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O Universo é plano? Ou será ele uma esfera de quatro dimensões?

Não há debate quanto à forma da Terra, mas os terraplanistas ficarão felizes em saber que a geometria do cosmos ainda é motivo de alguma discussão.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
25 Maio 2020, 10h49

Uma mesa é uma superfície plana, de duas dimensões. Uma formiga caminhando em uma mesa só pode ir para frente, para trás, para a esquerda e para a direita; ela obviamente não é capaz de se descolar para cima ou para baixo. Agora imagine que você quer confundir a formiga. Que você quer mantê-la vivendo em uma superfície plana como uma mesa, mas que não tem beiradas. Uma mesa com uma propriedade bizarra: se a formiga começar a andar em uma direção, ela pode andar nessa direção indefinidamente, sem jamais cair no chão.

Um jeito um tanto complicado de fazer isso é arranjar uma mesa infinita. Mesmo que a formiga vivesse e caminhasse por toda a eternidade em uma direção só, ela nunca encontraria o fim do móvel. Um jeito mais simples é colocar a formiga para andar em uma enorme esfera feita com a mesma madeira da mesa. A esfera é tão grande em relação à formiga que ela não é capaz de perceber a curvatura – até onde o inseto pode verificar, trata-se de uma superfície plana (perceba que essa é a limitação cognitiva que convence os terraplanistas: a Terra é uma bola grande demais para parecer uma bola aos olhos de quem está em sua superfície).

Outro jeito interessante de enganar a formiga vai exigir um pouco mais de imaginação – a partir de agora, finja que você está em um episódio de Rick and Morty e que qualquer absurdo está valendo. Suponha que o tampo da mesa seja maleável, como uma folha de papel ou o tecido de uma cama elástica. Você pode primeiro enrolar a mesa, como se faz com uma folha de cartolina, para formar um tubo. Um cilindro. Depois, você junta as duas extremidades do tubo e forma uma rosquinha. O GIF abaixo ilustra o processo.

O Universo é plano? Ou será ele uma esfera de quatro dimensões?

Perceba que, agora, o mundo da formiga se tornou um jogo de Pac Man gigante: quando ela sai por uma extremidade da mesa, ela reaparece na outra extremidade. Se o bichinho tentar cair pela beirada da esquerda, ela vai entrar pela beirada da direita. O inseto pode andar para sempre, e sempre voltará repetidas vezes ao ponto de onde começou. Que nem o Pac Man. Quando ele sai por uma ponta da tela, reaparece na outra. O nome que os matemáticos dão para essa rosquinha do eterno retorno é toro.

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Perceba que, em dois dos casos mencionados – a esfera e a rosquinha –, nós precisamos transformar a mesa bidimensional em algo com três dimensões para dar à formiga a ilusão de que ela está em uma superfície bidimensional infinita. São truques matemáticos muito fáceis de visualizar até para um leigo na área, porque nós vivemos em um Universo de três dimensões e podemos manipular formas que têm altura, largura e comprimento com as mãos.

Resumindo o papo até agora: temos três tipos de mesa enganadora de formiga. A mesa com beiradas infinitas, a mesa esférica e a mesa rosquinha. Memorize estes três. Há outros jeitos de enganar a formiga, mas eles envolvem matemática extremamente complexa e não estão ao alcance explicativo de um repórter da SUPER.

Agora vamos para a parte que é de explodir a cabeça. O Universo – esse lugar enorme e cheio de estrelas em que você vive – precisa ter uma forma. Essa forma tem que ser diferente no caso dele ser infinito e no caso dele não ser. Nos dois casos, porém, você é como a formiga: nunca conseguirá perceber qual das duas alternativas está certa apenas com seus olhos de Homo sapiens.

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Se o Universo for infinito, então ele é como uma versão em três dimensões da mesa infinita. Pense, então, em uma caixa infinita. Não importa o quanto você percorra a caixa em qualquer direção: para os lados, para frente e para trás ou para cima e para baixo. A caixa nunca acaba. Até aí, tudo bem.

Por outro lado, se o Universo tiver extensão finita, como no caso da esfera ou da rosquinha, então é necessário dobrá-lo para alcançar o efeito desejado. E aí o negócio fica maluco: se você precisa dobrar as formas 2D em 3D para transformá-las em rosquinhas ou esferas, isso significa que o único jeito de fazer o mesmo com uma forma de três dimensões é dobrá-la em quatro dimensões. E nós, humanos, não temos acesso cognitivo a quatro dimensões. Nosso cérebro não consegue conceber uma rosquinha ou uma esfera quadridimensional.

Há uma maneira de determinar qual é a forma do Universo. De saber se ele é a caixa infinita, a rosquinha, a esfera ou qualquer outra dessas opções. As equações da Relatividade Geral de Einstein permitem realizar esse cálculo. Para isso, porém, é preciso antes determinar uma variável: qual é a densidade da matéria e da energia que há no espaço. Se a densidade estiver em um valor crítico exato – que corresponde a mais ou menos seis átomos de hidrogênio por metro cúbico de cosmos –, então o Universo é o que os físicos chamam de plano. E aí ele pode ser como a caixa (se for infinito) ou como a rosquinha (se for finito).

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Por outro lado, se a densidade for superior a esse valor crítico, o Universo será como a esfera. Também há a possibilidade de que o Universo tenha densidade inferior ao valor crítico, e aí ele vira uma outra forma completamente diferente das que analisamos até aqui: uma batata Ruffles de quatro dimensões.

Na década de 1990, verificou-se a existência de uma certa energia escura – uma energia sobre a qual nada sabemos além do fato bastante relevante de que ela corresponde a 73% do conteúdo total de matéria e energia do cosmos. E isso permitiu determinar que a densidade do Universo é justamente a densidade crítica. Ou seja: o espaço provavelmente tem a forma da caixa infinita ou da rosquinha, mas não da esfera ou da batata Ruffles.

Mas vamos repetir: os físicos não sabem absolutamente nada sobre a natureza energia escura; daí o nome tão cifrado. Especialistas mais céticos levantam até a possibilidade que a energia escura seja a demonstração de um bug do arcabouço teórico de Einstein – e que precisaríamos de uma nova revolução científica para explicá-la. Você pode entender essa questão melhor conhecendo o trabalho da física brasileira Marcelle Soares-Santos, nesta reportagem.

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Um cosmos com curvatura plana, como o que a física contemporânea leva a crer que o nosso Universo é, tem a propriedade de se expandir eternamente. Mas Universos com curvatura positiva ou negativa abrem possibilidades teóricas incríveis – como a de um Universo que passa por ciclos de expansão e contração. Você pode entender melhor essa possibilidade neste texto, sobre o físico brasileiro Mario Novello, um dos pioneiros do estudo de universos cíclicos.

 

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