmente convidam a mais sexo. O olfato, porém, tem um papel secundário no desejo humano. Segundo o neuroendocrinologista Marcello Delano Bronstein, do Hospital das Clínicas de São Paulo, algumas gotas de um perfume como o celebrado Chanel n° 5 provocam a febre devastadora pela qual tais essências são tão apreciadas, por causa da testosterona, o hormônio sexual masculino — que, aliás, as glândulas femininas também produzem, em doses dez vezes inferiores, o suficiente para acender a paixão. “Pessoas com taxas baixas do hormônio têm a libido diminuída”, nota o médico. Nada indica, porém, que dosagens maiores de testosterona aumentem o desejo, como se acreditava no passado. Outro hormônio ligado ao sexo, mas de forma negativa, é a prolactina, cujas taxas aumentam na mulher durante a gravidez e na amamentação, diminuindo o desejo.

Alguns cientistas suspeitam que, nos animais superiores, a falta de interesse da fêmea pelo parceiro, após o parto, tem a função de permitir que ela dedique suas energias aos filhotes. E no final das contas — o que pode surpreender muito paquerador —, os filhos estão sempre por trás da recusa de uma fêmea. Ao menos foi isso o que observou o naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882) ao estudar o que chamou a seleção sexual, ou seja, os estratagemas que as espécies desenvolveram a fim de que os indivíduos possam seduzir-se uns aos outros. Segundo Darwin, uma das primeiras formas de vida a se enfeitar para esse jogo foram as anêmonas, plantas aquáticas que se distinguem pelo colorido. Na maioria das espécies, o sim é prerrogativa da dama. Nada mais justo, pois ela precisa escolher um macho que lhe proporcione as maiores chances de perpetuação dos próprios genes. Para tanto, contam a aparência e a persistência do cavalheiro; seu comportamento é percebido pela fêmea como indício da maior ou menor disposição de cuidar da prole que virá.

A drosófila, pequenina variedade de mosca, é um exemplo típico de astúcia feminina, atiçando o macho, mas sem cooperar na hora agá — isso só acontecerá muitas piruetas mais tarde, quando, excitada pela dança do casanova ao seu redor, a fêmea permite a aproximação. “Por instinto”, explica Frota-Pessoa, “a drosófila reconhece naquele que perde mais tempo com acrobacias a intenção de ficar a seu lado quando nascerem os filhotes.” O comportamento sexual dos bichos parece sempre mostrar uma lógica ditada pela natureza. No homem, porém, o sexo, como tantas outras manifestações, é uma requintada mistura de natureza e cultura, instinto e aprendizado. Ao criar símbolos, o ser humano fez da sedução um jogo complexo, em que a fantasia desempenha um papel essencial. Sendo a única espécie para a qual o sexo não depende de cio nem tem data marcada, como acontece com os outros animais, o homem pôde transformar o prazer físico em erotismo — e este em amor.

 

 

Para saber mais:

Toda a vida do mundo

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(SUPER número 7, ano 4)

 

 

 

 

Onde o macho não entra.

Em duas espécies de vertebrados, peixes e lagartos, os filhotes herdam genes apenas da mãe. Certos peixes se reproduzem por ginogênese, um processo em que a fêmea se vale do estímulo do macho para desovar mas, depois, quando começam as divisões celulares, os genes trazidos pelo espermatozóide são deixados de lado e o embrião se desenvolve só com a herança materna. Nos lagartos ocorre a partenogênese — um modo de reprodução por sinal comum entre os insetos —, em que uma fêmea, aparentemente igual a qualquer outra companheira sexuada de espécie, produz um óvulo diplóide, ou seja, com duas cópias de genes, portanto capaz de gerar o embrião sem ser fecundado pelo macho.

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De acordo com um estudo recente, as células dessas fêmeas se dividem por meiose, uma forma de embaralhar os genes típica da reprodução sexuada: os cromossomos se duplicam, formando dois pares de gêmeos idênticos; os pares são cortados por enzimas em diversos pontos; recombinados, criarão novos cromossomos. A célula, já com quatro pares de cromossomos, se divide para voltar a ser diplóide. Segundo a bióloga Denise Peccinini Seale, da Universidade de São Paulo, “a meiose é tão bem realizada por esses lagartos que, comparando as fêmeas partenogênicas com os indivíduos sexuados da mesma espécie, as primeiras têm mais diversidade nos genes”.

 

 

 

Amar é….

Amar, de certo modo, é ter reações químicas em cascata. No caso da espécie humana, quatro milhões de receptores na pele podem captar os carinhos recebidos e enviar a mensagem do prazer ao cérebro. Este, a princípio, manda as glândulas competentes liberar cortisona, açúcares e adrenalina no sangue. O coquetel mexe com o organismo: o coração e a respiração disparam, o metabolismo se acelera, os vasos capilares se dilatam. Com isso, a pele fica ruborizada e a temperatura do corpo aumenta. Devido a todo esse calor, as glândulas, da pele, que se concentram em regiões como os órgãos genitais, funcionam a pleno vapor, produzindo substâncias cujo odor típico aumenta a excitação.

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O cérebro torna então a reagir, desta vez autorizando a liberação de dopamina, um hormônio de efeito antidepressivo, nas células nervosas. Quando a mistura de agentes químicos parece chegar ao ponto de ebulição, o sistema nervoso, cauteloso por experiência, envia acetilcolina, um hormônio antagonista das substâncias excitantes. A súbita interrupção causa um espasmo que o corpo, no limite do estresse, como uma corda de violino distendida ao máximo, recebe com o maior prazer — é o orgasmo. Em seguida, o cérebro encerra o expediente com a liberação das endorfinas, analgésicos naturais que provocam a sensacão de relaxamento após o sexo.

 

 

 

Como a vida se defende

A fêmea do dourado, peixe comum nos rios brasileiros, produz 5 mil óvulos sobre os quais o macho esparrama milhões de espermatozóides; o casal se reproduz cerca de 15 vezes durante seus dezoito anos de vida — e, no final, restam apenas um ou dois herdeiros. Milhares de óvulos deixaram de ser fecundados, não vingaram ou foram repasto de predadores. Por isso, a natureza desenvolveu mecanismos de proteção à vida que chega. Os répteis deram um grande passo: seus óvulos, bem maiores, já contêm os nutrientes para os embriões, enquanto até os anfíbios o embrião tinha de se nutrir diretamente da água, dependendo assim do ambiente. Também com os répteis surge o acasalamento, ou seja, o organismo feminino passa a ser o território da fecundação.

As técnicas de segurança ficaram ainda mais aperfeiçoadas com os mamíferos. Marsupiais como os cangurus são uma amostra dessa passagem: além de ser interna a fecundação, o embrião formado começa a se desenvolver no útero, de onde ele sairá para alcançar com as próprias garras uma espécie de bolsa na barriga da mãe; daí alcança as tetas, completando dessa maneira o seu desenvolvimento. Nos demais mamíferos, porém, o filhote só é expulso do ventre materno quando seu organismo já está pronto para a vida.

 

 

 

 

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