Como a engenharia se inspira na natureza
No pântano, no meio do mato, no fundo do mar, dentro de uma colmeia, não importa. Unidos, empresários e cientistas estão buscando na experiência de 3,8 bilhões de anos da natureza ideias para desenvolver produtos supermodernos.
Usada para descrever soluções copiadas do meio ambiente, a biomimética era, até alguns anos atrás, uma expressão restrita aos laboratórios. Agora, a ciência das invenções inspiradas na natureza está deixando de ser apenas um jargão científico para chegar ao mercado, tornando palpável a sabedoria do planeta na oferta de respostas às mais variadas situações do cotidiano, desde uma tinta que repele sujeira até o uniforme que vai camuflar automaticamente os soldados americanos no futuro (veja abaixo).
Janine Benyus, bióloga norte-americana e fundadora do Biomimicry Institute, focado em difundir as técnicas da biomimética, foi a responsável por popularizar esse conceito em 1997. No livro Biomimética: Inovação Inspirada pela Natureza, ela detalhou como a ciência estava estudando as melhores ideias de mares, florestas e desertos para resolver os problemas do século 21. Claro, o homem sempre copiou a natureza – em coisas simples e sofisticadas, como os aviões, que não passam da imitação de pássaros. A novidade de Janine foi propor essa inspiração como um método de trabalho, uma abordagem sistemática para resolver problemas. Desde então, seu telefone tocou bastante. Designers, arquitetos e empresários foram até a bióloga para entender como eles poderiam se inspirar na natureza para criar novos produtos. Mas eles não queriam apenas a sua consultoria, e sim (e essa foi a parte que a deixou mais feliz) ser levados para o mato, para o deserto, para o fundo do mar.
Saindo dos escritórios, das fábricas e das salas de reunião, eles entraram em contato direto com a natureza para tirar dela não a matéria-prima, mas ideias – respostas a suas perguntas. Desde então, o site Ask Nature, uma espécie de catálogo online mantido pelo instituto de Janine, já catalogou cerca de 2 mil projetos biomiméticos. “Quando escrevi o livro, estava falando com cientistas, que estavam estudando, e não comercializando isso. Depois, as companhias começaram a me ligar, pedindo biólogos para seus departamentos de desenvolvimento”, diz Janine. Como o serviço não existia, ela criou o Biomimicry 3.8 (o inglês para biomimetismo, seguido do número que representa 3,8 bilhões de anos de evolução), um programa que treina profissionais de diversas áreas para desenvolver projetos inspirados na natureza. “A biomimética agora está sendo ensinada nas universidades”, diz.
Ao olhar para a natureza não como um ambiente selvagem, mas como o resultado de um sofisticado sistema evolutivo que produziu soluções eficientes e baratas (em alguns casos, muito à frente da nossa tecnologia), alguns empresários passaram a tirar o chapéu para o planeta. Em um dos projetos mais ambiciosos, por exemplo, a libélula foi o ponto de partida de barcos cujo teto solar tem a forma de asas que conseguem aproveitar as duas energias mais comuns da Terra: a do sol e a do vento. O sistema da empresa australiana SolarSailor utiliza painéis no topo da embarcação que conseguem capturar, com a ajuda de um software, o recurso natural que estiver mais abundante no momento. O mecanismo se inspirou nas asas largas e flexíveis da libélula, que capturam a radiação solar, aquecem seus músculos e preparam o inseto para o voo. Além disso, a libélula aproveita o movimento duplo de suas asas para manipular o ar ao redor delas e atingir melhor mobilidade e precisão no seu voo.
O fabricante garante economia de combustível de até 50%, dependendo da aplicação, e o projeto rendeu à empresa o prêmio Energy Globe Award de 2013, um conhecido prêmio de meio ambiente. No outro ano, chegará ao mercado a primeira garrafa de água que se enche sozinha. Inspirados pelo besouro-da-namíbia, os pesquisadores da empresa NBD Nano anunciaram que vêm produzindo protótipos de um recipiente que consegue extrair água do ar e armazenar mais de 3 litros do líquido por hora. A garrafa copia o princípio do inseto que habita uma das regiões mais áridas do planeta. Todos os dias, ele sobe as dunas do deserto africano, às margens do Atlântico, e deixa a brisa bater na sua carapaça, aproveitando-se de um complexo processo que permite a condensação da água no seu corpo. A garrafa também combina um material que atrai e outro que repele a água. Enquanto o primeiro faz a coleta, o segundo é responsável por direcionar as gotas para um reservatório. O mesmo besouro também inspira as malhas coletoras de água de uma organização canadense sem fins lucrativos, a FogQuest, que você vê abaixo.
As duas experiências têm inúmeras aplicações, mas os empreendedores citam os benecífios para habitantes de vilas pobres, que poderão obter água potável perto de sua casa, em vez de caminhar longas distâncias carregando baldes sobre a cabeça. Não é à toa que o arquiteto Michael Pawlyn, outro entusiasta da biomimética, compara a natureza a um catálogo de produtos. “Estamos tão fascinados com a nossa própria tecnologia que esquecemos que, fora disso, existe um mundo que está se desenvolvendo há bilhões de anos”, resumiu o engenheiro Jamie Miller, outro fã, em palestra do TED. Para Janine, foi incrível testemunhar como o seu conceito saiu dos laboratórios e parou nas pequenas empresas e nas corporações – e hoje, já está dentro das casas, espalhado pelo mundo. “O número de produtos inspirados na natureza dobra a cada ano”, diz a bióloga.
Uniformes camaleões
Quando serviu como militar no Afeganistão, o bioengenheiro norte-americano Kit Parker percebeu que os uniformes camuflados tornavam os soldados alvos fáceis para os inimigos. Segundo Parker, não há nada de discreto no uniforme camuflado e alguns soldados estão sendo mortos justamente porque podem ser vistos de longe. De volta aos laboratórios de Harvard, ele está se dedicando a criar uniformes que se adaptam automaticamente ao ambiente. Afinal, se camaleões e lulas podem se camuflar conforme a situação, por que o Exército norte-americano, dos drones e dos óculos de visão noturna, não pode recriar a tecnologia da natureza? Atualmente, os soldados recebem dois uniformes, um verde e outro marrom-claro, para combiná-los de acordo com o ambiente. O problema é que, frequentemente, as missões acontecem em mais de um cenário e não há vestiário no campo de batalha para trocar de roupa. Para criar o uniforme camaleão, Parker está, na verdade, buscando mais inspiração nas lulas do que nos lagartos que mudam de cor. Os moluscos também são considerados mestres na camuflagem. Eles têm reservatórios de pigmentos nas camadas da pele, que são expelidos e fazem com que mudem de cor. O pesquisador trabalha na análise de como as proteínas da pele das lulas permite essa troca de cor. Parker quer aplicar pigmentos semelhantes em fibras têxteis e criar um tecido que dará aos soldados o poder de se camuflar de verdade. A expectativa é que a tecnologia esteja pronta em cinco anos.
Tinta autolimpante
As asas da Morpho, conhecida no Brasil como borboleta-seda-azul, estão sempre limpas sem que ela gaste tempo ou energia na faxina. A combinação da superfície das suas asas com propriedades das moléculas de água impede a aderência da sujeira e torna a lavagem pela chuva mais rápida. Inspirada pela borboleta, uma empresa europeia, a Sto, decidiu fazer uma tinta que copia o princípio autolimpante do inseto voador, uma propriedade também presente na flor de lótus, cujas pétalas estão sempre limpas, mesmo no meio de um pântano. O produto foi lançado na linha de tintas Lotusan – o sonho de qualquer dona de casa. Ao observar como as asas da borboleta e das pétalas da flor dispunham do mecanismo autolimpante, os pesquisadores da Sto desenvolveram um sistema com materiais (eles não revelam de que tipo) que recobrem a tinta, impedindo que a água e a sujeira grudem na superfície. Essa camada protetora evita especialmente que fungos e algas se desenvolvam na parede. Depois da tinta ser aplicada, toda a água que for derramada sobre ela sairá rolando, levando junto a sujeira da supefície. O resultado será uma parede permanentemente limpa e seca. Adaptável para concreto, alvenaria e gesso, a tinta já está sendo usada em “edifícios autolimpantes”. Um galão de 15 litros custa a partir de £ 159 (cerca de R$ 594), 40% a mais do que a linha convencional da empresa. A Sto diz que uma fachada pintada com o seu produto requer uma manutenção menor, mas adverte que o efeito não é vitalício: em algum momento, será necessário pintá-la de novo.
Concreto feito com ar
Para cada nova tonelada de cimento produzida, uma tonelada de CO² é emitida na queima de combustíveis fósseis – e o gás carbônico é aquele que causa, entre outros problemas, o aquecimento global. Brent Constantz, fundador da Calera, uma empresa californiana, observou a natureza e descobriu que esse mesmo gás se dissolve nos oceanos e forma outra molécula, a CO³, ou carbonato. Juntando isso com o cálcio da água do mar, nasce o carbonato de cálcio, que é sólido. É assim que se formam os corais. A empresa percebeu que, em vez de emitir CO² para produzir cimento, poderia capturá-lo e imitar o processo realizado nos oceanos, usando o gás como matéria-prima. Hoje, cada tonelada de cimento produzida pela Calera utiliza meia tonelada de CO² capturado da atmosfera.
A fábrica transforma o CO² em mineral por meio da precipitação aquosa, um proceso que imita o que acontece no fundo do mar, para transformá-lo em carbonato de cálcio sólido, um material com a consistência de um fino pó branco, que pode ser usado como base para a fabricação de vários produtos, especialmente o cimento. Nos Estados Unidos, a empresa já vendeu seu cimento para projetos como a reforma das calçadas de um município e o nivelamento do terreno de um edifício comercial. O carbonato de cálcio, nesses casos, funciona como um produto complementar, substituindo cerca de 15% do cimento comum na mistura para a preparação do concreto. O cimento feito da Calera também foi usado na fabricação de vasos de plantas e bancos decorativos.