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O que você precisa saber sobre a missão BepiColombo, que vai a Mercúrio

Por que ela decolou da Guiana, perto do Amapá? Por que ela são duas sondas em uma? E o que, afinal, há para fazer nesse pequeno planeta?

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 22 out 2018, 19h34 - Publicado em 22 out 2018, 19h14

Se você alguma vez se perguntou que tipo de coisa acontece na Guiana Francesa – aquele território sul-americano que não é bem um país e faz fronteira com o Amapá –, a resposta veio na última sexta (19), às 22h45: foi de lá que a missão não-tripulada BepiColombo decolou rumo ao planeta Mercúrio, à bordo do foguete mais poderoso da Agência Espacial Europeia (ESA), o Ariane 5. O lançamento ocorreu no Centre Spatial Guyanais (em francês, “centro espacial guianense”), localizado na cidade de Kourou – que fica a 600 km de Macapá e tem 19 mil habitantes.

BepiColombo
(ESA - S. Corvaja/Divulgação)

O lançamento

A Guiana Francesa é um território ultramarino da França – isto é, um estado ou província que não é adjacente ao território de seu país, como o Havaí e o Alasca no caso dos EUA. A França instalou uma base de lançamento ali, e não na Europa, porque sua pequena posse sul-americana fica quase em cima na linha do Equador. Lugares próximos ao Equador são cobiçados pelos engenheiros como locais de lançamento por um motivo muito simples: ali, a velocidade de rotação da Terra é maior do que em qualquer outro parte do planeta – o que confere um impulso extra na decolagem e economiza combustível.

Por exemplo: se um foguete fosse lançado de São Paulo, que fica no Trópico de Capricórnio, ele seria arremessado da Terra a uma velocidade de 1.525 quilômetros por hora (km/h). Já nas proximidades do Equador – onde ficam, além da base francesa, as bases de Alcântara, no Maranhão, e Barreira do Inferno, no Rio Grande do Norte – o impulso grátis fica por volta de 1.660 km/h, o que dá uma diferença de 135 km/h. Em outras palavras, só de estar de pé no Equador o foguete já dá a largada com mais pique do que se saísse de outro lugar.

Para entender por quê, imagine dois carros de Fórmula 1, um fazendo uma curva por dentro, o outro fazendo por fora. O que está fazendo a curva por fora, se não quiser ser ultrapassado, precisa correr mais, pois precisa se deslocar por mais metros. Da mesma forma, as coisas que estão em cima da parte mais gordinha da Terra – isto é, no Equador – giram mais rápido que as que estão nos polos, pois precisam percorrer uma distância maior em 24 horas para completar uma volta (isto é, um dia).

O caminho

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A missão BepiColombo foi batizada em homenagem a um professor da Universidade de Pádua que colaborou com a primeira missão a Mercúrio (Mariner 10, da Nasa), em 1973. Ela não consiste em uma sonda: são duas, uma construída pela ESA e outra pela agência espacial do Japão, a Jaxa (você descobrirá seus nomes nos próximos parágrafos). Ambas serão carregada até Mercúrio por um veículo maior, o Mercury Transfer Module (MTM). Além de tirar proveito da influência gravitacional de Vênus e Terra para manobrar, o MTM pode determinar seu caminho por conta própria acionando motores elétricos alimentados por energia solar – um recurso que não faltará no caminho. 

O MTM carrega uma câmera para registrar a viagem em selfies – a primeira foto, já no espaço, foi publicada no sábado (20) às 8h40 no site da ESA (veja abaixo). Nela é possível ver uma parte do painel solar, o que é ótimo, pois mostra para os engenheiros aqui na Terra que essa peça foi acionada com sucesso.

BepiColomb
O painel solar, visto de uma foto tirada pela própria sonda na noite de sábado, menos de um dia após a decolagem. (ESA/BepiColombo/MTM – CC BY-SA IGO 3.0/Divulgação)

As sondas em si são a Mercury Planetary Orbiter (MPO), de construção europeia, e a Mercury Magnetospheric Orbiter (MMO), de construção japonesa. Elas só vão se separar do veículo principal quando chegarem a Mercúrio, em dezembro de 2025. Dava para a viagem ser mais rápida? Até dava: Mercúrio está razoavelmente perto de nós e alguns meses bastam para alcançá-lo. A questão é que se você simplesmente arremessar a sonda em linha reta na direção ao alvo, ela vai ignorá-lo solenemente em vez de entrar em sua órbita. E acabar se chamuscando letalmente no que está logo atrás dele – o Sol. 

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O jeito é se aproximar de mansinho, percorrendo círculos que ficam cada vez mais abertos, até que um deles intercepta a órbita de Mercúrio e permite que a dupla de sondas una seu caminho ao dele suavemente. Serão necessárias uma passagem pela Terra, duas por Vênus e seis pelo próprio Mercúrio até a BepiColombo alcançar a trajetória correta para entrar de vez no campo gravitacional do anãozinho do Sistema Solar. Uma vez em sua órbita, porém, os problemas só aumentam.

Mercúrio é um lugarzinho ingrato: seu lado iluminado pelo Sol alcança facilmente 450ºC. Já no lado escuro impera uma friaca de -180 ºC. Os instrumentos científicos do MPO e do MMO, porém, precisam operar a mais ou menos 20ºC, e não são muito fãs de variações térmicas bruscas. Para tornar a missão viável, os engenheiros da MMO precisaram bolar um truque divertido: ela dá 15 voltas em torno de si mesma por minuto – feito um frango que gira no forno para que todos os lados queimem na mesma proporção. Já a MPO possui um cobertor térmico especial e um radiador extremamente potente.

O destino

“Um aspecto único dessa missão é que duas sondas vão monitorar o planeta de lugares diferentes simultaneamente”, explicou em comunicado oficial Johannes Benkhoff, um dos cientistas que trabalha na missão (veja na imagem abaixo). “Isso é essencial para entender processos associados ao impacto dos ventos solares na superfície de Mercúrio e seu ambiente magnético.”

BepiColombo_orbits
(ESA/ATG medialab/Reprodução)
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Mercúrio, de fato, é o patinho feio da bússola. Por muito tempo se pensou que seu interior fosse sólido, e não majoritariamente fundido e viscoso, como o da Terra. Isso significaria que ele não tem campo magnético, uma propriedade que emerge graças a circulação do ferro líquido no interior dos planetas. Outra característica que colabora com a formação de um campo magnético de respeito é uma rotação razoavelmente rápida – coisa que Mercúrio, cujos dias duram 59 dias terrestres, não tem.

O problema é que as duas missões que o visitaram até hoje, a já mencionada Mariner 10 e a Messenger, lançada em 2004, não só encontraram um campo magnético suave (com 1,1% da força do da Terra) como descobriram que ele atua de maneiras diferentes no sul e no norte do planeta – expondo mais uma parte do que outra aos efeitos dos ventos solares.

Além de investigar o magnetismo de Mercúrio, a missão também fará uma mapa de sua superfície usando laser, e investigará sua densidade anormalmente alta. Entender a história da formação de um planeta rochoso muito próximo do Sol é mais importante do que nunca. Muitos exoplanetas – isto é, planetas que orbitam outras estrelas – potencialmente habitáveis ficam muito próximos de suas estrelas, a distâncias similares ou menores que a de Mercúrio.

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