Por que alguns cachorros comem cocô?
A resposta pode estar nos antepassados deles: os lobos. Entenda por que esse hábito meio nojento também pode ter um lado positivo
Alguns cachorros têm uma dificuldade crônica em dizer adeus ao próprio cocô. Eles preferem comê-lo. Isso quando um dejeto fresco de outro peludo não dá as caras na calçada, apetitoso, durante um passeio. Aí é irresistível. Esse comportamento – que, felizmente, acontece com frequência em apenas 16% dos cães – não deixa só os donos preocupados: os biólogos também acham difícil explicá-lo.
Afinal, fezes transmitem doenças. Do ponto de vista evolutivo, um animal que gosta de comer o que não deve tende a morrer mais rápido e a deixar menos descendentes – o que diminuiria o número de genes “comedores do cocô” circulando na população ao longo do tempo, até o comportamento desaparecer de vez.
É o mesmo mecanismo que deu ao ser humano a sensação de nojo. Nós temos aflição de alimentos em decomposição porque os Homo sapiens mais antigos, que não tinham essa sensação, morreram tentando comê-los – e não passaram o comportamento nocivo para frente. A seleção natural não perde tempo com más ideias.
Algumas situações, em princípio, teriam força suficiente para contrariar essa pressão evolutiva óbvia. Talvez os cachorros que comem cocô usem o truque para regular a microbiota intestinal, quando necessário (ou seja, ingerir bactérias que melhorem o funcionamento do intestino). Talvez eles façam isso só quando estão passando fome. Ou talvez eles tenham problemas psicológicos.
Mas não é o que mostra um artigo científico publicado hoje por veterinários da Universidade da Califórnia – o maior e mais completo relatório já produzido sobre o assunto, com informações sobre mais de 3 mil animais.
Os pesquisadores perceberam que os cachorros que não comem cocô (a maioria, 77%), não comem de jeito nenhum. Em hipótese alguma. Os que comem, por outro lado, dificilmente abandonam o hábito, mesmo depois de receberem tratamento profissional, com remédio e adestrador. Sexo, idade, castração, dieta e a idade em que o cachorro foi separado da mãe na infância não tiveram influência sobre as estatísticas.
A frequência com que um cachorro é exposto a cocô, por outro lado, influi. Cachorros que moram com outros cachorros têm mais tendência a fazer escolhas alimentares duvidosas – justamente porque há mais dejetos dando sopa. A raça também tem alguma influência: o pastor-de-shetland é o que mais gosta do prato. O poodle, por outro lado, é o que tem mais nojinho.
A maioria dos cachorros que comem cocô só o ingerem ele for fresco, ou seja, tiver sido produzido há no máximo dois dias. E é aí que entra, segundo os pesquisadores, a explicação mais plausível: lobos, em estado selvagem, cultivam o hábito de botar fezes para dentro justamente para evitar que elas fiquem jogadas no ambiente, atraindo moscas, vermes e outras criaturinhas pouco higiênicas. É provável que os riscos de saúde associados a comer o cocô fresco, bem rápido, sejam menores que os de deixá-lo ao relento.
Mais uma peça pregada por Darwin. Na dúvida, tenha um poodle. E o mantenha longe dos dejetos alheios.