O fim da era espacial
Com a aposentadoria do ônibus espacial, que parte sem deixar sucessor, termina a fase de aventura da exploração do espaço. E começa a do lucro
Salvador Nogueira
O último voo dos ônibus espaciais já aconteceu. E deixou um gosto amargo na boca dos fãs da exploração espacial. O que acontece agora? Em uma palavra: nada. Todas aquelas ideias de concluir a construção de uma estação espacial e então usá-la como espaçoporto e campo de provas antes do lançamento de tripulações na direção da Lua e de Marte, culminando com a efetiva colonização do sistema solar, se esvaíram pelo ralo. Ficaram só na promessa. É o fim da era espacial como a conhecemos.
Discorda? Então responda: qual é o próximo grande projeto da Nasa para seus astronautas agora?
Pois é. Até o ano passado, ainda dava para responder: retomar a exploração tripulada da Lua, com dois foguetes e duas espaçonaves novinhas em folha. Era o Projeto Constellation, tratado pelo então administrador da Nasa, Mike Griffin, como uma nova versão do Projeto Apollo. Acontece que Barack Obama acabou com o Constellation. Uma decisão natural nestes tempos de crise do mundo desenvolvido. O que surpreendeu mesmo foi outra coisa: ninguém ligou para o corte.
Convenhamos: o programa espacial já não atrai tanto a atenção do público como fazia durante a Guerra Fria, em que ser o melhor país no espaço significava ser a maior superpotência. Quando a Nasa anunciou que não haveria Constellation nem retorno à Lua, as únicas personalidades notórias a chiar foram alguns astronautas veteranos do Projeto Apollo.
Daqui em diante os ônibus espaciais vão se tornar peças de museu. E todas as fichas da exploração do espaço estarão nas mãos da iniciativa privada. Nas mãos de empresas que já passaram a construir foguetes particulares – a Nasa entra apenas aprovando os trabalhos e comprando as passagens para seus astronautas. Demanda para isso até existe: além de transportar astronautas para a Estação Espacial Internacional, e satélites para a órbita da Terra, esses serviços privados de transporte serviriam ao mercado do turismo espacial. Por isso mesmo, a indústria está correndo para oferecer alternativas, e os primeiros testes dos novos foguetes têm sido um sucesso. Em destaque está a empresa SpaceX, fundada pelo engenheiro Elon Musk (empreendedor que ficou bilionário depois de inventar o PayPal). Ela já demonstrou em voo uma espaçonave que deve levar carga à estação espacial e, lá para 2015, humanos.
O mais interessante é o seguinte: um ônibus espacial não sai do chão por menos de US$ 600 milhões; enquanto isso, o envio de uma nave da SpaceX sai por US$ 130 milhões – com promessa de queda de preço para o futuro. A eficiência de Musk assustou até os maiores concorrentes dos EUA no espaço: os chineses. Eles admitiram que seus foguetes são incapazes de voar pelo mesmo preço.
Então, no sentido de dominar a órbita terrestre, parece que as coisas vão indo muito bem, obrigado. Essas regiões do espaço próximas à Terra, onde ficam os satélites de GPS e de telecomunicações, continuarão bastante ocupadas. Para sempre. Com ou sem a Nasa.
Mas a coisa se complica quando ultrapassamos a distância de 36 mil quilômetros da Terra, onde ficam os chamados satélites geoestacionários. A partir dali, simplesmente não há demanda para voos espaciais. Do ponto de vista dos governos, não há interesse militar ou de publicidade em ir mais longe (como havia na época da Guerra Fria). Do das empresas, pior ainda: elas são movidas pelo lucro – e não há lucro vislumbrável na Lua, em Marte ou seja lá onde for.
Mesmo as sondas não tripuladas estão sem futuro. Todos os planetas já foram visitados por pelo menos uma espaçonave, e até Plutão, hoje um ex-planeta, será explorado de perto, em 2015 (a sonda que irá estudá-lo, a New Horizons, já está no espaço desde 2006). Missão cumprida.
A exploração marciana por robôs, tão badalada nos últimos anos, também tende a arrefecer. Isso porque o próximo grande passo seria uma missão de retorno de amostras, capaz de trazer pedras de lá para cá. Mas custa um mundo de dinheiro, e as grandes agências espaciais, embora interessadas, não tiveram coragem sequer de orçar a empreitada.
Se a indústria continuar prosperando e os custos do envio de cargas e pessoas ao espaço continuarem diminuindo, é possível que programas mais arrojados de exploração possam ser implementados no futuro. Isso pode até viabilizar comercialmente a mineração de elementos raros na Lua e em asteroides… Seria uma segunda era espacial. Mas, por enquanto, teremos de viver com os pés no chão mesmo.
* Salvador Nogueira é jornalista, autor do livro Rumo ao Infinito: Passado e Futuro da Aventura Humana na Conquista do Espaço e, apesar de tudo, ainda espera ver pegadas humanas em Marte antes de morrer.