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Peixe paz e amor se defende injetando opióides em seus predadores

Como não quer o mal de quem tenta comê-lo no almoço, o Meiacanthus nigrolineatus injeta uma dose de analgésico nos predadores e foge enquanto eles relaxam

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
30 mar 2017, 16h50

Pequenos peixes, grandes presas. O discreto blackline fangblenny (Meiacanthus nigrolineatus), peixinho de aquário do Oceano Índico com cerca de 9 cm de comprimento, ostenta um par de dentões caninos desproporcionais – e eles não são só enfeite. Quando atacado por predadores, o nigrolineatus entra em clima de resistência pacífica e, em vez de injetar os venenos dolorosos carregados pela maior parte das espécies do gênero Meiacanthus, usa uma dose pesada de analgésicos opióides – categoria de drogas como a morfina e a heroína.

A descoberta é da equipe de Nicholas Casewell, biólogo da Escola de Medicina Tropical de Liverpool, na Inglaterra. Num artigo científico, os cientistas relatam testes com ratos de laboratório em que o único efeito colateral da substância liberada pelo peixinho de listra negra (veja foto) foi uma queda brusca na pressão sanguínea do mamífero – que saiu desorientado e com náuseas, incapaz de correr atrás do próprio almoço.

“É surpreendente que o veneno do nigrolineatus seja indolor”, afirmou à imprensa Bryan Fry, coautor do estudo e pesquisador da Universidade de Queensland. “Peixes venenosos costumam causar dores insuportáveis. A pior dor que já senti, com exceção de quando quebrei a coluna, foi a causada pela cauda venenosa de uma arraia. É um inferno.”

Uma análise química da picada psicodélica revelou três componentes protéicos básicos. O primeiro deles é um neuropeptídeo também presente em gastrópodes do gênero Conus – moluscos de concha alongada como este aqui, cujo veneno, não por coincidência, já foi estudado por suas propriedades analgésicas. O segundo é uma enzima comum no coquetel de toxinas dos escorpiões, e o terceiro é o peptídeo opióide exclusivo do fangblenny.

É claro que fangblennies não são comida de rato, mas de outros animais marinhos, e não há ainda como confirmar que os efeitos de opióides em peixes e mamíferos sejam iguais. Mas é bem provável que sim, e uma das evidências disso é o rebuliço causado pela presença do nigrolineatus nos ecossistemas que habita. Segundo os pesquisadores, peixes de porte parecido desenvolveram pintura semelhante a ele, uma espécie de fantasia fornecida pela evolução biológica para enganar predadores que não estão a fim de comer uma dose de morfina no almoço.

Também há evidências de que esses peixes, em sua história evolutiva, desenvolveram seus dentões portentosos antes do veneno em si, o que vai na contramão do padrão de animais como cobras – que primeiro desenvolveram determinadas secreções tóxicas para se defender, e depois passaram a inocular essas substâncias em quem estivesse “folgando” com elas. Diferentão, pacifista e before it was cool. O nigrolineatus é mesmo fora de série.

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