“Peixes não existem”, diz toda uma classe de cientistas. E faz sentido
Por causa da uma disputa científica, tem quem afirme que a categoria que une Dorys e Nemos nunca foi mais que imaginação
Um passeio ao aquário contém muito mais polêmica do que qualquer visitante pode imaginar. Você vai lá, principalmente, para ver os peixes — são diferentes espécies e classes, os cartilaginosos, como tubarões e arraias, e os de nadadeira raiada, caso dos salmões — mas, no geral, são todos peixes, certo? Bem, é aí que a coisa complica.
Existe um grupo de cientistas, apelidados de cladistas, que garantem que peixes não existem. Eles acreditam que a mera ideia de um grupo chamado “peixes” vai contra aquilo que sabemos sobre a evolução das espécies.
Para visualizar a história evolutiva do nosso planeta, os cientistas distribuem as espécies em árvores filogenéticas — Árvores da Vida —, que mostram como os seres se desenvolveram a partir de antepassados comuns. Um grupo de espécies que deriva de um mesmo antepassado forma um clado.
Essas bolinhas aqui em cima indicam antepassados comuns. Assim, mamíferos e répteis formam um clado pequeno a partir da bolinha à direita. Mas os clados podem ser ainda maiores, começando em qualquer uma dessas bolinhas. O problema é que os quatro primeiros grupos dessa imagem são todos chamados de “peixes”. Cada um deles pode ser considerado um clado separadamente. Mas se você tentar juntar todos em um grupo evolutivo só, tem que apelar para o “mínimo múltiplo comum”, o antepassado mais antigo de todos eles.
Só que, nesse caso, o clado acaba incluindo também mamíferos, anfíbios e formas de vida radicalmente diferentes entre si. É como tentar encontrar semelhanças físicas entre primos com 5 graus de distância. A conclusão dos cladistas é que então, segundo a classificação evolutiva, ou os peixes não existem, ou todos nós somos peixes.
Essa afirmação soa absurda, mas na realidade reflete uma disputa entre duas formas de classificar os seres vivos: o sistema taxonômico de Lineu (aquele que divide os seres em espécies, gêneros, famílias, ordens, classes e reinos) e o filogenético. Antes do desenvolvimento da Teoria da Evolução, a forma de estudar e classificar as espécies era muito mais visual: os cientistas examinavam ser a ser, então colocavam os mais parecidos (interna e externamente) nos mesmos “rankings” de classificação — que, em geral, são os que aprendemos na escola.
Já a evolução acabou colocando em cheque a relação taxonômica entre seres que se parecem, mas estão em posições bastante diferentes na árvore filogenética da evolução. O peixe pulmonado, por exemplo, é pouco discernível de um bacalhau, mas tem um antepassado evolutivo comum mais recente com a vaca do que com o salmão. Assim, na taxonomia evolutiva, os dois peixes acabam separados. É o que os cladistas chamam de debate de “instinto versus ciência”.
Pode parecer um mero detalhe, mas classificações filogenéticas rigorosas ajudam os cientistas a entender (e a explicar) fatos bizarros, como a relação importante entre dinossauros e galinhas. Da próxima vez que for ao aquário, além de procurar o Nemo, vale se perguntar se aqueles peixinhos nadando lado a lado são “irmãos” darwinianos ou primos separados por milhares de anos de pressão evolutiva.